hamiltox10
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Pessoal, finalmente tomei coragem e vou postar meu livro aqui no clube dos bardos. A cada cinco dias ou menos sai um capítulo, que eu publicarei e anexarei ao primeiro post para ficar mais organizado. Espero que gostem e opinem sobre os erros, etc etc.
Obrigado para quem for ler, para quem não vai ler mas pode um dia ler, e para quem nunca vai ler mas leu até aqui.
Aqui vai o prólogo:
Prólogo
- Sangrou o rio. – Falou Gisborne. Sua calça estava suja de argila até a altura dos joelhos, e a blusa surrada denunciava que havia caído em algum buraco lamacento não muito longe dali. Ele coxeava, e tinha faixas brancas atadas ao calcanhar direito.
- Foi a chuva de ontem. Nunca vi vendaval tão forte. – Respondera um sujeito idoso, gordo e roliço feito uma rodela de queijo, e que tinha dentes mais escuros do que o carvão que queimava em seus olhos. Era o velho Wallet, encarregado das lavouras, que estava agora inspecionando a colheita do fim de mês. Tinha o chapéu todo molhado, e o gibão de couro estava arruinado na cintura, surrupiado por limo e água barrenta.
- Caí num fosso. – Denunciou Gisborne, alisando a superfície encardida da perna dormente. Suas feridas sangravam um pouco e exalavam pus, mas estavam veladas por panos macios. – Machuquei meu pé também.
- Lateja? – Indagara Wallet, escarrando no chão um conteúdo grosso e gosmento. A barba e bigodes brancos e espessos cobriam sua papada e davam um ar respeitável ao aldeão.
- Um pouco, mas dá pra aguentar. De qualquer forma, o monastério é logo ali na colina. – Falou Gisborne, apontando o indicador ossudo na direção de um pequeno monte verde e sem árvores que aflorava um pouco ao norte.
O abastado lavrador confirmara com a cabeça. Sacara dos bolsos uma planta marrom, que dizia ser erva importada do sul. Mascava-a sempre que podia, “pois dava consistência à boca”, afirmava com convicção. Naquela manhã teria de abandonar os afazeres para tratar da perna de Gisborne, e isso o custaria caro.
Os dois, velho e verdureiro, passaram a caminhar rumando à pequena colina que se encontrava ali perto. Wallet arrastava-se presunçoso, com sua pança sempre um passo à frente ribombando a cada passada, já Gisborne, aquele saco de ossos remendados com pouca carne, limitava-se a segui-lo, mantendo a boca fechada e os resmungos para si mesmo.
Patrão e empregado cruzavam os prados verdes ensopados de água, e evitavam as poças de lama que haviam se formado na noite anterior. Estavam já muito perto do monastério. O velho Wallet temia apenas a visão das escadas, que escolhera como algoz desde o dia em que quebrara a bacia tentando subi-las. O que para Gisborne era tarefa de cada dia, para ele era uma vertiginosa escalada.
Antes que pudessem avistar os degraus, porém, Wallet viu o verdureiro parar de repente.
- É a perna? – Indagou, afagando com os dedos a barba, branca como a espuma da cevada. Não precisou de resposta, pois seus diminutos olhos encobertos por camadas de gordura divisaram ao longe um grupo de cavaleiros trotando velozes pela trilha de argila.
Haviam muitos homens, e vestiam armaduras completas, da viseira às botas, trajando gorjais de aço, carregando escudos largos e achas d’armas nas costas. À frente o porta bandeiras erigia o estandarte do alce prateado entalhado na seda verde-musgo, e era escoltado por dois batedores vigilantes, que percorriam o caminho nas laterais.
Gisborne contemplava admirado. Aquele era realmente um grupo forte e numeroso, e os cavaleiros ali somavam cem lanças e duas vezes esse número de espadas. Pareciam estar prontos para dar batalha ou levantar um cerco, só que agora galopavam pela vastidão amargurada que compunha o condado de Becker, terra de lavradores e gente simples.
