Anica
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Artigo de Ana Paula Sousa para a Folha de São Paulo:
[size=x-large]Romance revela jogo de intrigas que nutre mundo literário[/size]
"O que destrói uma pessoa, qualquer pessoa, por mais reservada que seja, é a vaidade." Foi com essa pequena sabedoria, apregoada até mesmo pelos biscoitinhos da sorte chineses, que o pretendente a escritor Beto Nunes conseguiu aproximar-se do contista Geraldo Trentini, o ídolo esquivo.
Foi, provavelmente, com essa mesma técnica que o escritor Miguel Sanches Neto conseguiu tornar-se amigo de Dalton Trevisan, o autor dos contos cada vez menores e das aparições cada vez mais raras.
Os paranaenses Nunes e Trentini são os protagonistas do romance "Chá das Cinco com o Vampiro". Sanches e Trevisan são os protagonistas de uma rixa literária que teve o primeiro capítulo em 2004 e chega agora ao "gran finale".
A confusão foi trazida a público por meio de uma "carta aberta" em que Sanches, ao saber da contrariedade do "mestre" ao tomar contato com os manuscritos, negava tratar-se de biografia. A resposta veio em forma de poema. Em "Hiena Papuda", publicado em 2005, o contista chama o ex-pupilo de "filho adotivo espiritual de Caim" e "delator premiado".
A intriga em torno do romance fez com que, à época, nenhuma editora topasse publicá-lo. Mais eis que, seis anos depois, a fogueira, e as vaidades, voltam a ser acesas.
Esquivo
Fala serena e tímida, o escritor paranaense Miguel Sanches Neto, 45, tem, como Trevisan, o "vampiro de Curitiba", um quê de esquivo. Deseja dar entrevista sobre "Chá das Cinco com o Vampiro", mas, ao mesmo tempo, mede com cautela cada uma das palavras. As primeiras perguntas são respondidas por e-mail. E é apenas ao telefone que admite: "O livro não tinha sido sequer publicado e, mesmo assim, eu já tinha sido agressivamente atingido. Passei todo esse tempo na defensiva. Mas acho que cansei de ser atacado".
Sanches, autor de livros como "Chove sobre Minha Infância" e "Um Amor Anarquista", refere-se às alfinetadas literárias que, entre 2004 e 2005, movimentaram o meio cultural paranaense e, pela ferocidade das palavras, acabaram por divertir também o ambiente literário nacional --mais afeito aos tapinhas nas costas.
Tudo começou quando, numa atitude que hoje vê como ingênua, o autor entregou o texto a um suposto amigo. Foi um pulo para que o livro chegasse às mãos de Dalton Trevisan e outro pulo para que os comentários ferozes surgissem.
"Escrevi então uma carta dizendo que era um romance, uma narrativa ficcional na sua intenção e que não ia publicar o livro, numa tentativa de encerrar o assunto", conta Sanches. De nada adiantou. Foi chamado por Trevisan de "hiena papuda" para baixo.
Sanches insiste que todos os personagens têm algo de ficcional. Mas, além de ter a mesma origem e idade de Dalton Trevisan, o escritor Geraldo Trentini chegou a cuidar da fábrica de vidros da família, formou-se em direito, na Federal do Paraná, na década de 1940, e caminha, com os olhos no chão, trajando "calça jeans, camisa xadrez de mangas compridas, boné marrom com a aba cobrindo os olhos e tênis cinzentos".
A narrativa divide-se entre a formação literária e afetiva de Beto Nunes e seus encontros com um grupo de escritores (ou quase) de Curitiba. E, nesse segundo caso, pouco importa quem são de fato Valério Chaves, o amigo com "pretensões vanguardistas" que faz uma "literatura trash" ou o jornalista político Orlando Capote --que, ao que tudo indica, é o jornalista Fábio Campana. Seus tiques pertencem a toda uma "casta" de intelectuais.
"Depois de conviver com escritores por algum tempo, você acaba sentindo necessidade de fazer parte da espécie humana, pois os deuses, os deuses cansam", diz Sanches, pela voz de Nunes. "Os deuses são fanhosos. Falam apenas de suas obras. E querem plateia."
Cabe também à pena de Nunes uma reflexão curiosa sobre o mistério que, no fim, só fez crescer o interesse pela obra de Dalton Trevisan e alimentou o mito. "Num período em que as televisões exploram a vida íntima das pessoas, o mistério sobre Geraldo se tornou um grande tema da literatura nacional (...) Esconder a intimidade mais ou menos medíocre fez com que sua biografia crescesse. E talvez agora só lhe reste manter o mistério."
Geraldo Trentini, o personagem, dá empurrões e quebra a máquina de uma fotógrafa, acha que todos que andam pela rua com uma máquina estão querendo flagrá-lo, só sai de casa disfarçado e, reza a lenda, não há amigo que não acabe por transformar em inimigo.
Trentini também escreve contos cada vez menores e Nunes desconfia, não sem uma ponta de ironia, que isso talvez se deva à artrite. O ex-confrade também afia a lâmina literária ao citar frases que o contista, sem a caneta, profere: "O meu buquê de flores, minha caixa de bombom é o meu folhetinho de contos." Ele admite, porém, que sua própria "caça ao vampiro" se deve ao fato de Geraldo ser "tão grande para os paranaenses" que eles só admitem a existência de outros Geraldos". E Daltons. E Trevisans.
"CHÁ DAS CINCO COM O VAMPIRO"
Autor: Miguel Sanches Neto
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (236 págs.)
