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Orc que é Orc não usa Windows!

Pesquisando sobre os Uruk-hai, me deparei com um fato interessante: não existiam Uruk-hai na primeira vez que Tolkien escreveu o capítulo que os introduziu. Ele não os havia concebido até então. O título original do capítulo era “Uma caçada Orc” (“An Orc-raid”).

Bem, isso não soa muito excitante, não é? Na verdade, na época em que Tolkien chegou nessa parte da história, os Uruks (principalmente Uruk-hai) ainda estavam por aparecer.

Espere um pouco!, como diria Harry Potter. Vamos voltar um pouquinho e começar tudo de novo.

Enquanto a maioria das pessoas sabe que “orc” raramente aparece no O Hobbit (Christopher Tolkien encontrou apenas uma aparição na primeira edição do livro, por exemplo), você ainda pode encontrar algumas poucas passagens com o termo “orc” na segunda e terceira edição. O que é importante sobre a raridade de “orcs” em O Hobbit (e a quase raridade de “goblin” em O Senhor dos Anéis) é que o uso dessas palavras representam uma transição fundamental em relação às idéias de Tolkien relativas às criaturas que ameaçaram os Hobbits.


Os goblins assombravam a imaginação de Tolkien desde os tempos de escola. O mais antigo exemplo que existe sobre os goblins na literatura é o poema “Goblin feet”, que foi publicado em 1915 na Oxford Poetry:

Eu estou fora da estrada Onde lanternas das fadas reluzem Onde pequenos morcegos voam Uma escassa faixa cinzenta se afasta rastejante E as cercas-vivas e a grama suspiram O ar está tomado por asas E besouros estúpidos Que o avisa com seus zumbidos e zunidos O! eu escuto as pequenas cornetas De duendes encantados E dos pés fofos de muitos gnomos que se aproximam

O! as luzes! O! os lampejos! O! o som tilintante: O! o farfalhar de seus pequenos mantos silenciosos! O! o eco dos seus pés – de seus alegres pequenos pés: O! as suas lâmpadas que balançam em pequenos globos iluminados pelas estrelas! Devo seguir no seu trem Pela a tortuosa estrada das fadas Para onde os coelhos há muito partiram E onde eles cantam argenteamente Em um círculo que se move sob a luz da lua Todos brilham com as jóias que usam Eles se empolgam rodeando o círculo Onde os vagalumes queimam palidamente E o eco dos seus pés fofos se esvanece O! Está batendo no meu coração – Deixe-me ir! O! Deixe-me começar! Pois as pequenas horas mágicas estão voando!

O! o calor! O! o zunido! O! as cores na escuridão! O! as brisas das abelhas douradas! O! a música dos seus pés – dos seus pés de goblin dancantes! O! a magia! O! a tristeza quando ela morre

Os Goblins são, claro, um dos principais elementos do folclore inglês. Eles estão lá, glorificados por Shakespeare e contos de antigas esposas, por tanto tempo quanto se pode lembrar. E os goblins têm aparecido nos contos e poemas de Tolkien por tanto tempo quanto se pode lembrar, mas apesar de hoje nós dizemos com confiança que goblins e orcs são iguais, nem sempre foi assim.

No índice para The Book of Lost Tales, Part Two, Christopher Tolkien indexou o seguinte registro:

GOBLINS Freqüentemente usado como um termo alternativo para Orcs (cf. Melko’s goblins, the Orcs of the hills 157, mas algumas vezes aparentemente diferenciados, 31, 230)...

A primeira deriva do “Tale of Tinúviel”, e descreve Angamandi (a fortaleza de Melko): “...Junto estavam as câmaras tristes onde o noldo-escravo trabalhava amargamente sob o comando dos Orcs e dos goblins das colinas...”

A segunda passagem aparece em “The Nauglafring”, e descreve como Naugladur, um rei anão, reúne um exército de criaturas negras: “Além disso ele reuniu em sua volta uma grande hoste de Orcs, e goblins errantes, prometendo a eles uma boa retribuição, e o prazer de seu Mestre eternamente, e uma boa pilhagem ao final;...”