Wallet jazia ao lado, pensativo, cauteloso como sempre. Podia sentir nos seus calos doídos que algo ruim estava para acontecer. Que queriam aqueles soldados todos em Becker? Não sabia dizer, mas lembrava-se bem de já ter pagado seus impostos à coroa naquele ano, e também não se esquecia de que os cobradores só apareciam na véspera do solstício de verão; naquele momento, seus ossos não podiam estar mais frios.
Verdureiro e lavrador observaram a companhia descrever uma curva angulosa pela colina verde e sem árvores, passando pelas escadas e forçando caminho pelo próprio portão. Subiram todos, em fileira indiana, sempre respeitando a ordem imposta por um sujeito que trajava muitas placas de ferro sobre o peito, e trazia um escudo esférico, liso e nu, de metal polido guarnecido nas costas.
- Apresse-se Gisborne, ou os perderemos de vista! – Chiou o velho Wallet, precipitando-se a correr um pouco. Já nem mais lembrava-se das dores de joelho que sempre o afligiam. O magricela fez um derradeiro esforço para acompanhar o ritmo do patrão, também movido pela curiosidade.
Ambos corriam, aos troncos e barrancos, movendo-se para o cume da pequena colina escarpada recoberta por gramíneas rasas. Alcançaram as escadas e contemplaram o monastério, rudimentar habitação de pedra erguida sobre uma paliçada de argamassa e apoiada por toras espessas de madeira nas laterais. Viram também outros fazendeiros que aravam e semeavam a terra fofa, e também os mercadores que carregavam caixas de lenha de um lado para o outro. Viram todos se reunindo, os que estavam ao redor e os que trabalhavam longe, formando juntos um aglomerado de gente simples, curiosa, absorta, e que circundava aqueles estranhos soldados vestidos com ferro. Lá estavam Bill da taverna, Tom Caolho e Malde Raízes, como muitos outros conhecidos de Wallet.
- Veja Gisborne, os cavaleiros já chegaram! – Indicara o velho, quando notara que a companhia havia atingido o ponto mais alto da colina, onde estavam erguidos o monastério, a estalagem, um ou dois casebres e o mercado de verduras.
O magricelas lutava para tentar enxergar algo. O povo se aglomerava em torno dos cavalos, extasiados, em polvorosa, e um baixinho como Gisborne nunca iria puder ver através da massa de pessoas que se estirava à sua frente. Seu patrão, mais esperto, achara um ponto de apoio em cima de uns tablados velhos de madeira, de onde podia observar tudo o que se passava com facilidade, já ele tentava achar um bom lugar em meio à multidão.
Um sujeito forte e largo, que vestia muitas placas de prata reforçada, liderava todos os soldados ali. Montava um garanhão malhado, negro como a noite e grande como um corpulento touro, e envergava uma espada longa e metálica, que era empunhada com ambas as mãos. Foi este mesmo cavaleiro que desmontou subitamente, com as pesadas botas de ferro chocando-se contra a lama fofa em estrondo. Caminhou um pouco pelo solo encharcado, viseira abaixada, olhos encobertos analisando o povo que agora o encarava. Murmurou algo ao capitão e bateu no peito três vezes.
Seu porta-bandeiras então ergueu no céu o estandarte do alce, e todos puderam ver os cornos de seda verde-musgo que representavam uma das grandes casas nobres do sul. Um arauto fez as honras conforme a norma, mas o velho Wallet pouco ou nada ouviu daquilo. Suas orelhas velhas e enrugadas, entupidas de cera, não faziam justiça à sua audição. O que ele ouviu, porém, fora a voz grossa e retumbante do fidalgo conclamando a vinda do clérigo.
- Chamem o sacerdote! – Ordenou incontestável, brandindo o punho cerrado como se fosse uma pesada maça. Dois criados, que esperavam no canto da porta, prontamente rebaixaram os olhares e, sorrateiros, entraram pela portinhola de madeira que separava o monastério das adjacências.
Isso é jeito de falar com os serventes? Questionou-se Wallet, com um olhar pesaroso. Franziu as sobrancelhas quando viu que todos se perguntavam algo parecido. Não pensou em resposta, porém, e apenas esperou. Não sabia o motivo, nem o porquê, nem a razão daqueles sujeitos espadaúdos estarem ali, mas não gostava nem um pouco. Que querem eles com Benedito? Indagou-se novamente, como era de seu feitio.
