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Não li e não gostei

Eu não consigo ver a literatura como a melhor mídia pra falar do agora. Pro meu gosto, ela se sai melhor quando fala do passado, ou quando imagina. Ou quando fala de um agora que só viria a ser entendido algum tempo no futuro (ahm?), não das questões imediatas (essas precisam de tempo pra digestão). Possivelmente, qualquer um pode apontar dez livros que desmentem essas opiniões, livros que são necessários imediatamente, mas é mais ou menos como eu enxergo a questão.

E existe diferença entre poesia e prosa, nesse aspecto também. A poesia tem um parentesco com a música e com a pintura (ou fotografia), que normalmente não aparece na prosa. Não lembro o que eu pretendia dizer depois (escrever durante o trabalho dá nisso), mas, de qualquer jeito, ler a literatura feita hoje só garante conhecer a literatura feita hoje, não o "hoje" propriamente dito.

O Sebald dizia que "writing is a slow and painful business", que é "or should be, an attempt to saving souls (e, antes que o Paganus bata na mesa, levante e grite "ô, glória!", acrescenta: "in a completely non-religious way, needless to say"). Eu acho que ele faz um uso muito próprio e correto da palavra "soul", que dá a entender que o efeito da literatura não é tópico, mas lento e profundo, que ela atua nos nossos "inner workings" inclusive bem abaixo do consciente, e eu amo muito tudo isso.
 
O Sebald dizia que "writing is a slow and painful business", que é "or should be, an attempt to saving souls (e, antes que o Paganus bata na mesa, levante e grite "ô, glória!", acrescenta: "in a completely non-religious way, needless to say"). Eu acho que ele faz um uso muito próprio e correto da palavra "soul", que dá a entender que o efeito da literatura não é tópico, mas lento e profundo, que ela atua nos nossos "inner workings" inclusive bem abaixo do consciente, e eu amo muito tudo isso.

Coitado, manja nada de metafísica esse Sebald, toda forma de arte é religião, mesmo quando nega e tenta demolir a religião.

Digo mais, a literatura não atua apenas no inconsciente, mas no transconsciente, no âmago do Ser individuado do homem, no espírito (atman, que transcende infinitamente a alma), e até trabalha nele rumo à des-individuação.

Grande Sertão: Veredas o atesta.
 
Eu não consigo ver a literatura como a melhor mídia pra falar do agora. Pro meu gosto, ela se sai melhor quando fala do passado, ou quando imagina. Ou quando fala de um agora que só viria a ser entendido algum tempo no futuro (ahm?), não das questões imediatas (essas precisam de tempo pra digestão). Possivelmente, qualquer um pode apontar dez livros que desmentem essas opiniões, livros que são necessários imediatamente, mas é mais ou menos como eu enxergo a questão.

Discordo. Mesmo quando fala do Passado, a Literatura acaba falando do Agora. Não há como autor algum fugir de suas experiências e meio, independente de quão dedicado ele seja a tentar recriar um dado Momento Histórico - por exemplo, até hoje há quem veja uma crítica política em "Ricardo III", de Shakespeare, apesar de o autor conviver em um meio social que veria isso como uma conspiração ou incitação contra a Coroa. Se não na temática, o Presente se imiscui no texto através do estilo ou do léxico, ou mesmo pode estar presente no subtexto, em algum nível. Ora essa percepção é vista de forma clara, ora only time will tell.
 
Última edição:
Hm, não acho que eu tenha negado nada disso. Sustento, inclusive, que isso tudo tá dentro do "ahm?".

Meu foco foi nas "questões imediatas", e aí fiz uma ponte com o seu "ahm?" :lol: Talvez seja o fato de que a literatura hoje foi substituída como meio de comunicação/entretenimento em massa, mas isso não significa que ela perca sua relevância ou força - não digo que você disse isso, só estou expandindo essa questão. Contudo, se formos pensar assim, vamos ter de aceitar que as novelas são a "força motriz" do esclarecimento da conjuntura atual.
 
O que eu quis dizer é que a literatura não é perecível, nem tem caráter de urgência; ela não precisa ser consumida imediatamente e, inclusive, muitas vezes pode ser mais apreciada com algum distanciamento temporal.
 
O que eu quis dizer é que a literatura não é perecível, nem tem caráter de urgência; ela não precisa ser consumida imediatamente e, inclusive, muitas vezes pode ser mais apreciada com algum distanciamento temporal.

