• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

Mercado editorial adota função do 'leitor sensível' para evitar boicotes

Mavericco

I am fire and air.
Usuário Premium
AMANDA RIBEIRO MARQUES
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

A sensibilidade dos tempos de causas identitárias gerou uma profissão no mercado editorial: o "leitor sensível".

Surgido nos países de língua inglesa e atuando ainda de forma incipiente no Brasil, o "sensitivity reader" é, normalmente, um integrante de grupos sociais contratado para apontar, ainda no manuscrito, conteúdos que possam provocar pressões e boicotes.

A maioria se qualifica por características como cor da pele, nacionalidade, orientação sexual, vícios, histórico de abuso sexual e problemas psiquiátricos. Parte tem formação literária, mas importa pouco. O principal é a experiência pessoal, que permite identificar conteúdos suscetíveis a afrontar minorias.

Dois exemplos de desagrado militante foram registrados nos Estados Unidos em 2015 e 2016, quando as autoras Emily Jenkins ("A Fine Dessert") e Ramin Ganeshram ("A Birthday Cake to George Washington") foram criticadas por ilustrarem seus livros infantis com escravos sorridentes.

Jenkins, americana loira de olhos claros, foi acusada de retratar a escravidão como "desagradável, mas não horrenda". Desculpou-se e doou os lucros a uma organização de incentivo à diversidade literária.

No caso de Ganeshram, americana cujos pais são de Trinidad e Tobago e do Irã, a obra saiu de circulação e recebeu diversas resenhas negativas.

Críticas a obras e autores não são novidade nem o que mais preocupa a PEN America, organização que promove a liberdade de expressão.

Mais grave, diz Sarah Edkins, diretora de comunicação da entidade, é a alta dos "book challenges", pedidos de retirada de livros considerados impróprios de bibliotecas e escolas. Segundo relatório da PEN America em 2016, obras com personagens negros, LGBT ou portadores de deficiência são as maiores vítimas.

As solicitações são feitas tanto por grupos sociais que se sentem representados de maneira insensível quanto por grupos conservadores, que se opõem à apresentação dessas temáticas a crianças.

Como os pedidos são feitos a nível local, não há estimativas precisas sobre o total de requerimentos. A decisão do banimento cabe a cada uma das bibliotecas.

É esse cerco que o "leitor sensível" visa evitar. Como não existe curso ou linha de orientação, cada um tem seu método de trabalho. Parte produz um relatório sobre a obra como um todo. Outros comentam trecho a trecho, apontando por que tal termo é ofensivo ou tal passagem desrespeita determinada identidade.

"Com esse trabalho, transformo em força aquilo que me colocaria em desvantagem em uma sociedade que só valoriza homens brancos, heterossexuais e cisgênero, e recebo compensação financeira por algo que antes só servia para me discriminar", diz o canadense Sharmake Bouraleh, 22.

Gay, negro, muçulmano,e diagnosticado com transtornos de ansiedade, Bouraleh tem formação em escrita criativa. Ele diz ter sido atraído para a função por ter suas identidades marginalizadas e mal caracterizadas na literatura.

A americana Ashley Mitchell, revisora que decidiu atuar como "leitora sensível", partilha desse objetivo. Ela afirma querer alertar escritores brancos sobre equívocos em personagens negros.

"Era visível para leitores politicamente corretos que essas representações não eram precisas e que isso poderia ser facilmente resolvido com o feedback de grupos marginalizados representados nas obras".

MERCADO NACIONAL

No Brasil, a função dá seus primeiros passos. A Seguinte, segmento jovem do grupo Companhia das Letras, tomou a dianteira e contratou a advogada travesti Terra Johari, 25, para colaborar no processo de tradução de "Fera", da americana Brie Spangler (ed. Seguinte, 384 págs., R$ 27,90). Uma das personagens é trans.

Johari avaliou a tradução de termos e diálogos e ajudou a elaborar um glossário de conceitos relacionados à transgeneridade. Pela produção de um parecer de nove páginas embasado em teorias de gênero e experiências pessoais, recebeu R$ 500. No mercado anglófono, esse serviço rende cerca de US$ 250 (R$ 825).

