Sister Jack
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Alfred Hitchcock é tão foda. Wow. Obrigado, Hitch. Obrigado. Meu DVD de OS PÁSSAROS chegou e eu não resisti, fui logo revê-lo (a segunda vez, em 3 anos, no mínimo).
(spoilers)
Sim, esse é um dos pouquíssimos filmes que eu não tenho dúvida nenhuma em chamá-los de Perfeitos. É perfeito. Eu nem sei por onde começar. Que tal a estrutura? É bastante similar a MAL DOS TRÓPICOS: começa como uma comédia leve, quase pastelão-Anos-30, e meio que focalizando as comédias dos sexos do Rock Hudson e etc do final dos anos 50; aos poucos, o filme passa por uma transição sútil, os elementos da comédia vão dando a lugar drama familiar e mistério, e pela segunda metade, o filme vira terror e suspense puro. Também similar ao filme do Weerasethakul é a transição da cidade, San Francisco, pro campo, uma cidadezinha no meio do nada, perto de um lago, chamada Bodega Bay -- curiosamente, tanto a fase urbana quanto a rural do filme são repletas de pássaros. Eu não tenho certeza de porquê exatamente o Hitch quis fazer esse truque (e é uma das primeiras vezes que ele foi feito, eu acho); talvez pra magnificar o terror e o peso das cenas finais, deixando o público relaxado nas iniciais; talvez por pura auto-indulgência ou experimentalismo. Só sei que ficou genial.
E a estética? Eu dúvido que exista algum outro diretor formalista mais talentoso e brilhante que o Hitchcock. Em primeiro lugar, o efeito mais óbvio que ele trouxe para o filme foi a decisão de não usar trilha sonora, apenas os raros momentos de música diegética. Isso foi extremamente experimental, para a época, e ainda é bem raro. O efeito é de uma tensão constante, um clima sinistro, de que há algo levemente errado com o mundo (especialmente se você considerar o "Mundo Cinematográfico", que é sempre apoiado e acompanhado por música). Por isso, até as cenas mais lights da primeira metade acabam tendo um conflito bizarro entre o tom aparentemente inofensivo dos diálogos e personagens, e um camada por baixo de uma tensão malígna. Outro toque de mestre foi o uso do som e edição de som: bastante som natural do ambiente, silêncio, e principalmente os barulhos dos pássaros, suas asas batendo e seus gritos, eles se arrastando contra paredes, portas, etc. Uma cena em particular, que acontece no final, com todos presos na casa, uma boa parte da tensão é construída apenas cortando entre os personagens assustados e o barulho das aves cercando a casa.
A montagem também é brilhante: repare em talvez o momento mais orgásmico do filme (e possivelmente da carreira do Hitch inteira, e possivelmente de todos os tempos), quando a Tippi está sentada do lado de fora da escola, e atrás dela há um brinquedo no parquinho de crianças. Nesse brinquedo, começam a pousar alguns corvos. Começa com um ou dois. O Hitch e o George Tomasini (editor) fica entrecortando entre: (1) um plano de Tippi isolada; (2) um plano da Tippi com o brinquedo no fundo; (3) um plano da paisagem; (4) um plano do brinquedo isolado. Esses cortes são bem lentos e demorados, e a cada vez que você volta no brinquedo, tem um corvo a mais. Quando já tem uns 4 ou 5 corvos, o Hitch segura um plano da Tippi isolada por bastante tempo -- e enquanto isso, as crianças da escola cantam uma cantiga extremamente arrepiante. De repente, Tippi olha para o brinquedo atrás dela. Deve ter pelo menos 60 pássaros lá. É espantoso e eletrizante, e a revelação só é aumentada significantemente pelo trabalho de montagem (similar ao da cena do avião em INTRIGA INTERNACIONAL).