Viu o sujeito caminhar de um lado para o outro, ziguezagueando nervoso. Voltara a cair uma chuva fraca e fria, fina como a noite que havia morrido, mas nem sequer um camponês arregrara o pé daquele monte escarpado, verde e sem árvores. Todos queriam ver o que traziam cavaleiros até o minúsculo condado de Becker. Ele mesmo não poderia perder o desenrolar da história, o desfecho daquela visita inusitada. Ledo engano.
O sacerdote Benedito era velho. Mais velho do que qualquer homem que Gisborne já conhecera. Seu avô mamava no berço quando o idoso devoto já aparava as madeixas brancas que fugiam-lhe da cabeça calva. Tinha visto mais de cem invernos, e alguns alegavam que o sujeito somava em passadas cem léguas em cada década. Já fora homem importante, com vilas, criados e todo o resto, mas no fim de sua vida, desejara recolher-se para o campo, e acolhera sorridente seu novo lar no simples monastério de Becker.
Era este Benedito que agora arrastava-se pesaroso, fraco e caduco, sob a cortina de muitos olhares, ao encontro daquela comitiva tão atípica. Não é nada cortês esse nobre. Pensou Wallet, contrariado. Um homem de idade merece repouso no despertar da aurora.
Foi andando Benedito, e via-se claramente que suas pernas tortas arqueavam com o peso das costas esguias. O homem era fraco, mais magro que Gisborne, se isso fosse possível, e ostentava uma comprida barba branca, que cobria suas costelas finas e seu peito esquelético por inteiro e denunciava os longos anos de sabedoria dedicados ao estudo.
- Por acaso não pode esperar até o entardecer para receber a benção do Senhor e da Senhora, como todos os outros? Ou será que seu sangue nobre lhe dá poder e autoridade para fazer o contrário? – Perguntou o sacerdote, supreendentemente desafiador. Dirigiu seus pequenos e enrugados, porém firmes, olhos em direção à carranca zombeteira daquele nobre galante, que jazia ao lado de seu garanhão musculoso e castrado.
Wallet concordava positivamente com a cabeça. Não se acorda nem camareiro durante um bom sono, afirmava com convicção. Já Gisborne, lutava para subir em um pequeno apoio pedregoso que descobrira não muito distante do mercado. Esgueirara-se por entre a massa de gente até encontrar aquele recinto elevado, onde um anão transformava-se em gigante. Era perto de onde alguns cavaleiros montavam guarda, mas sua curiosidade era tremenda, e após dois segundos de breve meditação conferiu que valia a pena arriscar.
Gisborne moscou-se sorrateiro por entre a pequena multidão que lotava o montículo. Chegou bem perto de onde um lanceiro estava distraído, e galgou seu local para assistir às cenas que iriam se desenrolar. Viu surpreso quando o nobre tomou bruscamente o estandarte verde da mão de seu porta-bandeira e fincou-o no chão.
- Vê isto, velho senil?! – Gritou ele, apontando o punho cerrado protegido pela manopla prateada em direção aos cornos de sua flâmula. – Dobre os joelhos e a língua quando for se dirigir a um Eamon de Corintho.
Disparate. Nada mais que um ultraje! Fungou, junto de muitos outros que não apreciavam o rumo da conversa. Viu seu primo em terceiro grau, Furúnculo, e o cunhado de sua falecida irmã, Bill da taverna, erguerem as mangas à procura de paus e foices. Eu sabia. Nunca haviam falhado as premonições dos seus ossos velhos. O que poderia acontecer com aquela gente? Paus e estacas não são úteis contra achas de ferro.
- Sacerdote, serei bem claro e perguntarei não mais de uma vez. – Disparou aquele nobre ousado, enquanto puxava o cabo da espada em tom solenemente ameaçador. – Onde está o ouro?
Ouro? Era aquele homem cego ou louco? As maiores oferendas que o monastério recebia erma sacolas esfarrapadas de couro velho que continham pedra, ferro, e umas raras moedas de cobre amassado.