Essa coisa de "perecível"... Bem, a Arte em si não é perecível, mas existe essa questão entre o encaixe e a apreciação da obra em seu momento original e o distanciamento como ferramenta de reavaliação. Apesar de Koestler dizer que um autor deveria ficar satisfeito por uma pessoa lê-lo daqui a 100 anos em vez de 100 naquele mesmo período, não acredito nessa ideia de escrever "para a posteridade" - ora, se a imaginação encontrou seu meio de fluir, creio que é porque há um senso de urgência por parte do autor em se fazer lido/compreendido.
 
Vou escrever agora uma das frases de efeitos pseudo-cults. Um bom livro é aquele que nos transporta pra época ou lugar de que trata. Talvez por isso livros antigos (não vou usar a palavra clássicos) sejam mais atraentes. Um livro que fale de hoje é facilmente substituído por uma viagem ao local. Falei besteira aí, mas é o que penso e é minha opinião. :think:
 
Eu não consigo ver a literatura como a melhor mídia pra falar do agora. Pro meu gosto, ela se sai melhor quando fala do passado, ou quando imagina. Ou quando fala de um agora que só viria a ser entendido algum tempo no futuro (ahm?), não das questões imediatas (essas precisam de tempo pra digestão). Possivelmente, qualquer um pode apontar dez livros que desmentem essas opiniões, livros que são necessários imediatamente, mas é mais ou menos como eu enxergo a questão.

E existe diferença entre poesia e prosa, nesse aspecto também. A poesia tem um parentesco com a música e com a pintura (ou fotografia), que normalmente não aparece na prosa. Não lembro o que eu pretendia dizer depois (escrever durante o trabalho dá nisso), mas, de qualquer jeito, ler a literatura feita hoje só garante conhecer a literatura feita hoje, não o "hoje" propriamente dito.

O Sebald dizia que "writing is a slow and painful business", que é "or should be, an attempt to saving souls (e, antes que o Paganus bata na mesa, levante e grite "ô, glória!", acrescenta: "in a completely non-religious way, needless to say"). Eu acho que ele faz um uso muito próprio e correto da palavra "soul", que dá a entender que o efeito da literatura não é tópico, mas lento e profundo, que ela atua nos nossos "inner workings" inclusive bem abaixo do consciente, e eu amo muito tudo isso.

Entendi onde você quis chegar. Acho que é o mesmo ponto de partida do post do Morfindel. A base da obra literária é a imaginação, então é normal que um tempo que não seja o agora ela dê a impressão de se sair melhor -- pois, querendo ou não, o agora tem sempre a nitidez do agora. Mas mesmo a obra que fala do hoje, que traz à tona, por exemplo, personagens que são o próprio autor andando pelas ruas; mesmo esse tipo de obra também possui sua ordenação imaginária. E talvez por isso mesmo ela seja sempre mais incômoda.

Porque, mesmo sem apresentar um argumento contrário, você há de convir que é uma verdadeira sinuca de bico isso que o Bruce disse: "essa questão entre o encaixe e a apreciação da obra em seu momento original e o distanciamento como ferramenta de reavaliação." O problema é que a obra contemporânea não pode depender desse distanciamento; literatura contemporânea é sinônimo de estourar a boiada. Então o problema de distanciar é que vamos estar falando de pães amanhecidos. Como o Bruce também disse, confiar na posteridade é perigoso. Os homens de amanhã vão estar preocupados com a boiada de amanhã. Como sujeitos históricos, temos que unir tanto o distanciamento, que é fundamental pra que uma avaliação, um certo encaixe daquela situação num panorama geral seja feito, como também temos de unir uma vivência, o calor do momento. Na maior parte dos casos isso não dá bons resultados, como as várias opiniões, por exemplo, que a Revolução Francesa gerou. Mas é uma via necessária, pois, por mais que no futuro isso que tenhamos traçado esteja errado, uma coisa no mínimo será inegável e indelével: a tentativa a mais ampla possível de entender o que vivemos, e a vivacidade de podermos dizer que vivemos.

O que eu vejo é que, para todos os efeitos, a literatura não encara o agora num sentido direto, mas é sempre pelos olhos de Maisie. É sempre pelos olhos do leitor, é sempre lhe permitindo um novo modo de ver o mundo. E é nesse sentido que acho que ela é uma ótima mídia pra se falar do agora. Mesmo porque, de resto, como já atestam textos hermenêuticos, é muito complicado nós falarmos da realidade e do sujeito sem que exista uma mediação, sem que exista o processo da interpretação entre eles. A realidade objetiva é interpretada; a literatura ajuda muito nesse sentido, especialmente pelo fato de seu fundamento ser a imaginação, o que pressupõe, para os dois lados, uma forma de criação. Um despojamento, uma humildade de reconhecer essa via de estar-aí no mundo.