Ainda há vários elementos estéticos que são geniais -- o uso de cores fortes, vários planos individuais fantásticos (como o que começa num angulo baixo da Jessica Tandy olhando pro teto, e vai se afastando num movimento macio até revelar os outros dois personagens da cena, também olhando pro teto), vários outros momentos com montagem excepcional -- mas eu prefiro começar a discutir sobre os subtextos/temas do filme, que são de longe o aspecto mais misterioso e intrigante do filme. O filme é sobre um ataque em massa de pássaros numa cidadezinha. Uma moradora menciona o fato de que pássaros são inofensivos e que somos nós que os tratamos mal, e o Rod Taylor menciona no começo, na loja de pássaros, que é meio injusto deixar os pobres bichinhos presos assim o dia todo. Seria o ato dos pássaros uma rebeldia deles? Uma rebeldia da natureza contra os humanos? O Hitch estaria falando de um conflito geral e grandioso, de homem X natureza? Eu acho que não.
O mais interessante é o que os pássaros parecem representar. Meu palpite é: a Ameaça Nuclear e/ou a Ameaça Comunista. Eram os anos 60. A Guerra Fria estava num de seus momentos mais quentes nessa época, e o medo do comunismo imposto pelos governadores podia ser sentido por toda parte da sociedade nos EUA, uma paranóia geral. A sensação de que eles podiam atacar a qualquer momento, e que o impacto seria fatal e destruidor, é precisamente a sensação passada pela segunda metade do filme. A cena do restaurante, em que as notícias dos ataques começam a se espalhar entre os moradores, um ouvindo do outro, adicionando detalhes e contando experiências pessoais (enquanto uma mãe cobre os ouvidos dos filhos, pois toda essa conversa de pássaros assassinos obviamente está assustando eles) me apontou diretamente pra esse medo que existia na época. Depois de um ataque enorme envolta do bar, Tippi volta lá para dentro, e encontra várias mulheres juntas, escondidas num corredor, amedrontadas: uma imagem extremamente similar a de planos de como se preparar para um ataque nuclear, na época.
Outros detalhes temáticos que eu notei: o fato de tanto o personagem da Tippi quanto o de Rod terem problemas emocionais com suas Mães (ela a despreza a sua, e ele tem uma fieldade patética, talvez até incestuosa com a dele). Além disso, todas as personagens femininas do filme tem problemas com Solidão -- a Jessica Tandy tem medo de perder o filho pra um dos pares românticos dele e ficar sozinha; a professora Suzanne se recusa a sair da cidadezinha de Bagoda e sua vida solitária, por medo de perder sua "amizade" com o Rod (amizade que já foi namoro, há muito tempo); Tippi parece ter cometido um ato estranho e impulsivo pelo único motivo de querer ter alguém na sua vida (quem ia dirigir 1 hora e meia pra entregar dois periquitos pra uma pessoa que mal conhece como um ato de bondade ou possivelmente uma pegadinha?). E mais misterioso e horripilante ainda: há os dois periquitos (os "lovebirds") que permanecem completamente pacíficos em meio a todo o terror e caos... Por que? Há o bêbado no bar que cita passagens da Bíblia e anúncia para todos o Fim do Mundo (também penetrando na paranoia de ameaça nuclear/comunista). E ainda há a mulher no bar, que diz para Tippi que os pássaros só começaram a atacar depois que ela chegou na cidade (e é verdade)... Por que?
Como isso tudo se conecta? A solidão, os problemas com mães (no final, a Tippi ganha a mãe que precisava com a Tandy, e a Tandy ganha a companheira que precisa pra evitar a solidão), as menções religiosas, a paranoia da guerra fria, os lovebirds, a Tippi trazendo o Mal para Bagoda Bay -- talvez ela seja a forasteira que chega pra desequilibrar a vida quieta da cidadezinha, como em DOGVILLE. E ainda tem mais (sim, mais!). Ainda há obviamente um sadismo humoroso do Hitch nesses ataques: a maioria das vítimas mostradas representa uma seção puritana, branca, rica e egocêntrica da sociedade -- há uma simpatia do Hitch com esses pássaros. E é impressionante como esse tema de cultura do medo e paranóia ainda é extremamente relevante hoje em dia, substituindo comunistas por terroristas. Acima de tudo, há o plano final, que é semi-Bíblico e totalmente apocalíptico -- os pássaros pousados por toda a varanda da casa, e no chão das planícies, e nas árvores e fios de eletricidade -- e o Hitch ainda teve a ousadia de acabar abruptamente, sem soluções; o final anti-climático mais climático de todos os tempos.