Para Nathalia Dimambro, editora da Seguinte, a experiência deve ser repetida. "Quando um autor escreve sobre uma minoria da qual não faz parte, pode sem querer reforçar estereótipos ou usar termos que sejam mal interpretados."

Há quem enxergue o processo como tentativa de censura ou de impedir o escritor de apresentar sua visão de mundo, ainda que esta seja tachada de politicamente incorreta.

Stacy Whitman, editora da americana Lee and Low Books, discorda. Para ela, o processo de edição não pode ser confundido com censura.

Sarah Edkins, da PEN America, defende tanto o direito à liberdade de expressão quanto o de os editores rejeitarem o que não quiserem publicar. "Autores e editores sempre fizeram considerações individuais sobre a recepção das mensagens e a potencial repercussão social das obras."

http://temas.folha.uol.com.br/liber...do-leitor-sensivel-para-evitar-boicotes.shtml
 
É uma discussão que acopla bem naquela dos trigger warnings, né? Assim... Entendo que as editoras manifestem um certo receio nessas horas, mas isso me parece idiotizante demais. Sei lá. Tanta coisa que me parece errada aí que não sei nem por onde começar.

Bom, no caso são obras voltadas para o público infanto-juvenil. Fosse um Mirisola ou um Céline, aí ficaria com um pé atrás. Pelo menos evitam bobagens como A Educação de Pequena Árvore.
 
É, isso realmente muda as coisas, mesmo pq com lit infanto-juvenil a, vamos dizer, função poética arrefece um pouquinho em prol do didático p.ex. Ok. Se bem que eu ainda assim acho que existe um perigo a depender de quão bitolado for o tal do leitor sensível. Mark Twain e Monteiro Lobato provavelmente não passariam por esse crivo...
 
Tá aí uma expressão que engloba ambos leitores que se sentem incomodados quanto os famosos "trambiqueiros oportunistas" que costumam entrar me loja de departamento para acusar de processo e conseguir arrancar uma grana ou promoção pessoal (reputação com destruição de algo) ao invés de ver realmente buscar um produto, tipo colocar fio de cabelo na torta e outras belezas para não pagar.

Arrisco até em dizer que estão fazendo isso para se protegerem por causa do medo dos trambiqueiros. Eles são os primeiros a se apresentarem como (falsos) amigos dos ditos leitores vulneráveis.
 
Pois é, pensei nisso mesmo! Mas também andei pensando noutra coisa: será que com esse tipo de exigência a gente não erra o alvo? Digo: as chances de que as minorias entrem na jogada apenas como leitores sensíveis e não como escritores me parecem um pouco altas... Pq como escritores elas já não entram, e temos dados sólidos a respeito do assunto, ou seja, de que existe um perfil étnico bem determinado do escritor brasileiro. Logo, é como se a gente criasse uma maneira de "apaziguar" a situação, dando uma espécie de paliativo para um problema que possui sua seriedade (representatividade e democratização de acesso à literatura)...
 
Bem interessante esse texto. Esse ano estou morando nos EUA por conta do PhD sanduba e percebi uma coisa. Turistar e morar sao coisas bem diferentes! (parece obvio mas quando voce tenta dizer que nao eh tao bom como parece as pessoas ficam desconcertadas "ah eh.. hum. serio?").

Enfim, tenho muito medo do Brasil seguir a mesma trilha que os EUA, aqui a segregacao era legal ate 1964 (com o Civil Rights Act), contudo o povo ainda anda separado. Eu ainda nao vi um casal de um individuo negro e o outro branco. Nao tem, cada um no seu quadrado. Eu nao percebia isso ate vir morar aqui, os programas sao claramente separados. Programas pra negros e programas pra brancos. Observe como nao existem muitos brancos no "Eu a patroa e as criancas" ou no "Todo mundo odeia o Cris" e como nao existem negros em programas como "That's 70 Show" ou outro qualquer (to por for a de varias series) mas comecem a observar isso. E vejo isso influenciar em tudo. Tenho medo do Brasil comecar a puxar coisa que nao eh bem assim. Especialmente os extremismos, se voce acha que o Bolsonaro eh meio extremo converse com o povo aqui. Um exemplo estranho, meu vizinho eh um gay branco misogeno e racista. Ele nao gosta de mulher nem de negro, mas eh gay. Digo isso pois sempre achei que alguem que faz parte de uma minoria sensibilizaria mais facilmente com as outras. (Isso faz sentido ou eu que to locao?).
Um grande problema que vejo eh a tal da historia unica, ou visao unilateral sobre tudo como aponta a escritora Chimamanda Ngozi Adichie (recomendo esse TED sobre os perigos dessa visao, mudou minha vida ehehehe).