Ambas as distinções são relativamente ambíguas. Tolkien poderia estar utilizando Orcs e goblins de modo trocado para se referir a criaturas similares, ou ele poderia estar sugerindo que algumas criaturas eram Orcs e algumas eram goblins. Não está claro a sua intenção naquele momento.

Porém, quando Tolkien escreveu O Hobbit para divertir seus filhos, ele negligentemente misturou elementos de diversas tradições, buscando deixar a sua história mais interessante. Ao publicar o livro, ele a resumiu um pouco, e manteve os Orcs a um mínimo, enquanto goblins abundam pelo conto.

Os goblins se tornaram, em meados da década de 30, um dos elementos principais na dieta das aventuras imaginárias da família Tolkien. As Father Christmas Letters, enviadas por JRRT aos seus filhos entre 1920 e 1943, ocasionalmente deleitaram as crianças com incidentes (e desenhos que demonstravam como a confusão se resolveu) envolvendo goblins, pequenas criaturas negras que podiam realizar travessuras infindáveis.

Os goblins de O Hobbit são uma mistura de diversas criaturas, tiradas do folclore, do conhecimento de Tolkien e de idéias do livro The Princess and the Goblin, de George Macdonald. Esses goblins não precisam ser de maneira nenhuma muito sérios. Eles capturam Bilbo e seus companheiros anões, mas deixam Gandalf, que mata seu líder, o Grande Goblin, no coração da Cidade Goblin.

Mas os goblins de O Hobbit gradualmente se tornam criaturas mais assustadoras, parcialmente como parte do efeito do contar-de-histórias de Tolkien e parcialmente devido à necessidade de introduzir uma ameaça convincente próxima do fim da história. A Batalha dos Cinco Exércitos não havia sido imaginada ainda, e Bolg do Norte marca a primeira aparição de um personagem goblin de importância (mesmo que um que não fale nada) visando publicação. Isto é, ele não havia sido concebido até que Tolkien precisou apresentar um conto finalizado para o editor.

Quando O Hobbit se tornou um sucesso publicado, Tolkien tentou brevemente trazer suas histórias do Silmarillion para publicação. Seus editores queriam publicar mais livros sobre Hobbits, entretanto, e Tolkien teve que colocar O Silmarillion (que substituiu The Book of Lost Tales como seu projeto mitológico primário) de lado por muitos anos.
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Entre 1937 e 1948, Tolkien se empenhou em produzir uma seqüência para O Hobbit que não se limitasse a entreter os seus leitores, mas que também pudesse interessar a ele. Durante esses anos, ele usou a palavra “goblin” menos e menos – chegando ao ponto de reservá-la a umas poucas passagens de diálogo entre Hobbits – e “Orc” mais e mais.

Enquanto pode se dizer que “Orc” soa mais ameaçador que “goblin”, Tolkien deve ter tido uma razão mais urgente para abandonar a palavra que usara por muito tempo. Como filólogo, ele indubitavelmente sabia da história da palavra “goblin”, que veio para o inglês arcaico do francês normândico. Isto é, goblins não são monstros ingleses. Em vez disto, eles são nomeados para um gobelin, um espírito que se diz ter assombrado a cidade francesa de Evreux em 1100.

Por outro lado, “Orc” possui um passado muito misterioso. Muitos comentaristas agora sugerem que provavelmente veio da palavra anglo-saxã orcneas, usualmente traduzida como “baleias” (porque vem do Latim Orca, que significa “inferno” ou “morte”). O texto anglo-saxão original é encontrado em “Beowulf”, linha 112, “eotenas ond ylfe ond orcneas”(Ettins e Elfos e Orcs – descendentes de Caim).