Gisborne arregalara bem as orelhas pontiagudas, assim como todos os outros. Não havia ouro no campo, só raízes, verdura, e mais raízes. Talvez os cavaleiros tivessem se enganado, para o bem da verdade, mas não era o que descrevia a expressão odiosa e carrancuda daquele sujeito prepotente.
- Ah, poderoso fidalgo, os cobradores de imposto de vossa graça já vieram este ano. – Respondeu o clérigo, sempre cortês. – E confesso; levaram quase tudo o que tínhamos.
- Não falamos por vossa graça. – Respondeu-lhe, com a voz profunda e grave. Seu capitão avançou, esporeando o cavalo, e se pôs ao lado. Desembainhou aço firme, reluzente, e apontou-o para a face enrugada e pálida daquele senhor idoso, que revelou-se surpreso, mas não amedrontado.
- Não temo seu aço, meu jovem. – Respondeu Benedito, incólume. Abriram-se largos sulcos em sua testa, e as manchas que tinha no pescoço nunca estiveram tão evidentes, mas mesmo assim, o velhinho provou-se resistente para alguém de cem estações.
Wallet lutava consigo mesmo. Sua vontade era de puxar qualquer pau que estivesse próximo e avançar para defender o amigo. Se ao menos restasse alguma força naqueles seus ossos velhos, ou se sua barriga não envergasse cinco vezes o peso de seus braços. Dizia que tinha de fazer algo, mas seu impulso morreu quando ouviu, com suas debilitadas orelhas, algo que o deixou estupefato.
- Não é você que corre perigo, velho tratante. – Falara o nobre, no topo de sua arrogância. Pusera a mão no cabo da espada e a apontara em direção aos camponeses, velhos, meninos e meninas que o circundavam – Tenho aqui comigo cem espadas... – Seus cavaleiros, que antes permaneciam impassíveis, desembainharam as armas, esporearam as montarias e fecharam um cerco. Tudo em questão de segundos.
Wallet fora empurrado grosseiramente por um brutamontes blindado. Quase rachara a bacia novamente quando caíra no chão, mas fora erguido por dois meninos que viram sua queda. Gisborne tivera menos sorte. Um dos lanceiros percebeu sua presença sorrateira, agarrou-o pelo fino pescoço e o socou violentamente três vezes, até ver sangue rubro escapulir por suas narinas alongadas e desproporcionais.
São os homens que conheço. As pessoas com quem vivi minha vida. Pensava o velho Wallet, e a erva importada do sul já não tinha mais gosto em sua boca. Poderia lutar, assim como Bill da Taverna, Furúnculo e Will Toureiro, mas sabia que contra aqueles cavaleiros de nada valeriam. Podia sentir a raiva percorrendo suas veias murchas e frágeis. Desejou ser jovem novamente, e lembrou-se de sua mulher. Agradeceu ao Senhor e à Senhora por ela ter viajado para a casa das irmãs apenas uma semana atrás. Que os deuses sejam bons...
- Podemos resolver isso de outra forma, meu fidalgo. – Falou Benedito, com o olhar pesaroso que abaixou-se até se encontrar com o chão. – Não há ouro, mas talvez se o senhor seu pai aceitar algum outro tipo de pagamento...
Não Benedito. Não se dobre, não se curve. Pedia Wallet, indeciso, relutante, mas corajoso, e pedia mesmo que isso lhe custasse a vida. Nunca fora homem audacioso, esse era o papel de seu irmão. Nunca quis ser marinheiro, nem soldado, nem explorador. Queria ser lavrador, arar a terra, plantar sementes, e quem sabe visitar a capital do rei uma vez a cada ano só para admirar suas belas muralhas. Naquele dia uma súbita coragem brotara em seu coração, algo inesperado, e de certa forma, indesejado.
- Não há ouro? – Indagou-se o nobre, com um gracejo. – Homens, ele diz que não há ouro! – Urrou alto, e seus soldados gargalharam muitas vezes antes de se calarem.
Herege. Não se rouba monastérios nessa terra santa. Protestou Wallet, mas então seus olhos foram à procura de Gisborne. Onde estaria o garoto? Não via o magricela em lugar nenhum, e temia que algo ruim o tivesse acometido. Por outro lado, nutria esperanças de que o jovem havia fugido enquanto era tempo, antes que todos fossem feitos cativos.
