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Inspirações da obra de Tolkien - III: a santificação dos humildes

Inspirações da obra de Tolkien - III: a santificação dos humildes.

Praticamente todos os leitores atentos de o Senhor dos Anéis sabem que seu artífice, o magnífico espírito de J. Ronald R. Tolkien, tinha horror à alegoria; isto afirmado pelo próprio Tolkien, na introdução da obra supra referida.

E em 1971, J. R. R. Tolkien concedeu à rádio BBC de Londres uma entrevista (que hoje é histórica); a entrevista concedida pelo professor Tolkien foi ao programa Now Read On..., da BBC rádio 4 e o entrevistador foi Dennis Gerrolt, que, a certa altura, questionou do mestre literato:

Gerrolt: “O livro deve ser considerado como uma alegoria?”

Tolkien: “Não! Eu repugno a alegoria sempre que lhe sinto o cheiro.”

Contudo, há diferença de essência entre fazer alegoria e inspirar-se em experiências pessoais; não é uma assertiva de difícil compreensão. Assim, embora Sauron e o Anel não sejam - e muitos disseram o contrário - alegorias de Hitler nem da bomba atômica, muitas situações da vida de Tolkien foram por ele utilizadas como summa ratio ou mesmo como limitada (do ponto de vista da influência sobre o total da obra) inspiração para determinados cenários e/ou personagens.

No presente artigo, desenvolvo a série (que iniciei com o artigo A Viagem de Bilbo), com a qual pretendo apontar em que se inspirou o mestre literário quase incomparável - ou talvez verdadeiramente inigualável, em sua área de criação (creio que ele diria de sub-criação) -, com relação a importantes tópicos de sua monumental produção literária.

Como disse no primeiro artigo, não estou tirando minhas ilações apenas de mim mesmo, mas buscando a fonte: Tolkien, com ênfase para o que ele deixou registrado em suas cartas (e todos aguardamos, incomensuravelmente ansiosos, o lançamento, no Brasil e em nossa língua, de The Letters of J. R. R. Tolkien - por Humphrey Carpenter e Christopher Tolkien -, previsto para este nascente 2006; o livro é composto por uma coletânea - com cerca de 500 cartas escritas por Tolkien ao longo dos anos em que estava criando a trilogia do Senhor dos Anéis. Muitas das informações que estão nestas cartas são raríssimas).

Ao desiderato precípuo, então.


- A santificação dos humildes.

Os hobbits têm primazia na obra de Tolkien e foram criados para tê-lo. No início de 1956, antes de escrever uma resenha de O Senhor dos Anéis o Sr. Michael Straight, editor do “New Republic”, escreveu para Tolkien fazendo algumas perguntas: primeiro, se havia um significado no papel de Gollum na história e na falha moral de Frodo no clímax; em segundo, se o capítulo O Expurgo do Condado era especialmente dirigido à Inglaterra contemporânea; e em terceiro, por que os outros viajantes deveriam partir dos Portos Cinzentos com Frodo ao final do livro. Na resposta, Tolkien diz algo de grande importância sobre o tema em comento:

“A Encarnação de Deus é algo infinitamente maior do que algo sobre o qual eu me atreveria a escrever. Aqui {em O Senhor dos Anéis e em O Silmarillion] eu estou apenas interessado na Morte como parte da natureza, física e espiritual do Homem, e com a Esperança sem garantias. É por essa razão que eu me refiro ao conto de Arwen e Aragorn como o mais importante dos Apêndices; ele é um panorama do essencial na história, e apenas está lá descrito porque não poderia ser inserido na narrativa principal sem destruir sua ESTRUTURA: QUE É PLANEJADA PARA SER CENTRADA NOS HOBBITS, o que é primariamente, UM ESTUDO DO ENOBRECIMENTO (OU SANTIFICAÇÃO) DOS HUMILDES.”

Ressaltemos, mais ainda, as palavras de Tolkien: a estrutura da obra “planejada para ser centrada nos hobbits, o que é primariamente, um estudo do enobrecimento (ou santificação) dos humildes.”

Que coisa fantástica: escrever uma obra para falar, principalmente, do “enobrecimento (ou santificação) dos humildes”...

E esta santificação ocorre nos moldes do mais puro Cristianismo: abnegação, renúncia, resignação, sacrifício e entrega total a uma vontade superior e legítima.

Em todas as religiões e em muitas filosofias a renúncia é apresentada como condição sine qua non se pode atingir a “grande recompensa”, que - variando, de uma para outra crença/filosofia - pode ser a vida eterna no seio de Deus, ou a libertação e a paz do Nirvana, o mergulho de retorno ao grande todo (para os panteístas) etc. Independentemente da crença, a renúncia persiste como uma idéia-chave, uma idéia-diretriz, um caminho, um roteiro.

Dizia o rabi da Galiléia, Jesus Cristo:

“Quem quiser vir depois de mim, que negue a si mesmo, pegue a sua cruz e me siga.”

“Aquele que quiser salvar sua vida, perdê-la-á; mas aquele que perder a sua vida, por amor a mim, ganhá-la-á.”

É isto que Frodo faz; esta é a sua renúncia, a sua estrada de santificação. Não só a sua, mas a dos quatro hobbits (Sam, Frodo, Pippin, Merry). Na carta (provavelmente de Janeiro ou Fevereiro de 1956) para o Sr. Michael Straight, editor do jornal “New Republic” (quando este, antes de escrever uma resenha de O Senhor dos Anéis, escreveu para Tolkien fazendo perguntas sobre, por exemplo, se não havia uma falha moral de Frodo, no clímax do enredo), afirma Tolkien:

“A Jornada estava fadada a falhar enquanto parte de um plano mundial, e também atada a terminar em desastre enquanto a história do desenvolvimento do Frodo humilde ao nobre, sua santificação. Ela falharia, e falhou, enquanto concernisse a Frodo, considerando-o sozinho. Ele ‘apostatizou’ - e eu recebi uma carta irada, bradando que ele deveria ter sido executado como um traidor, não honrado. Acredite em mim, não foi até eu ter lido isto que tive eu mesmo alguma idéia sobre quão tópica tal situação deve aparentar. Ela nasceu naturalmente do meu projeto concebido na forma de um esboço principal em 1936. (...)

“Mas a esse ponto a salvação do mundo e a auto-salvação de Frodo são alcançadas pelas suas prévias piedade e perdão às injúrias. Em qualquer ponto, qualquer pessoa prudente teria dito a Frodo que Gollum iria certamente traí-lo, e poderia roubá-lo no final. Ter piedade dele, refrear de matá-lo, foi mostra de tolice, ou uma crença mítica no derradeiro valor-próprio da piedade e generosidade, mesmo que desastroso no mundo àquele tempo. Ele de fato o roubou e feriu no final - mas por uma graça, aquela última traição deu-se em uma conjuntura precisa, quando a última ação do mal foi a mais benéfica que qualquer um poderia ter feito por Frodo! Por uma situação criada pela sua piedade, ele salvou a si mesmo e mitigou seu fardo. (...)

“Eu temo que, independentemente de nossas convicções, nós tenhamos de encarar o fato de que há pessoas que se rendam à tentação, rejeitam suas chances de nobreza ou salvação, e tornem-se condenáveis. Sua condenabilidade não é mensurável em termos macroscópicos (para onde isso pode ser bom). Mas nós todos que estamos no mesmo barco não devemos usurpar o Julgamento.”

Esta aí: os hobbits são uma exemplificação da santificação dos humildes...


Fortaleza/CE, sábado, 24 de dezembro de 2005, 20:19 hs.

J. Inácio de Freitas Filho.
 

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