“Ettins” são gigantes ou trolls. Elfos são, no ponto de vista cristão, criaturas malignas. Orcs são impossíveis de se descrever, exceto que eles devem ser criaturas fantásticas familiares à audiência do poeta Beowulf. Algumas pessoas hoje (e talvez até Tolkien) sugerem que eles podem ter sido espíritos ou demônios (apesar de referir como um descendente de Caim desta maneira não faz sentido). Entretanto, se um Orc é um espírito ou um demônio, e um goblin é um espírito maligno, então substituir Orc por goblin começa a fazer sentido.

Então, em certo ponto de seu desenvolvimento da Terra-média, Tolkien pode ter decidido abandonar “goblin” em detrimento de “Orc”, porque “goblin” possui uma história lingüística maculada (Tolkien não gostava muito da língua Francesa).

E aqui as coisas se tornam interessantes, porque mesmo que ele tenha sugerido algumas mudanças a serem feitas em O Hobbit em 1947 para torná-lo mais compatível com O Senhor dos Anéis, Tokien parece ter começado a experimentar assuntos-Hobbits anterior àquele tempo.

Por exemplo, na Nota 35 para “O Anel vai para o Sul”, publicado em The Return of the Shadow, Christopher para para refletir no uso de seu pai para “Orcs” na seguinte passagem (onde a Sociedade discute sobre as Minas de Moria):

‘Eles não estão longe’, disse o mago. Eles estão nessas montanhas. Eles foram feitos pelos anões da família de Dúrin muitos séculos atrás, quando elfos habitavam Hollin, e existia paz entre as duas raças. Naqueles dias antigos, Dúrin habitou Caron-dun, e havia tráfego no Grande Rio. Mas os Goblins – ferozes orcs em grande número – os expulsou após muitas guerras, e muitos dos anões que escaparam rumaram para o norte longínquo...

A nota é a que segue:

35 Esta não é a primeira vez que a palavra Orc é usada nos rascunhos do SdA: Gandalf se refere a ‘orcs e goblins’ entre os servos do Senhor do Escuro, pp 211, 264; cf. também pp 187, 320. Mas a raridade do uso neste estágio é digno de nota. A palavra Orc nos remete ao Lost Tales, e difundido em todos os escritos subseqüentes de meu pai. No Lost Tales os dois termos foram usados como equivalentes, apesar de algumas vezes aparecerem de formas distintas (vide II. 364, registro Goblins [1]). Uma pista pode ser encontrada em uma passagem que ocorre tanto no antigo Quenta quanto no novo (IV. 83, V. 233): ‘Eles podem ser chamados de goblins, mas nos dias antigos eles eram fortes e caídos.’ Neste ponto parece que ‘Orcs’ são para serem considerados como um tipo de ‘goblin’ mais formidável; então no primeiro esboço para ‘As Minas de Moria’ (p. 443) Gandalf diz “existem goblins – de uma espécie muito maligna, maior que os normais, verdadeiros orcs.’ – é incidentalmente notável que na primeira edição de O Hobbit que a palavra Orcs é utilizada apenas uma vez (ao final do capítulo VII ‘Estranhos Alojamentos’), enquanto no SdA publicado, goblins é raramente utilizada.

Ao escrever a primeira versão de “A ponte de Khazad-dûm”, Tolkien fez com que Gandalf descrevesse que ele viu quando olhou para fora da Câmara de Marzabul (da mesma forma que Gandalf faz na versão final da história): “‘São goblins: muitos deles,’ ele disse. ‘Eles parecem malignos e grandes: Orcs negros...’”

A frase “Orcs negros” foi eventualmente trocada por “Uruks negros de Mordor”, mas isso não aconteceria até a revisão de “Uma caçada Orc” meses depois de Tolkien inventar o nome “Urukhai”e decidir que alguns Orcs, maiores que outros, seriam chamados Uruks. E mesmo assim, a importância dos Uruks só foi reunida nos apêndices, que Tolkien não começou a trabalhar antes de 1950 (dois anos após ele ter completado o texto primário de O Senhor dos Anéis).