Então a ideia seria como se a obra literária fosse uma espécie de película que nós colocamos em nossos olhos e que nos ajuda a perceber o mundo. E aí eu discordo de você nisso de que a literatura feita hoje nos permite conhecer apenas o hoje. Pois a literatura feita hoje é, nesse sentido mais amplo, uma forma também mais ampla de se entender o hoje. Pesquisar esses rastros, como a tendência contemporânea de muitos poetas hoje em dia de retrabalharem o cotidiano, é pesquisar e entender novamente, ou simplesmente entender, a própria realidade que nos cerca. Porque a questão que eu lanço, e aqui já abarco também a fala do Morfindel, é: será que apenas viajando ao local, conhecendo o local, podemos, de fato, conhecer o local? Acho que, muitas vezes, nós temos a ilusão de que a vivência é a forma mais completa e fechada em si mesma de interpretação ou de conhecimento. Mas às vezes viajar na maionese pode ser bem benéfico. E isso, é claro, incorrendo num termo bem errado, pois comparar literatura a viajar na maionese é uma heresia. (A ideia foi mais a de que, com a literatura, temos a possibilidade de conhecer o outro etc e tal.) E, também é claro, no fato de que restaria entender o que é essa "vivência". É um termo muito amplo... Envolve outra coisa muito ampla: a vida.

Essa frase que você colocou do Sebald é também muito interessante. Não conheço quase nada dos processos psicanalíticos e das explicações mais contemporâneas que eles dão entre as camadas de consciência do ser humano, e até mesmo concordo que a literatura trabalha pesadamente no "inner working". É como os bolinhos de Proust; é como se fosse um estoque de vidas anteriores que, creio, vai de encontro à transconsciência e des-individualização que o Paganus se referiu.

Mas ao mesmo tempo não sei se é possível que algo trabalhe apenas no nosso inconsciente. Acho que os materiais culturais atuam em todas as camadas, de modo que também atuam em nossa consciência. Nos dois ao mesmo tempo, no ser humano completo. Seja no conhecimento imediato que temos uns dos outros, seja na compreensão ou no vir-a-tona de um inconsciente coletivo.
 
As fronteiras entre inconsciente e consciente e mesmo através de camadas mais profundas do ser é algo que se vai esvaindo, desmoronando, progressivamente em diversos autores. O exemplo mais característico é o Joyce. Quer queira quer não, a jornada de Bloom não tem nada a ver com um épico do individualismo, ou uma mera redução às esferas subconscientes, por mais que Circe, por exemplo, possa dar essa impressão. Circe é só o primeiro passo de uma jornada que culminará em Finnegans Wake, e que já se prefigura no 'despertar' de Stephen, em Retrato de um Artista. Epifania.
 
Eu não quis dizer que ela é sempre melhor na posteridade, eu simplesmente não acredito que exista um tempo exógeno certo ou mais adequado pra ler um livro. Certamente tem tempos (e humores) que te fazem "ganhar mais" de um livro, mas são coisas mais internas. Também não disse que a literatura feita hoje nos permite ver apenas o hoje. Eu disse que a literatura não é a melhor mídia pra falar do hoje, o que fica bem distante em termos de significado. Eu tava simplesmente endereçando aquele argumento anterior de que ignorar a literatura de hoje significa ignorar o hoje. No máximo, significa ignorar a cena literária de hoje, e daí fica por conta de cada um definir o quanto isso faz ou não parte do seu interesse. E fora que essa ideia, se tu pensar a fundo, remete a uma possibilidade conhecimento total, ou a um taylorismo que aceita uma "forma mais correta" de experienciar a literatura. É isso que eu nego, pra tentar, por outro lado, afirmar que a experiência da literatura é essencialmente subjetiva, e que a literatura "vale mais" pelos benefícios que se perdem dentro da gente do que por aqueles que a gente consegue perceber de forma imediata. E, assim, o tempo de cada um, e até mesmo o fato de ler ou não ler, não se abre exatamente a um julgamento.
 
caraca. tava dando uma geral no blog da companhia, aí vi que este post estava com 47 e tinha até um *A Companhia das Letras discorda do teor do texto, mas respeita a liberdade dos colunistas deste blog de expressarem suas opiniões. no fim o_O achei tão tranquilo o texto, não imaginava que daria tanta polêmica.