90
Eu gostaria de saber quais são as interpretações do Sr. Khansc e do Sr. V e de quem mais gostaria de interpretar sobre os enigmas e mistérios do filme que na minha opinião é tão foda que até dói.
(spoilers)
Sim, esse é um dos pouquíssimos filmes que eu não tenho dúvida nenhuma em chamá-los de Perfeitos. É perfeito. Eu nem sei por onde começar. Que tal a estrutura? É bastante similar a MAL DOS TRÓPICOS: começa como uma comédia leve, quase pastelão-Anos-30, e meio que focalizando as comédias dos sexos do Rock Hudson e etc do final dos anos 50; aos poucos, o filme passa por uma transição sútil, os elementos da comédia vão dando a lugar drama familiar e mistério, e pela segunda metade, o filme vira terror e suspense puro. Também similar ao filme do Weerasethakul é a transição da cidade, San Francisco, pro campo, uma cidadezinha no meio do nada, perto de um lago, chamada Bodega Bay -- curiosamente, tanto a fase urbana quanto a rural do filme são repletas de pássaros. Eu não tenho certeza de porquê exatamente o Hitch quis fazer esse truque (e é uma das primeiras vezes que ele foi feito, eu acho); talvez pra magnificar o terror e o peso das cenas finais, deixando o público relaxado nas iniciais; talvez por pura auto-indulgência ou experimentalismo. Só sei que ficou genial.
E a estética? Eu dúvido que exista algum outro diretor formalista mais talentoso e brilhante que o Hitchcock. Em primeiro lugar, o efeito mais óbvio que ele trouxe para o filme foi a decisão de não usar trilha sonora, apenas os raros momentos de música diegética. Isso foi extremamente experimental, para a época, e ainda é bem raro. O efeito é de uma tensão constante, um clima sinistro, de que há algo levemente errado com o mundo (especialmente se você considerar o "Mundo Cinematográfico", que é sempre apoiado e acompanhado por música). Por isso, até as cenas mais lights da primeira metade acabam tendo um conflito bizarro entre o tom aparentemente inofensivo dos diálogos e personagens, e um camada por baixo de uma tensão malígna. Outro toque de mestre foi o uso do som e edição de som: bastante som natural do ambiente, silêncio, e principalmente os barulhos dos pássaros, suas asas batendo e seus gritos, eles se arrastando contra paredes, portas, etc. Uma cena em particular, que acontece no final, com todos presos na casa, uma boa parte da tensão é construída apenas cortando entre os personagens assustados e o barulho das aves cercando a casa.
A montagem também é brilhante: repare em talvez o momento mais orgásmico do filme (e possivelmente da carreira do Hitch inteira, e possivelmente de todos os tempos), quando a Tippi está sentada do lado de fora da escola, e atrás dela há um brinquedo no parquinho de crianças. Nesse brinquedo, começam a pousar alguns corvos. Começa com um ou dois. O Hitch e o George Tomasini (editor) fica entrecortando entre: (1) um plano de Tippi isolada; (2) um plano da Tippi com o brinquedo no fundo; (3) um plano da paisagem; (4) um plano do brinquedo isolado. Esses cortes são bem lentos e demorados, e a cada vez que você volta no brinquedo, tem um corvo a mais. Quando já tem uns 4 ou 5 corvos, o Hitch segura um plano da Tippi isolada por bastante tempo -- e enquanto isso, as crianças da escola cantam uma cantiga extremamente arrepiante. De repente, Tippi olha para o brinquedo atrás dela. Deve ter pelo menos 60 pássaros lá. É espantoso e eletrizante, e a revelação só é aumentada significantemente pelo trabalho de montagem (similar ao da cena do avião em INTRIGA INTERNACIONAL).
Ainda há vários elementos estéticos que são geniais -- o uso de cores fortes, vários planos individuais fantásticos (como o que começa num angulo baixo da Jessica Tandy olhando pro teto, e vai se afastando num movimento macio até revelar os outros dois personagens da cena, também olhando pro teto), vários outros momentos com montagem excepcional -- mas eu prefiro começar a discutir sobre os subtextos/temas do filme, que são de longe o aspecto mais misterioso e intrigante do filme. O filme é sobre um ataque em massa de pássaros numa cidadezinha. Uma moradora menciona o fato de que pássaros são inofensivos e que somos nós que os tratamos mal, e o Rod Taylor menciona no começo, na loja de pássaros, que é meio injusto deixar os pobres bichinhos presos assim o dia todo. Seria o ato dos pássaros uma rebeldia deles? Uma rebeldia da natureza contra os humanos? O Hitch estaria falando de um conflito geral e grandioso, de homem X natureza? Eu acho que não.