Gisborne, porém, estava estatelado no chão, com a boca sangrando e os dentes doendo. Era a primeira vez que desejava mascar a velha erva do patrão, para atestar a veracidade de seu efeito. Suas mãos estavam trêmulas, nervosas da porrada que acabara de sofrer. Os olhos, também dormentes, não distinguiam nada, de modo que tudo o que viam eram imagens disformes que se moviam como sombras num fundo branco. Sua cabeça doía, rodopiava, e o que escutava eram batidas, baques surdos que iam crescendo cada vez mais, em ascendente intensidade.
De repente, sentiu-se como se algo o estivesse puxando. Abriu as pálpebras fracas, e viu um rosto austero, frio, marcado pela guerra, que estava protegido por uma viseira semiaberta, complementando uma armadura ornamentada com placas de ferro e bronze. Era o nobre, aquele que chefiava os algozes de sua morada, montado novamente em seu alazão negro, grande como uma besta do inferno, e que agora bufava e guinchava a todo instante.
- Eis aqui um plebeu. – Disse fidalgo, erguendo o pobre Gisborne com apenas uma das mãos. – Se não há ouro, estamos aqui perdendo tempo, meu senhor sacerdote. – Foi ao encontro do velho Benedito, com as rédeas de sua montaria atadas à mão direita, e carregando o leve verdureiro com a canhota.
Gisborne recobrou os sentidos lentamente. Olhou ao redor e viu o clérigo, envergado pelo peso da vergonha. Ergueu o pescoço e contemplou desesperado todos os que conhecia feito prisioneiro. Passou a procurar pela mãe, mas não a encontrou em lugar nenhum. Tentou achar também seu patrão Wallet, mas os olhos ainda doíam muito, e ele não conseguia distinguir claramente os rostos na multidão.
Outra vez fora erguido, e dessa vez pode encarar a face viva de seu inquisidor. O nobre levantou a viseira completamente, pôs devagar a face no ouvido pontiagudo de Gisborne e cochichou baixinho. – Vá, fuja. - Escarniou. – Diga a todos que o alce esteve aqui. Espalhe esta notícia onde estiver, e será esse o pagamento por sua vida.
Dito isso deu uma estocada com o lado da espada na barriga do magricelas, que quebrou duas costelas e o fez estremecer. Os homens riram alto. Uma saraivada de xingamentos e zombarias se sucederam às gargalhadas.
- Matem todos! – Declarou o fidalgo, com o estandarte do alce erguido novamente em suas mãos. – Eles conspiram contra a coroa de Cedric e contra todo o reino. Matem todos! – Ordenou incólume.
Perdoe-me. Foi o que falou e pensou Wallet. Sentiu um golpe forte na nuca que o atingiu por trás, os sons morrendo, as cores sumindo. Passou a mão rugosa pela cabeça e a pintou de vermelho, caiu no chão, desfalecido. Ergueu os olhos mareados, Malde Raízes estava estirada na grama, perfurada por uma lança, Tom Caolho jazia morto, roxo como uma uva, Seu primo Bill afogava-se na própria poça de sangue, tapando com as mãos os buracos por onde as facas perfuraram.
Perdoe-me. Wallet Junior fechou os olhos. Fechou para não mais abrir.
Obrigado para quem for ler, para quem não vai ler mas pode um dia ler, e para quem nunca vai ler mas leu até aqui.
Aqui vai o prólogo:
Prólogo
- Sangrou o rio. – Falou Gisborne. Sua calça estava suja de argila até a altura dos joelhos, e a blusa surrada denunciava que havia caído em algum buraco lamacento não muito longe dali. Ele coxeava, e tinha faixas brancas atadas ao calcanhar direito.
- Foi a chuva de ontem. Nunca vi vendaval tão forte. – Respondera um sujeito idoso, gordo e roliço feito uma rodela de queijo, e que tinha dentes mais escuros do que o carvão que queimava em seus olhos. Era o velho Wallet, encarregado das lavouras, que estava agora inspecionando a colheita do fim de mês. Tinha o chapéu todo molhado, e o gibão de couro estava arruinado na cintura, surrupiado por limo e água barrenta.