(vou ler os comentários agora)
 
É, não vi nada de mais nos comentários também. De todo modo, bom ler os comentários. É sempre meio cancerígena essa atividade, mas aqui ela foi boa. Achei esse, do Luis Narval, bem interessante:

8 de outubro de 2013 disse:
Tenho a sensação que o menosprezo é recíproco. Autores brasileiros contemporâneos não leem seus pares, pelo menos, não com a seriedade e atenção, para não dizer boa-vontade, devidas. Mas me pergunto: por que isso? Seria pura empáfia, por acreditar que aquilo que eles mesmos escrevem é a única expressão aceitável, espécie de suma da mais alta literatura já produzida? Ou seria uma reação automática ao “perigo da influência”? Ou seria o sentimento mesquinho da inveja, que se desdobra no receio de encontrar algo muito bom ali? Porque uma coisa é preciso admitir: o ato da escrita, para muitos, é uma espécie de compensação glamourizada de seus próprios e inconfessados recalques. Complexo de inferioridade, sentimento de inadaptação, taras, vaidade, jactância. A lista é longa. Isso não seria e não é de todo negativo. Pois faz parte essencial da atividade criadora, como um gatilho psicológico. Já que o artista, se não for levado a se apartar momentaneamente da multidão, se não cultivar uma posição crítica e pessoal, se não adotar uma perspectiva de distanciamento/estranhamento da vaga geral, terá pouca ou nenhuma probabilidade de produzir algo relevante. Muitos dos grandes mestres, para ficar apenas na literatura, eram, por uma razão ou outra, verdadeiros inadaptados. Kafka, Proust, Faulkner, Rilke, Georg Trakl, Eliot, Virgínia Woolf, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, Sá Carneiro, Onetti… Obviamente, também eles buscavam sublimar suas deficiências por meio da literatura. Mas o diferencial neles, aquilo que os libertava da mediocridade, da autocomplacência abjeta, do fingimento pelo fingimento, era uma absoluta severidade, um rigor extremo com o material que posteriormente seria convertido em literatura. Tal com faz o ferreiro, que ao malhar sem piedade o aço transforma-o em espada afiadíssima e da melhor qualidade. Resumindo: acredito que falta um maior “rigor” (e aqui o mea culpa é incontornável, pois também faço parte da fauna de autores brasileiros contemporâneos) na produção literária (não apenas brasileira) atual.

Acho que isso que ele disse da necessidade de se mergulhar e ao mesmo tempo saber manter distância do que é produzido hoje consegue resumir o que discutimos aqui no tópico.
 
Acho que o asterisco é basicamente por ela ter falado do "mau caratismo" de alguns autores, e é disso que a Companhia quer se desvincular. Mas é bem coxinha colocar uma mensagem dessas.

até porque, como alguém colocou ali nos comentários, todo mundo sabe que a coluna expressa a opinião do colunista, e não da editora. ficou parecendo um "ok, como tem gente monga na internet vamos colocar logo isso aqui e lavarmos nossas mãos sobre o assunto".
 
até porque, como alguém colocou ali nos comentários, todo mundo sabe que a coluna expressa a opinião do colunista, e não da editora. ficou parecendo um "ok, como tem gente monga na internet vamos colocar logo isso aqui e lavarmos nossas mãos sobre o assunto".

Pensando por esse lado, até que faz sentido. :lol:

Brincadeira.
 
Como disse, o buraco é mais embaixo. Uma editora que aposta quase 70% do seu catálogo em autores contemporâneos mais cedo ou mais tarde teria problemas por causa dessa coluna.

Não lembro quem me disse certa vez "escritor te como maior problema o ego" e não deixa de ser verdade. Por isso muitos autores novos não gostam de blogs falando sobre suas obras, não querem ninguém atacando o que escreveu. Também conheço gente que frita blogueiros, caso discorde da resenha que fez. O próprio Paulo Scott é um exemplo recente por não querer seu livro na Copa de Literatura.
 
O camarada se expõe e não quer ser avaliado/criticado? Pff. Beleza que vez por outra isso gera uma síndrome de Harper Lee, mas é o preço de se tornar uma figura pública - vide a questão das biografias no outro tópico.
 

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