Nas versões mais antigas de “Os Herdeiros de Elendil” e “O Conto dos Anos”, não existem menções de Uruks, que no livro publicado se diz que apareceram pela primeira vez no governo de Denethor I, regente de Gondor. Tudo o que Tolkien diz sobre eles é “nos últimos anos de Denethor I a raça dos uruks, orcs negros de grande força, apareceram pela primeira vez fora de Mordor, e em 2475 eles passaram impetuosamente por Ithilien e tomaram Osgiliath...”(O Senhor dos Anéis, Apêndice A).

No apêndice F, Tolkien tratou dos Orcs e da Língua Negra. No primeiro parágrafo, ele escreveu:

Orc é a forma do nome que as outras pessoas deram para esse povo horrível como era na linguagem de Rohan. Em Sindarin era orch. Não há dúvida que a palavra uruk está relacionada com a Língua Negra, apesar de ter sido aplicada como regra apenas para os grandes soldados-orcs que nessa época eram despachados de Mordor e Isengard. As raças menores eram tratadas, especialmente pelos Uruk-hai como snaga ‘escravo’.

Assim, Tolkien afirma que ele utilizou a palavra derivada do inglês arcaico ornceas, para representar a palavra Rohirric para os Orcs. A transição de goblin para orc está completa, mas não de Hobgoblin para Uruk.
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Isto porque em O Hobbit, Tolkien utilizara a palavra “hobgoblin” como um nome para Orcs maiores. Mas no folclore inglês, um hobgoblin é um goblin pequeno, não um grande (na verdade, eles deveriam ser espíritos domésticos). Tolkien estava, efetivamente, virando o folclore inglês de cabeça para baixo, afirmando que os piores goblins, os verdadeiros orcs, eram os hobgoblins.

De certa forma, Tolkien estava corrigindo um erro. Ele transformou seus goblins, espíritozinhos maliciosos em Orcs, criaturas caídas enviadas de Angband (Inferno). Mas ele também elevou seus hobgobilns (Orcs maiores) ao distinguir eles como “goblins das colinas” e “Orcs das montanhas”. Eles não eram espíritos domésticos como Robin Goodfellow. Eles eram Uruks.

Mais adiante, os Uruks se tornaram malignos, mortíferos, monstros sérios capazes de intimidar e apavorar mesmo os maiores inimigos. Uruks não babavam como os goblins de George Macdonald, não possuíam pezinhos tamborilantes, e eles não eram nem um pouco amigáveis aos homens ou aos amigos dos homens. Uruks são os Orcs mais malignos e malevolentes, corrompidos até o ponto em que seus malignos senhores conseguem, conservando apenas as qualidades humanas mais essenciais como coragem, lealdade, amizade e (no caso dos Uruk-hai de Saruman), orgulho.

E Tolkien os fez muito parecido com os homens, inclusive mostrando suas semelhanças físicas. Ele não queria, de maneira alguma, fazer com que os Uruks parecessem pequenas criaturinhas de contos de fada. Nem ele pretendia que se associasse os Uruks com fantasmas e espíritos, como aqueles que teriam assombrado cidades da França medieval. Os Uruks eram reais, tão reais que Gandalf (no texto publicado) não precisou chamá-los de “Orcs de verdade”.

Porém, o fascínio de Tolkien pelos “Orcs de verdade” não terminou com O Senhor dos Anéis. Ele fez fortes alusões a eles na seqüência abandonada para O Senhor dos Anéis, The New Shadow, onde Orcs se tornaram pouco mais do que uma memória assombrando a história dos Dúnedain e a sensibilidade da Gondor da Quarta Era. Meninos brincavam de Orcs, sem ter uma idéia real do mal que os Orcs um dia infligiram.

No lapso entre algumas gerações, Tolkien supôs, que a memória dos “Orcs de verdade” se
apagou e foi substituído por um conceito mais divertido. E como a verdadeira história inglesa pareceria para ele? Os Orcs de Beowulf foram esquecidos e trocados na imaginação popular por um goblin francês. Mas quem poderá um dia esquecer dos Uruks?


[1] Nota do Tradutor: Christopher Tolkien está se referindo à passagem do Book of Lost Tales 2, descrita logo acima neste mesmo texto no §11.
 

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