Entao quando vejo esse tipo de coisa como `leitor sensivel` fico meio assim que concordando imensamente com Mavericco, melhor seria que mais pessoas das minorias escrevessem do que ficassem conferindo o que outros escrevem. Voce pode ter um negro(a) no livro e nunca trata-lo de forma ofensiva, contudo ele eh o vilao da historia ou o carrasco, enquanto o mocinho(a) eh o(a) loirinho(a). Nao vejo grandes mudancas de conpeccao ai, nem menos racismo. O padrao heterosexual, branco, cristao e rico nunca vai conceber um heroi negro homosexual mucumano nao importa quantos 'leitores sensiveis' voce contrarar no momento da edicao! Contudo uma pessoa como Sharmake Bouraleh (mencionado no texto) conseguiria de forma mais convincente e natural, por assim dizer.

ps.: aqui nao eh tao bom como parece hahaha
pss.: desculpe a falta de acentos, aqui nao tem, demais erros, desculpe a minha ignorancia
psss.: assistam o TED da Chimamanda!
 
Me deparei hoje com esse texto a respeito:

Para leitores sensíveis, com amor

Num tempo não muito distante (acreditem: estive lá e voltei para contar), “leitor sensível” era quem lia com acuidade. Com sensibilidade intelectual. Quem tentava – e invariavelmente conseguia – compreender um texto para além do que nele ia explícito.

Leitor sensível era o bom e velho leitor, afinal de contas: que lia amorosamente o texto – poético, ficcional, teórico – e percebia seu centro de gravidade, suas nuances e ambiguidades, suas intenções mais ou menos ocultas, suas limitações e camadas.

Mas os tempos são outros e o leitor sensível não é mais o leitor consciencioso e interessado. Leitor sensível é o sujeito que as editoras contratam, ou pretendem contratar a partir de agora, para aferir o grau de suscetibilidade do distinto público.

Fico sabendo que o “sensitivity reader é, normalmente, um integrante de grupos sociais contratado para apontar, ainda no manuscrito, conteúdos que possam provocar pressões e boicotes”.

E o distinto público, convenhamos, está cada mais suscetível. Tudo dói na criança. Piadas já não são piadas: são ofensas. Divergências já não são divergências: são agressões. Controvérsias já não são controvérsias: são guerras cruentas. A criação artística e o debate intelectual estão empanturrados de pequenas proibições, vetos, correção, boas maneiras, bons modos, tricô e crochê. Todos têm de que e a quem reclamar, numa espécie de neopuritanismo laico e policialesco, cuja extensão parece não ter fim.

Censura no dos outros é fresquinho. As minorias, que sempre reclamaram (ora com razão, ora sem ela) de perseguição estatal e religiosa, agora impõem às editoras e aos escritores normas de etiqueta literária. As editoras, mais medrosas que temerárias, parecem estar dispostas a atender.

A brilhante ideia é que “representantes de grupos sociais” sejam regiamente pagos para que o desavisado escritor não venha com tretas e malícias. O senhor representante apontará com o dedinho social dele o que deve ou não deve ser dito. Mais ou menos assim.

REUNIÃO DE PAUTA

“Esse livro tem de sair no mês que vem. Chama lá o Rapaz das Minorias, por favor.”

(Entra na sala o Rapaz das Minorias)

“E essa passagem do Nabokov aqui, hein?”

“Que é que tem?”

“Corta.”

“Sério?”

“Corta. Pedófilo, todo mundo sabe.”

“Presumo que não tenhamos problemas com o Nietzsche?”

“Quem? Meu Deus: misógino!”

“Mas ele é ateu, vocês não gostam de ateus?”

“É ateu, mas é alemão.”

“Ele tem bigode de hipster, vocês não gostam de hipster?”