[size=x-large]Romance revela jogo de intrigas que nutre mundo literário[/size]
"O que destrói uma pessoa, qualquer pessoa, por mais reservada que seja, é a vaidade." Foi com essa pequena sabedoria, apregoada até mesmo pelos biscoitinhos da sorte chineses, que o pretendente a escritor Beto Nunes conseguiu aproximar-se do contista Geraldo Trentini, o ídolo esquivo.
Foi, provavelmente, com essa mesma técnica que o escritor Miguel Sanches Neto conseguiu tornar-se amigo de Dalton Trevisan, o autor dos contos cada vez menores e das aparições cada vez mais raras.
Os paranaenses Nunes e Trentini são os protagonistas do romance "Chá das Cinco com o Vampiro". Sanches e Trevisan são os protagonistas de uma rixa literária que teve o primeiro capítulo em 2004 e chega agora ao "gran finale".
A confusão foi trazida a público por meio de uma "carta aberta" em que Sanches, ao saber da contrariedade do "mestre" ao tomar contato com os manuscritos, negava tratar-se de biografia. A resposta veio em forma de poema. Em "Hiena Papuda", publicado em 2005, o contista chama o ex-pupilo de "filho adotivo espiritual de Caim" e "delator premiado".
A intriga em torno do romance fez com que, à época, nenhuma editora topasse publicá-lo. Mais eis que, seis anos depois, a fogueira, e as vaidades, voltam a ser acesas.
Esquivo
Fala serena e tímida, o escritor paranaense Miguel Sanches Neto, 45, tem, como Trevisan, o "vampiro de Curitiba", um quê de esquivo. Deseja dar entrevista sobre "Chá das Cinco com o Vampiro", mas, ao mesmo tempo, mede com cautela cada uma das palavras. As primeiras perguntas são respondidas por e-mail. E é apenas ao telefone que admite: "O livro não tinha sido sequer publicado e, mesmo assim, eu já tinha sido agressivamente atingido. Passei todo esse tempo na defensiva. Mas acho que cansei de ser atacado".
Sanches, autor de livros como "Chove sobre Minha Infância" e "Um Amor Anarquista", refere-se às alfinetadas literárias que, entre 2004 e 2005, movimentaram o meio cultural paranaense e, pela ferocidade das palavras, acabaram por divertir também o ambiente literário nacional --mais afeito aos tapinhas nas costas.
Tudo começou quando, numa atitude que hoje vê como ingênua, o autor entregou o texto a um suposto amigo. Foi um pulo para que o livro chegasse às mãos de Dalton Trevisan e outro pulo para que os comentários ferozes surgissem.
"Escrevi então uma carta dizendo que era um romance, uma narrativa ficcional na sua intenção e que não ia publicar o livro, numa tentativa de encerrar o assunto", conta Sanches. De nada adiantou. Foi chamado por Trevisan de "hiena papuda" para baixo.
Sanches insiste que todos os personagens têm algo de ficcional. Mas, além de ter a mesma origem e idade de Dalton Trevisan, o escritor Geraldo Trentini chegou a cuidar da fábrica de vidros da família, formou-se em direito, na Federal do Paraná, na década de 1940, e caminha, com os olhos no chão, trajando "calça jeans, camisa xadrez de mangas compridas, boné marrom com a aba cobrindo os olhos e tênis cinzentos".
A narrativa divide-se entre a formação literária e afetiva de Beto Nunes e seus encontros com um grupo de escritores (ou quase) de Curitiba. E, nesse segundo caso, pouco importa quem são de fato Valério Chaves, o amigo com "pretensões vanguardistas" que faz uma "literatura trash" ou o jornalista político Orlando Capote --que, ao que tudo indica, é o jornalista Fábio Campana. Seus tiques pertencem a toda uma "casta" de intelectuais.
"Depois de conviver com escritores por algum tempo, você acaba sentindo necessidade de fazer parte da espécie humana, pois os deuses, os deuses cansam", diz Sanches, pela voz de Nunes. "Os deuses são fanhosos. Falam apenas de suas obras. E querem plateia."
Cabe também à pena de Nunes uma reflexão curiosa sobre o mistério que, no fim, só fez crescer o interesse pela obra de Dalton Trevisan e alimentou o mito. "Num período em que as televisões exploram a vida íntima das pessoas, o mistério sobre Geraldo se tornou um grande tema da literatura nacional (...) Esconder a intimidade mais ou menos medíocre fez com que sua biografia crescesse. E talvez agora só lhe reste manter o mistério."
Geraldo Trentini, o personagem, dá empurrões e quebra a máquina de uma fotógrafa, acha que todos que andam pela rua com uma máquina estão querendo flagrá-lo, só sai de casa disfarçado e, reza a lenda, não há amigo que não acabe por transformar em inimigo.
Trentini também escreve contos cada vez menores e Nunes desconfia, não sem uma ponta de ironia, que isso talvez se deva à artrite. O ex-confrade também afia a lâmina literária ao citar frases que o contista, sem a caneta, profere: "O meu buquê de flores, minha caixa de bombom é o meu folhetinho de contos." Ele admite, porém, que sua própria "caça ao vampiro" se deve ao fato de Geraldo ser "tão grande para os paranaenses" que eles só admitem a existência de outros Geraldos". E Daltons. E Trevisans.
"CHÁ DAS CINCO COM O VAMPIRO"
Autor: Miguel Sanches Neto
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (236 págs.)