- Caí num fosso. – Denunciou Gisborne, alisando a superfície encardida da perna dormente. Suas feridas sangravam um pouco e exalavam pus, mas estavam veladas por panos macios. – Machuquei meu pé também.
- Lateja? – Indagara Wallet, escarrando no chão um conteúdo grosso e gosmento. A barba e bigodes brancos e espessos cobriam sua papada e davam um ar respeitável ao aldeão.
- Um pouco, mas dá pra aguentar. De qualquer forma, o monastério é logo ali na colina. – Falou Gisborne, apontando o indicador ossudo na direção de um pequeno monte verde e sem árvores que aflorava um pouco ao norte.
O abastado lavrador confirmara com a cabeça. Sacara dos bolsos uma planta marrom, que dizia ser erva importada do sul. Mascava-a sempre que podia, “pois dava consistência à boca”, afirmava com convicção. Naquela manhã teria de abandonar os afazeres para tratar da perna de Gisborne, e isso o custaria caro.
Os dois, velho e verdureiro, passaram a caminhar rumando à pequena colina que se encontrava ali perto. Wallet arrastava-se presunçoso, com sua pança sempre um passo à frente ribombando a cada passada, já Gisborne, aquele saco de ossos remendados com pouca carne, limitava-se a segui-lo, mantendo a boca fechada e os resmungos para si mesmo.
Patrão e empregado cruzavam os prados verdes ensopados de água, e evitavam as poças de lama que haviam se formado na noite anterior. Estavam já muito perto do monastério. O velho Wallet temia apenas a visão das escadas, que escolhera como algoz desde o dia em que quebrara a bacia tentando subi-las. O que para Gisborne era tarefa de cada dia, para ele era uma vertiginosa escalada.
Antes que pudessem avistar os degraus, porém, Wallet viu o verdureiro parar de repente.
- É a perna? – Indagou, afagando com os dedos a barba, branca como a espuma da cevada. Não precisou de resposta, pois seus diminutos olhos encobertos por camadas de gordura divisaram ao longe um grupo de cavaleiros trotando velozes pela trilha de argila.
Haviam muitos homens, e vestiam armaduras completas, da viseira às botas, trajando gorjais de aço, carregando escudos largos e achas d’armas nas costas. À frente o porta bandeiras erigia o estandarte do alce prateado entalhado na seda verde-musgo, e era escoltado por dois batedores vigilantes, que percorriam o caminho nas laterais.
Gisborne contemplava admirado. Aquele era realmente um grupo forte e numeroso, e os cavaleiros ali somavam cem lanças e duas vezes esse número de espadas. Pareciam estar prontos para dar batalha ou levantar um cerco, só que agora galopavam pela vastidão amargurada que compunha o condado de Becker, terra de lavradores e gente simples.
Wallet jazia ao lado, pensativo, cauteloso como sempre. Podia sentir nos seus calos doídos que algo ruim estava para acontecer. Que queriam aqueles soldados todos em Becker? Não sabia dizer, mas lembrava-se bem de já ter pagado seus impostos à coroa naquele ano, e também não se esquecia de que os cobradores só apareciam na véspera do solstício de verão; naquele momento, seus ossos não podiam estar mais frios.
Verdureiro e lavrador observaram a companhia descrever uma curva angulosa pela colina verde e sem árvores, passando pelas escadas e forçando caminho pelo próprio portão. Subiram todos, em fileira indiana, sempre respeitando a ordem imposta por um sujeito que trajava muitas placas de ferro sobre o peito, e trazia um escudo esférico, liso e nu, de metal polido guarnecido nas costas.
- Apresse-se Gisborne, ou os perderemos de vista! – Chiou o velho Wallet, precipitando-se a correr um pouco. Já nem mais lembrava-se das dores de joelho que sempre o afligiam. O magricela fez um derradeiro esforço para acompanhar o ritmo do patrão, também movido pela curiosidade.