O mais interessante é o que os pássaros parecem representar. Meu palpite é: a Ameaça Nuclear e/ou a Ameaça Comunista. Eram os anos 60. A Guerra Fria estava num de seus momentos mais quentes nessa época, e o medo do comunismo imposto pelos governadores podia ser sentido por toda parte da sociedade nos EUA, uma paranóia geral. A sensação de que eles podiam atacar a qualquer momento, e que o impacto seria fatal e destruidor, é precisamente a sensação passada pela segunda metade do filme. A cena do restaurante, em que as notícias dos ataques começam a se espalhar entre os moradores, um ouvindo do outro, adicionando detalhes e contando experiências pessoais (enquanto uma mãe cobre os ouvidos dos filhos, pois toda essa conversa de pássaros assassinos obviamente está assustando eles) me apontou diretamente pra esse medo que existia na época. Depois de um ataque enorme envolta do bar, Tippi volta lá para dentro, e encontra várias mulheres juntas, escondidas num corredor, amedrontadas: uma imagem extremamente similar a de planos de como se preparar para um ataque nuclear, na época.
Outros detalhes temáticos que eu notei: o fato de tanto o personagem da Tippi quanto o de Rod terem problemas emocionais com suas Mães (ela a despreza a sua, e ele tem uma fieldade patética, talvez até incestuosa com a dele). Além disso, todas as personagens femininas do filme tem problemas com Solidão -- a Jessica Tandy tem medo de perder o filho pra um dos pares românticos dele e ficar sozinha; a professora Suzanne se recusa a sair da cidadezinha de Bagoda e sua vida solitária, por medo de perder sua "amizade" com o Rod (amizade que já foi namoro, há muito tempo); Tippi parece ter cometido um ato estranho e impulsivo pelo único motivo de querer ter alguém na sua vida (quem ia dirigir 1 hora e meia pra entregar dois periquitos pra uma pessoa que mal conhece como um ato de bondade ou possivelmente uma pegadinha?). E mais misterioso e horripilante ainda: há os dois periquitos (os "lovebirds") que permanecem completamente pacíficos em meio a todo o terror e caos... Por que? Há o bêbado no bar que cita passagens da Bíblia e anúncia para todos o Fim do Mundo (também penetrando na paranoia de ameaça nuclear/comunista). E ainda há a mulher no bar, que diz para Tippi que os pássaros só começaram a atacar depois que ela chegou na cidade (e é verdade)... Por que?
Como isso tudo se conecta? A solidão, os problemas com mães (no final, a Tippi ganha a mãe que precisava com a Tandy, e a Tandy ganha a companheira que precisa pra evitar a solidão), as menções religiosas, a paranoia da guerra fria, os lovebirds, a Tippi trazendo o Mal para Bagoda Bay -- talvez ela seja a forasteira que chega pra desequilibrar a vida quieta da cidadezinha, como em DOGVILLE. E ainda tem mais (sim, mais!). Ainda há obviamente um sadismo humoroso do Hitch nesses ataques: a maioria das vítimas mostradas representa uma seção puritana, branca, rica e egocêntrica da sociedade -- há uma simpatia do Hitch com esses pássaros. E é impressionante como esse tema de cultura do medo e paranóia ainda é extremamente relevante hoje em dia, substituindo comunistas por terroristas. Acima de tudo, há o plano final, que é semi-Bíblico e totalmente apocalíptico -- os pássaros pousados por toda a varanda da casa, e no chão das planícies, e nas árvores e fios de eletricidade -- e o Hitch ainda teve a ousadia de acabar abruptamente, sem soluções; o final anti-climático mais climático de todos os tempos.
90
Eu gostaria de saber quais são as interpretações do Sr. Khansc e do Sr. V e de quem mais gostaria de interpretar sobre os enigmas e mistérios do filme que na minha opinião é tão foda que até dói.
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