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'O brasileiro quer torcer': corrida de bolinhas de gude é hit internacional

Fúria da cidade

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As bolinhas de gude do acervo de Ricardo - Felipe Larozza/UOL

As bolinhas de gude do acervo de Ricardo
Imagem: Felipe Larozza/UOL

É a corrida final do campeonato, mas não há qualquer favoritismo. O título ainda pode ser conquistado pela maior parte dos 12 competidores que se apertam na linha de largada sonhando em estourar a champanhe no lugar mais alto do pódio. Entre euforia, ansiedade e tensão, centenas de milhares de torcedores se posicionam em frente à tela da TV ou computador para assistir a disputa que poderá consagrar a equipe pela qual eles torceram durante o ano todo em corridas cheias de reviravoltas. Fórmula 1? Nascar? Não, é a final GlassCar, a modalidade mais prestigiada de corrida de bolinhas de gude no Brasil.

O paulistano Ricardo de Azevedo, 44, é o criador do canal Fubeca Maníacos, que soma 337 mil inscritos e vem crescendo no YouTube com as corridas de bolinhas. Como pistas de Hot Wheels, os percursos dos vídeos do Fubeca são cheios de detalhes. Há arquibancada com bolinhas, cada equipe tem seu escudo, pintura e iluminação realistas e até uma dupla de narrador e comentarista para tornar a disputa mais imersiva.

Negócio familiar​


Antes do Fubeca, Ricardo tinha um canal de vídeos sobre pesca. Foi em 2017 que ele passou a trabalhar com as bolinhas. "Comecei a pesquisar o que tinha relevância no YouTube porque a pesca é um nicho meio limitado. Daí a gente caiu nos canais gringos de bolinha. Eu falei: 'Meu, vou fazer isso daí!'", explica. Para dar início aos trabalhos, ele precisou importar os brinquedos usados para montar as pistas, que ainda hoje não estão à venda no mercado brasileiro. Investiu entre R$ 3 mil e R$ 4 mil neste início. "Lembro que ele pediu permissão para comprar, porque era caro, e eu só falei tá bom. Eu sempre acreditei nele", diz a gaúcha Suzana de Azevedo, 40, casada com Ricardo há 16 anos.

A aposta foi certeira. Além do Fubeca Maníacos, Ricardo também criou um canal em inglês (sem narração) e mais um em espanhol (com narração feita por parceiros) com o mesmo conteúdo. "De cara, os primeiros vídeos foram sucesso, principalmente no canal em inglês, que fizemos antes. Nesse a gente já tem 650 mil inscritos".

Hoje o casal e seu filho recém-nascido — "o príncipe das bolinhas", como eles dizem nos vídeos — vivem da monetização gerada pelo canal de pesca, que Ricardo ainda atualiza, mais os canais de bolinha de gude. O trabalho transformou o espaço da própria casa na Vila Frugoli, em São Paulo. Antes as bolinhas ocupavam um pequeno cômodo. Depois de uma reforma, todo o material passou para um quarto amplo, uma mistura de estúdio de gravação e oficina, com câmeras e luzes profissionais para os vídeos e armários sob medida lotados de brinquedos, ferramentas e incontáveis bolinhas de vidro — a maioria importada e com designs especiais.

Ricardo, Suzana e o filho do casal - Felipe Larozza/UOL - Felipe Larozza/UOL


Ricardo, Suzana e o filho do casal
Imagem: Felipe Larozza/UOL

Por trás da pista, há uma lona que serve de cenário e é trocada a cada vídeo, conforme a ambientação desejada. Na sala de estar da família, por trás do sofá, uma mesa com dois computadores, microfones e mesa de som mantém rodando as lives do canal e dão um ar de cabine de transmissão ao ambiente.

Ricardo assume o microfone como narrador das corridas sob a alcunha de RZ Ball. Suzana também acabou se envolvendo e tomou o posto de comentarista com o pseudônimo de Maria Zélia. "Eu nem mexia, nem chegava perto. Aí um dia o Ricardo precisou de mim para alguma coisa que ele não conseguia fazer sozinho. Entrei naquele quartinho e nunca mais saí. Até pensei que eu estava ficando louca porque comecei a gostar e a torcer pelas bolinhas", diz ela, rindo.

Pista de corrida e arquibancada - Felipe Larozza/UOL - Felipe Larozza/UOL

Pista de corrida e arquibancada Imagem: Felipe Larozza/UOL

'O brasileiro quer torcer'​


Conforme o canal se profissionalizava e crescia, os valores investidos foram ficando maiores. Ele estima ter gasto cerca de R$ 50 mil em brinquedos, cujas peças são adaptadas para formar as pistas. Só a arquibancada custou R$ 5 mil. "Você vê que ela tem uma parte elétrica, iluminação, tem os degraus? Na gringa eles não têm isso. Fiz o projeto e mandei fazer em uma empresa de modelagem de MDF", orgulha-se Ricardo, que faz a edição de todos os vídeos sozinho.

