Cantona
Tudo é História
Campanha busca recursos para documentário sobre projeto pioneiro contra ditadura
Financiamento coletivo tenta garantir R$ 20 mil para trabalho sobre Brasil: Nunca Mais, iniciativa de advogados e religiosos para coletar diretamente dos arquivos militares informações sobre violações(...)
O documentário pretende contar a história de um grupo de advogados que, em 1979, com o privilégio de ter acesso aos processos de seus clientes, percebeu que aquele material poderia ser destruído com o processo de redemocratização que se almejava próximo – mas que só se oficializou em 1985 – e decidiu fazer cópias deles. “Já se sabia que os militares brasileiros eram muito disciplinados e adoravam documentar o que faziam. E os advogados começaram a ficar com medo de que tudo aquilo fosse destruído com a redemocratização, o que era comum em ditaduras " (...)
Mas, naquela época, fazer cópias não era fácil e barato. E eles procuraram o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, e o reverendo presbiteriano James Wright para ajudá-los. Com o apoio dos dois, uma campanha de arrecadação sem revelar seu real objetivo conseguiu, estima-se, US$ 250 mil. O dinheiro enviado pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI), protestante, geralmente chegava ao Brasil trazido sob as roupas de religiosos ou por pessoas com passaporte diplomático.
Com os recursos, os participantes do projeto compraram máquinas copiadoras e contraram pessoas para fazer o serviço. “Eles acharam que iriam conseguir copiar 10% dos processos, mas em cinco anos conseguiram xerocar todos os 710 processos que estavam na Justiça Militar”.
Finda essa parte, o grupo organizou a documentação e, em 1985, lançou o livro Brasil: Nunca Mais, que compila alguns dados. À época, o trabalho foi assinado por dom Paulo, uma maneira de resguardar a identidade e evitar represálias contra os participantes. A íntegra do trabalho foi doada à Universidade de Campinas (Unicamp) e permaneceu guardada durante mais de duas décadas, até que, em 2011, o Ministério Público Federal e entidades da sociedade civil firmaram um convênio para a digitalização do material. “Era praticamente a primeira Comissão da Verdade. Há nomes de torturadores, médicos que faziam atestados de óbito falsos, detalhes sobre torturas, nomes de grupos de esquerda perseguidos”, afirma a jornalista.
“Muitas pessoas que fizeram processos de anistia usaram esses documentos. Eles eram muito importantes porque antes era a palavra dos torturados contra a dos torturadores. Foram os primeiros documentos abertos, sem pedir permissão para ninguém. Até hoje, se briga muito porque não se tem acesso à documentação da Aeronáutica, da Marinha.” (...)
[Para produzir o documentário], a dupla está usando o site Catarse e precisa arrecadar R$ 20 mil até o dia 11 de abril. Caso falte um centavo, a campanha é considerada malsucedida e, o dinheiro, devolvido a quem contribuiu. É possível colaborar com valores entre R$ 25 e R$ 1.000. A contrapartida é a inclusão dos doadores nos créditos do filme, além de brindes.
Fonte
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Os produtores pretendem lançar o documentário Coratio em 2015, data comemorativa dos 30 anos da publicação de Brasil: Nunca Mais.
Quem se interessar em contribuir e saber mais sobre o projeto, que também pretende dialogar com eventos violentos de passado mais recente: Catarse.
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Vendo uma entrevista do Eduardo Galeano a respeito da ditadura uruguaia, uma frase, quase no fim, me chamou atenção: "O nascimento de uma realidade significa o reconhecimento da que existiu". E com ela em mente, podemos medir a importância desse tipo de iniciativa. Mas, principalmente, podemos enaltecer a coragem do grupo que literalmente "colocou o rabo na seringa" para que a divulgação dos inquéritos de Brasil: Nunca Mais fosse possível. Entenderam que memória é instrumento político e expuseram a culpa oficializada de um Estado que terminou por dedurar a si mesmo. (Além do livro, que é uma compilação de tudo que se produziu, no site Brasil: Nunca mais, encontramos todos os processos xerocados pelo grupo digitalizados).