“É hipster, mas é ariano.”

“Compreendo. Sobrou o Monteiro Lobato…”

“Você tá de brincadeira? Fogo!”

(Na sala ao lado, alguém ouve certa canção…)

“Lá Iá lá lá Iá, lá lá lá Iá, lá Iá

Preta, preta, pretinha (4x)”

“…”

De acordo com os critérios previamente elencados, estarão sub judice todas as obras que tratarem de temas relacionados a: cor; nacionalidade; sexo; gênero; etnia; vícios; problemas psiquiátricos etc.

Em suma: toda literatura ocidental, oriental e das cercanias. Das primeiras representações nas cavernas ao último romance contemporâneo. De Homero à Bíblia. Shakespeare então! Aquela vulgaridade. Porque nove décimos da literatura produzida desde que o mundo é mundo ferem, e devem mesmo ferir, suscetibilidades. Se não ferissem, não seriam literatura.

Não se trata de fazer apologia da arte pela arte. Tenho apreço pelos estetas, mas o caso em questão é mais grave do que isso. É admitir previamente um vocabulário, um tema, um direcionamento moral, em nome da sempre arisca sensibilidade (afetiva, identitária, ideológica) alheia. Mais do que arisca: plástica, mutável, autocontraditória. Hoje são esses os meus valores, amanhã serão aqueles.

Estes são os meus princípios. Não gostou? Tenho outros! – MARX, Groucho.

Vale tudo, por exemplo, no humor? Para o meu gosto, quase sempre. A questão tem de ser colocada da seguinte forma: a literatura é um jogo em que valem certas regras que não valem para todo o resto. Como num esporte de combate em que faz parte da regra “machucar” o adversário. Dentro dum ringue, certo nível de violência é permitido. Na vida cotidiana, outro. E é justamente essa liberdade circunscrita da arte – ou dos esportes, ou do treinamento militar – que permite a reflexão profunda sobre a natureza humana.

Censurar alguns livros em nome de sentimentos alheios é o mesmo que censurar sentimentos alheios em nome de outros livros. Que raio de diferença tem isso com a censura stricto sensu? Podem dar tratos à bola para encontrar distinções, mas não há nenhuma. Escrevo e de imediato corrijo – na verdade, existe sim uma diferença: nos porões da censura estatal, os bandidos tinham cara de bandidos e os mocinhos de vez em quando tinham cara de mocinhos. Mas o mundo dá voltas e mais voltas, como se vê, e todo mundo quer um Index pra chamar de seu.
 
É uma discussão que acopla bem naquela dos trigger warnings, né? Assim... Entendo que as editoras manifestem um certo receio nessas horas, mas isso me parece idiotizante demais. Sei lá. Tanta coisa que me parece errada aí que não sei nem por onde começar.
Concordo. Isso é patrulha de conteúdo. As editoras temem ficar "mal na fita" com relação a certos grupos. Isso é péssimo. E se houvesse, na história, escravos realmente sorridentes? E se houvesse uma obra de ficção que contivesse um personagem que, ao mesmo tempo, é negro, escravo E sorridente? Seria censurado mesmo sendo obra de ficção? Por quê?

Edit: em suma, se o leitor é sensível, que evite a obra, ou escreva uma contra-obra, ou mesmo manifeste-se por qualquer canal. A menos que haja ofensa direta, expressa e odiosa contra determinado grupo, à moda nazista mesmo. Do contrário, nenhum grupo poderá mais ser criticado.
 
Pois é. Pra vocês verem o atoleiro em que estamos. Apostam quanto que a trupe de carolas MBLística adoraria fincar um leitor sensível no meio da máquina governamental pra que obras de arte indesejáveis o suficiente fossem banidas?

Tá, eu sei que não houve censura no sentido ferrenho do termo (a bota de um militar sobre a sua garganta). Mas leitor sensível tampouco é o pandemônio que alegam e que, mea culpa, a princípio eu achei que fosse, afinal de contas é uma escolha de (atenção pra palavrinha mágica) mercado. Mas como negar que tanto num caso como noutro existe um achatamento grotesco das possibilidades de criação e mesmo concepção artística?
 

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.434,79
Termina em:
Back
Topo