Primeiro livro de Alan Moore, o maior roteirista de quadrinhos da atualidade (e um dos mais importantes de todos os tempos), A Voz Do Fogo impressiona já nas primeiras linhas.
O livro conta 12 histórias que se passam em épocas diferentes, mas no mesmo local - a cidade inglesa de Northampton, onde Moore nasceu e mora até hoje.
Apresentar a idéia assim, no entanto, não faz juz à criatividade da empreitada à qual Moore se submeteu ao escrever o livro. Quando eu digo que as histórias se passam em épocas diferentes, estou falando de extremos.
A primeira história, por exemplo, chamada "O Porco do Bruxo", se passa no ano de 4.000 a.C.
Sim, você entendeu certo, Quatro Mil antes de Cristo. E é narrada em primeira pessoa.
O que isso significa? Que Moore teve que desenvolver toda uma linguagem e um estilo de comunicação e pensamento pré-histórico, que fosse ao mesmo tempo coerente e compreensível. "Impressionante" é a primeira coisa que vem à minha mente quando penso no resultado.
Entendam que naquela época a concepção que os seres humanos tinham das coisas era muito primitiva. Assim, muitos termos soariam falsos, quando colocados na narrativa. O que Moore faz é desenvolver toda uma visão de mundo que, de tão simples, se torna complexa para nós, que estamos acostumados com diversos termos, desenvolvidos ao longo dos séculos, desculpem, milênios, para definir praticamente todas as coisas.
Pra quem for se aventurar, eu vou colocar aqui algumas definições, que não são absolutamente necessárias para se compreender a narrativa (já que você vai descobrindo aos poucos o que o protagonista quer dizer), mas que podem facilitar. O termo "feras-do-céu", por exemplo, se refere à nuvens. "Vontade" se refere à genitália masculina, enquanto "fêmea" se refere à genitália feminina. E, o mais brilhante, o verbo "juntar" se refere a tudo reativo à mente. Assim, "juntar" pode significar "pensar", "cogitar", concluir", enquanto "juntamentos" quer dizer "pensamentos".
O resto eu vou deixar pra vocês descobrirem. Esse pequeno "dicionário" foi mais um incentivo, pra que vocês não se deixem desencorajar pela dificuldade que a narrativa pode apresentar no princípio.
O desenvolvimento dessa linguagem torna tudo tão verossímil que você acredita mesmo que a história está sendo narrada por alguém que viveu há 6000 anos atrás.
Mas isso é só a primeira história. A segunda, "Os Campos de Cremação", se passa em 2.500 a.C., e podemos perceber um grande desenvolvimento na linguagem. E logo no princípio somos lembrados de que essa é uma época onde os seres humanos já aprenderam a trabalhar com metais, e a prostituição já é um conceito estabelecido.
Os protagonistas de todas as histórias são invariavelmente párias, de um jeito ou de outro, e estão todos interligados por um destino comum. Não vou me aprofundar muito nas tramas (mesmo porque ainda não terminei de ler o livro), mas vou adiantar alguma coisa.
Apesar da primeira história ser absurdamente bem-escrita, tive um pouco de dificuldade em me relacionar (e por vezes até me importar) com o protagonista, que parece ser um tanto estúpido, fraco e ingênuo, mesmo para os padrões da época. É desesperador, no entanto, perceber que essa era uma época onde não havia clemência, e só os fortes sobreviviam. Hoje em dia, uma pessoa fraca pode ter tantas chances como qualquer outra, dependendo das circunstâncias.
O protagonista (não tem nome, creio que o conceito de nome ainda não existia) é expulso de sua tribo depois da morte de sua mãe, e se encontra sozinho num mundo hostil e cruel. Ele fazia parte de uma tribo de nômades, e é hostilizado ao tentar se aproximar de uma vila do "povo-que-fica" (os sedentários). Aonde as andanças do personagem o levam, eu deixo para vocês descobrirem.
A protagonista da segunda história é uma trapaceira. É cruel, impiedosa e maliciosa. Quase o oposto do protagonista da primeira história. Chega a ser engraçado (aliás, é esse o objetivo) o desprezo com o qual ela se refere aos homens da época. Sua arrogância é tanta que a gente não sabe se fica com raiva ou simplesmente acha graça. Ela acredita que está acima de todos. É absurdamente inteligente para os padrões da época, e logo no começo ela mostra toda sua crueldade, arquitetando um plano que vocês vão ter que ler o livro pra saber se dá certo ou não.
