Primeiramente, bom dia.
Segundamente, Vasco.
Terceiramente, caro Radagast58, senta aqui na mesa do tio e vamos conversar. Você tá muito exaltado. Sabe, quando eu tinha 15 anos, eu montei uma banda de metal. Minha primeira banda. Chamei ela de
Black Flames, porque nessa idade a gente gosta de coisas com nomes destrutivos. Explodindo, pegando fogo, morrendo, coisas mórbidas. Na época eu achava que black flames era um nome super do caralho, me sentia o metalzão \,,/_. Hoje tenho uma pontinha de vergonha. Hoje eu chamaria, talvez, Los Metales. Ou Fogão-Sem-Boca, sabe, algo inesperado. Ou talvez algum trocadilho com
metal pesado (
), tipo Manganez.
Eu lembro muito bem dos meus amigos da banda e da galerinha que eu andava. Existia um discurso de ódio contra o que era moda. Se uma banda era desconhecida, só um cara lá dos cafundó do caxaprego que tinha ouvido falar e aparecia com um cd ou mp3, "nossa que banda foda underground só da galerinha que manja". Se a galera começasse a ouvir em peso, meio que a gente se sentia traído, perdia a graça, perdia o charme de ser uma "elite underground". Mas era
a mesma música, a qualidade não mudou. A gente que sentiu como tendo um privilégio roubado. Se passasse na rádio, então, era lixo. Ao invés de ficar contente que as pessoas estavam tendo bom gosto de curtir aquela música boa, e que a banda tava recebendo o sucesso que eu achava que ela merecia, a gente dizia que a banda "se vendeu", "ficou comercial". Só porque ouvir aquilo não fazia mais a gente se sentir especial. Se a qualidade do som melhorasse ao mesmo tempo em que ficassem famosos (acontece bastante) aí pronto, "a mídia injetou dinheiro e deixou eles produzidos, esses vendidos fdps".
E tinha instrumentos e instrumentos tbm. Músico foda era quem tocava guitarra, baixo e bateria. Vocalista era estrelinha, a menos que tivesse voz estranha. Tecladista era viado e outros instrumentos (tipo cavaquinho ou sanfona) nem era chamado de música. A gente via o mundo como um tabuleiro de xadrez: nós versus eles. Isso não é natural e não vem da música nem de nenhuma parte da arte. Isso veio aprendido por osmose: a gente ouve outras pessoas odiando algo, e a gente quer se sentir parte do grupo, então a gente repete as coisas e fica odiando as mesmas coisas tbm. A gente não percebe, mas é pra se sentir integrado com a galera. O inimigo do meu inimigo é meu amigo.
Eu tinha um professor de biologia. Ele era um cara normal e usava roupa normal, falava de um jeito normal. Ouvia música de rádio. Quando eu descobri que ele tinha sido metaleiro e ido nos shows das bandas que eu idolatrava e não existiam mais, eu achei ele foda. Mas ele não andava de preto nem pagava de trevoso. Aí, ao invés de pensar "quer dizer que não preciso ser trevoso pra curtir metal?", meu raciocínio foi ao contrário: "ele traiu o movimento. O cara quando fica velho trai o movimento. Esses velho vendido..."
Passei 10 anos como guitarrista, e depois resolvi mudar de instrumento. Virei tecladista. O eu-de-15-anos teria abominado isso, como se eu tivesse traído o movimento.
Hoje continuo músico, e toco uma coisa que eu te desafio (sim, te desafio) a dizer que é pop. Toco bodhrán (pronuncia-se "bourõm", um instrumento celta) numa banda de música tradicional irlandesa. Não, nós não somos pop. Não, nós não somos nem sequer remotamente conhecidos nem em nosso próprio estado. O bar que a gente toca não é pop. O estilo não é pop. E sabe o que nós - integrantes da banda - achamos disso?
...
...uma merda!
Tudo o que nós queremos é popularizar o nosso som. Tudo o que o dono do bar quer é popularizar o pub irlandês dele. Nós queremos que o estilo vire pop, que a banda vire pop, que nós - músicos, individualmente - viremos pop. É o que toda banda quer desde o começo.
Os próprios produtores de games alegam ser ridículos e imaturos os títulos dados a eles.
Que títulos? Eu sou desenvolvedor indy de games, e tudo o que eu queria era que um jogo meu fosse pop. Tudo o que qualquer desenvolvedor de games quer é que o jogo seja pop. Em uma conferência em que estive, um representante de uma empresa internacional de jogos comentou que a grande dificuldade deles é, na verdade, que as pessoas tem a idéia de público restrito: jogo é para criança. Mais restrito ainda: para criança do tipo
tal. E isso é uma dificuldade, pq pessoas de muitos outros tipos e nichos gostariam de estar jogando aquele jogo, mas não compram porque têm vergonha de estarem fazendo algo targettado pra outro nicho. World of Warcraft por exemplo
exige ser maior de 18 anos, como poderia ser para criança? Mas experimente dizer para um chefe, com mais de 50 anos, que você não vai no happy hour da empresa pq tem compromisso com a guild do jogo online que vc joga... A grande dificuldade é o desafio de popularizar o mercado de games quebrando o conceito cultural de restrição. Game é pra todo mundo.
Os (...) Potterheads nunca entenderao a essência verdadeira e auto compreendida.
Fala isso pros meus alunos.