Ele também é o responsável por criar e montar as pistas, que se renovam toda semana a cada vídeo do canal. "Levo cerca de dois dias para montar tudo. Não tem interferência humana nos vídeos. Fazemos até a largada eletrônica. Isso dá uma imersão maior, fica um universo de bolinhas mais imersivo. Nos nossos vídeos não aparece uma mão, por exemplo".

O primeiro canal de corridas de bolinha de gude foi o Jelle's Marble Runs, criado pelos irmãos holandeses Jelle Bakker e Dion Bakker em 2006. No início, eles postavam vídeos simples das bolinhas rolando abaixo pelas pistas. Quando adicionaram mais bolas, fazendo do percurso uma competição, foi que viralizaram — somando 1,37 milhões de inscritos. Nos Estados Unidos é possível até apostar em corridas do Jelle's Marble Runs.

O Fubeca, por sua vez, recusou propostas de casas de apostas. "Já recebemos convites, vários, mas ficamos sem saber se era legal", diz Suzana. "Nosso foco é o YouTube", completa Ricardo, que tem observa diferenças entre o público brasileiro e internacional. "O gringo comenta sobre uma curva da pista, iluminação, levam bem a sério mesm os detalhes. E o brasileiro quer torcer, como no futebol".

Um dos brinquedos do acervo de Ricardo - Felipe Larozza/UOL - Felipe Larozza/UOL


Um dos brinquedos do acervo de Ricardo
Imagem: Felipe Larozza/UOL

Caixa preta​


Apesar de estarem atrás nos números de inscritos e views, o Fubeca vem crescendo e ganhando destaque no setor. Em abril de 2020, o canal brasileiro foi citado em uma matéria do The New York Times sobre vídeos de corrida de bolinhas.

A Hape, maior empresa americana de brinquedos de madeira, é patrocinadora do canal. "Existe no mundo das bolinhas uma rivalidade interna que ninguém fala entre os mais fortes de lá e nós", diz Suzana. "O nosso diferencial é a criatividade do Ricardo, que além das corridas faz vídeos de outros esportes, como basquete, futebol e do seriado Round 6".

O Fubeca foi o primeiro canal a simular chuva nas corridas. "Fiquei com medo de estragar tudo, porque tem partes elétricas. Mas dava para explorar os setores de plástico. Quando as bolinhas passavam, a gente jogava um spray d'água com mangueira. Isso impressionou até os gringos", conta Ricardo.

Outra inovação do Fubeca foi o propulsor: uma peça colocada no meio da pista que impulsiona as bolinhas. Via de regra, as pistas começam no alto, terminam em uma parte mais baixa e a bolinha sobe novamente por uma espécie de mini escada rolante. Com o propulsor, Ricardo pode criar pistas mais planas, como um circuito oval que imita as corridas da Nascar. Foi assim que surgiu a GlassCar, uma modalidade com pistas mais largas e bolinhas maiores que as convencionais. É um dos maiores sucessos do Fubeca. E o propulsor — um mecanismo envolto em uma caixa preta — é seu segredo guardado a sete chaves. Ricardo nos explica como a máquina funciona, enquanto Suzana avisa: "Só não vai falar na matéria porque o pessoal está de olho!"

A caixa preta desenvolvida por Ricardo - Felipe Larozza/UOL - Felipe Larozza/UOL


A caixa preta desenvolvida por Ricardo
Imagem: Felipe Larozza/UOL

Nas competições, todas as bolinhas são iguais — são feitas do mesmo material, com o mesmo peso e tamanho. Mas Ricardo e Suzana acreditam que existe algo a mais que o acaso para fazer uma bolinha ser vencedora. "Quando eu comecei a filmar, percebi que algumas bolinhas faziam movimento diferente das outras. Não era sorte, cara", defende Ricardo. Ele mostra uma bolinha amarela com detalhes marrons, a Rattlesnake, campeã do GlassCar 2020: "Ela tem uma coisa especial que eu não sei o que que é. Se você assistir as corridas mesmo, você vai ver ela fazendo umas coisas diferentes. Ela fazia uns traçados, umas ultrapassagens".

Em 2022, o Fubeca Maníacos irá repetir os seus torneios, com as mesmas equipes, para criar um sentimento de continuidade e conexão com as equipes — como o Brasileirão. O Marble Circuits — que emula a Fórmula 1 — já está confirmado para o fim de janeiro. "Eu já não vejo essas bolinhas como bolinha mais. Você começa a olhar e pensa em uma equipe, imagina uma história", conta Ricardo. Para Suzana, esse sentimento é fundamental para as transmissões: "Tu pega um amor por aquelas bolinhas. E acho que tu tem que sentir isso para que as pessoas que estão do outro lado também sintam a emoção".

 
Eu vi corridas de bolinhas de gude na época da copa do mundo.
Os países se enfrentavam e pistas compridas e divertidas.
A narração era ótima.


Com bolas de gude dá pra fazer a versão material das Countryballs que vemos em várias animações divertidas por aí.

E pra quem desenvolve as pistas pra essas disputas, um trabalho de engenharia muito foda.
 

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