Bom, chega. Vou terminar aqui, recomendando veementemente esse livro, que é com certeza um dos melhores dos últimos anos.
O livro conta 12 histórias que se passam em épocas diferentes, mas no mesmo local - a cidade inglesa de Northampton, onde Moore nasceu e mora até hoje.
Apresentar a idéia assim, no entanto, não faz juz à criatividade da empreitada à qual Moore se submeteu ao escrever o livro. Quando eu digo que as histórias se passam em épocas diferentes, estou falando de extremos.
A primeira história, por exemplo, chamada "O Porco do Bruxo", se passa no ano de 4.000 a.C.
Sim, você entendeu certo, Quatro Mil antes de Cristo. E é narrada em primeira pessoa.
O que isso significa? Que Moore teve que desenvolver toda uma linguagem e um estilo de comunicação e pensamento pré-histórico, que fosse ao mesmo tempo coerente e compreensível. "Impressionante" é a primeira coisa que vem à minha mente quando penso no resultado.
Entendam que naquela época a concepção que os seres humanos tinham das coisas era muito primitiva. Assim, muitos termos soariam falsos, quando colocados na narrativa. O que Moore faz é desenvolver toda uma visão de mundo que, de tão simples, se torna complexa para nós, que estamos acostumados com diversos termos, desenvolvidos ao longo dos séculos, desculpem, milênios, para definir praticamente todas as coisas.
Pra quem for se aventurar, eu vou colocar aqui algumas definições, que não são absolutamente necessárias para se compreender a narrativa (já que você vai descobrindo aos poucos o que o protagonista quer dizer), mas que podem facilitar. O termo "feras-do-céu", por exemplo, se refere à nuvens. "Vontade" se refere à genitália masculina, enquanto "fêmea" se refere à genitália feminina. E, o mais brilhante, o verbo "juntar" se refere a tudo reativo à mente. Assim, "juntar" pode significar "pensar", "cogitar", concluir", enquanto "juntamentos" quer dizer "pensamentos".
O resto eu vou deixar pra vocês descobrirem. Esse pequeno "dicionário" foi mais um incentivo, pra que vocês não se deixem desencorajar pela dificuldade que a narrativa pode apresentar no princípio.
O desenvolvimento dessa linguagem torna tudo tão verossímil que você acredita mesmo que a história está sendo narrada por alguém que viveu há 6000 anos atrás.
Mas isso é só a primeira história. A segunda, "Os Campos de Cremação", se passa em 2.500 a.C., e podemos perceber um grande desenvolvimento na linguagem. E logo no princípio somos lembrados de que essa é uma época onde os seres humanos já aprenderam a trabalhar com metais, e a prostituição já é um conceito estabelecido.
Os protagonistas de todas as histórias são invariavelmente párias, de um jeito ou de outro, e estão todos interligados por um destino comum. Não vou me aprofundar muito nas tramas (mesmo porque ainda não terminei de ler o livro), mas vou adiantar alguma coisa.
Apesar da primeira história ser absurdamente bem-escrita, tive um pouco de dificuldade em me relacionar (e por vezes até me importar) com o protagonista, que parece ser um tanto estúpido, fraco e ingênuo, mesmo para os padrões da época. É desesperador, no entanto, perceber que essa era uma época onde não havia clemência, e só os fortes sobreviviam. Hoje em dia, uma pessoa fraca pode ter tantas chances como qualquer outra, dependendo das circunstâncias.
O protagonista (não tem nome, creio que o conceito de nome ainda não existia) é expulso de sua tribo depois da morte de sua mãe, e se encontra sozinho num mundo hostil e cruel. Ele fazia parte de uma tribo de nômades, e é hostilizado ao tentar se aproximar de uma vila do "povo-que-fica" (os sedentários). Aonde as andanças do personagem o levam, eu deixo para vocês descobrirem.
A protagonista da segunda história é uma trapaceira. É cruel, impiedosa e maliciosa. Quase o oposto do protagonista da primeira história. Chega a ser engraçado (aliás, é esse o objetivo) o desprezo com o qual ela se refere aos homens da época. Sua arrogância é tanta que a gente não sabe se fica com raiva ou simplesmente acha graça. Ela acredita que está acima de todos. É absurdamente inteligente para os padrões da época, e logo no começo ela mostra toda sua crueldade, arquitetando um plano que vocês vão ter que ler o livro pra saber se dá certo ou não.
Bom, chega. Vou terminar aqui, recomendando veementemente esse livro, que é com certeza um dos melhores dos últimos anos.