V disse:
Fala sério, Ristow. O filme tá cheio de momentos que tentam assustar mas não conseguem. Cheio. Eu realmente não imagino o Salles tentando burlar o roteiro pra fazer algo diferente da proposta (primeiro porque não faria sentido, segundo porque ele claramente não é tão esperto assim). O fato de ele não ter conseguido assustar ninguém não significa que o filme não é terror, significa que ele é um terror ruim.
Mas digamos que você esteja certo: o Salles queria fazer um drama e simplesmente não ligava pras partes "assustadoras". Bom, essas partes ainda compõe uma grande fatia do filme, e elas simplesmente não funcionam. Assim sendo, é um filme pela metade, um filme onde os elementos não estão em harmonia, um filme cheio de espaços mortos.
Eu não sei o que se passa da cabeça do Salles então nem vou perder meu tempo dizendo o que ele queria ou não queria fazer. Apenas tive certas impressões. Mas, falando das sensaçoes práticas que o filme transmite...
Pra começar, concordo que o filme não assusta. Mas o ponto que você não está entendendo é que, para mim, isso não foi um defeito muito significante. Existem cenas que estavam ali
só para assustar (sem sucesso) e elas foram incômodas sim, como já até exemplifiquei. Outras, porém, que em tese deveriam assustar, funcionam de outras formas.
Por exemplo: quando a JC entra no apartamento de cima e encontra uma mulher vomitando. Provavelmente era para ser assustadora (cabelo encobrindo o rosto, montagem alternando entre a JC se aproximando e a mulher na privada, trilha sonora crescente, etc), mas não é. Mas veja a reação dela quando vê que é a
mãe, o desespero, a confusão que deve estar se passando dentro da cabeça dela. Não lembro de ter sentido um mísero arrepio de medo, mas lembro de sentir uma compaixão enorme pela personagem.
Outra coisa: a própria personagem parece não se assustar com os misteriosos acontecimentos, os quais apenas a irritam. Por mais que vários momentos não assustem, é interessante observar a confusão que vai se formando na mulher, frente a algo que está fora do seu controle. São pequenos fragmentos que, embora não-assustadores, são inexplicáveis, e aos poucos contribuem para dar verossimilhança ao conflito mental dela (qualquer dona de casa normal ficaria louca da vida se nada funcionasse, se houvesse uma goteira eterna do teto, se o andar de cima fosse uma piscina, se a filha falasse com amigos imaginários, etc). Então, perceba que várias dessas cenas funcionam pois têm um segundo efeito, na personagem, por menos assustadoras que sejam.
Até a cena da lavanderia, que eu citei antes como uma cena incômoda, tem um teor interessante por causa de sua ambigüidade, afinal, aquilo pode não ser alucinação? Sinais de que ela está ficando mesmo insana? O que é real? Não dá medo, mas evoca questões assim, você não ficou se perguntando? Eu fiquei.
E agora acabo de perceber uma coisa. Basicamente as cenas que para mim foram incômodas foram aquelas que focam um coadjuvante. A cena da criança divagando pelo prédio, das torneiras abrindo, da criança desenhando círculos no papel como se estivesse possuída, etc etc, não funcionaram para mim porque são direcionadas à figura da filha, que infelizmente não é um bom personagem suscetível a esse tipo de coisa, simplesmente não é interessante. Essas cenas não têm "efeito colateral" na personagem. Aí, sim, soam artificiais, desligadas e descoesas.
Mas essas partes não são
metade do filme e não o deixam incompleto. Talvez seja uma questão de como você o observa. Fui ver me concentrando mais no drama, e você foi esperando sentir medo. Já pensou nisso? A minha impressão final foi a de que o filme é sobretudo um drama, com alguns elementos sobrenaturais e uma ou outra cena infeliz. Já pra você a ordem prioritária é justamente contrária.
EDIT:
V disse:
Você acha o que, que ele em algum momento teve a intenção de tirar todas essas coisas do filme? Acorda. Ele leu o roteiro. Ele sabia o que o filme era. Se ele queria explorar os mesmos temas sem o elemento sobrenatural, por que ele aceitou fazer esse filme, então? Grana? Exatamente.
É óbvio que ele
não queria explorar os temas sem os elementos sobrenaturais, eu não falei isso. Pelo contrário, eles são essenciais. A diferença é que eles não necessariamente precisam assustar para funcionar: aqui eles são gatilhos dramáticos usados pelo Salles de forma bastante competenete.