Ambos corriam, aos troncos e barrancos, movendo-se para o cume da pequena colina escarpada recoberta por gramíneas rasas. Alcançaram as escadas e contemplaram o monastério, rudimentar habitação de pedra erguida sobre uma paliçada de argamassa e apoiada por toras espessas de madeira nas laterais. Viram também outros fazendeiros que aravam e semeavam a terra fofa, e também os mercadores que carregavam caixas de lenha de um lado para o outro. Viram todos se reunindo, os que estavam ao redor e os que trabalhavam longe, formando juntos um aglomerado de gente simples, curiosa, absorta, e que circundava aqueles estranhos soldados vestidos com ferro. Lá estavam Bill da taverna, Tom Caolho e Malde Raízes, como muitos outros conhecidos de Wallet.
- Veja Gisborne, os cavaleiros já chegaram! – Indicara o velho, quando notara que a companhia havia atingido o ponto mais alto da colina, onde estavam erguidos o monastério, a estalagem, um ou dois casebres e o mercado de verduras.
O magricelas lutava para tentar enxergar algo. O povo se aglomerava em torno dos cavalos, extasiados, em polvorosa, e um baixinho como Gisborne nunca iria puder ver através da massa de pessoas que se estirava à sua frente. Seu patrão, mais esperto, achara um ponto de apoio em cima de uns tablados velhos de madeira, de onde podia observar tudo o que se passava com facilidade, já ele tentava achar um bom lugar em meio à multidão.
Um sujeito forte e largo, que vestia muitas placas de prata reforçada, liderava todos os soldados ali. Montava um garanhão malhado, negro como a noite e grande como um corpulento touro, e envergava uma espada longa e metálica, que era empunhada com ambas as mãos. Foi este mesmo cavaleiro que desmontou subitamente, com as pesadas botas de ferro chocando-se contra a lama fofa em estrondo. Caminhou um pouco pelo solo encharcado, viseira abaixada, olhos encobertos analisando o povo que agora o encarava. Murmurou algo ao capitão e bateu no peito três vezes.
Seu porta-bandeiras então ergueu no céu o estandarte do alce, e todos puderam ver os cornos de seda verde-musgo que representavam uma das grandes casas nobres do sul. Um arauto fez as honras conforme a norma, mas o velho Wallet pouco ou nada ouviu daquilo. Suas orelhas velhas e enrugadas, entupidas de cera, não faziam justiça à sua audição. O que ele ouviu, porém, fora a voz grossa e retumbante do fidalgo conclamando a vinda do clérigo.
- Chamem o sacerdote! – Ordenou incontestável, brandindo o punho cerrado como se fosse uma pesada maça. Dois criados, que esperavam no canto da porta, prontamente rebaixaram os olhares e, sorrateiros, entraram pela portinhola de madeira que separava o monastério das adjacências.
Isso é jeito de falar com os serventes? Questionou-se Wallet, com um olhar pesaroso. Franziu as sobrancelhas quando viu que todos se perguntavam algo parecido. Não pensou em resposta, porém, e apenas esperou. Não sabia o motivo, nem o porquê, nem a razão daqueles sujeitos espadaúdos estarem ali, mas não gostava nem um pouco. Que querem eles com Benedito? Indagou-se novamente, como era de seu feitio.
Viu o sujeito caminhar de um lado para o outro, ziguezagueando nervoso. Voltara a cair uma chuva fraca e fria, fina como a noite que havia morrido, mas nem sequer um camponês arregrara o pé daquele monte escarpado, verde e sem árvores. Todos queriam ver o que traziam cavaleiros até o minúsculo condado de Becker. Ele mesmo não poderia perder o desenrolar da história, o desfecho daquela visita inusitada. Ledo engano.
O sacerdote Benedito era velho. Mais velho do que qualquer homem que Gisborne já conhecera. Seu avô mamava no berço quando o idoso devoto já aparava as madeixas brancas que fugiam-lhe da cabeça calva. Tinha visto mais de cem invernos, e alguns alegavam que o sujeito somava em passadas cem léguas em cada década. Já fora homem importante, com vilas, criados e todo o resto, mas no fim de sua vida, desejara recolher-se para o campo, e acolhera sorridente seu novo lar no simples monastério de Becker.
Era este Benedito que agora arrastava-se pesaroso, fraco e caduco, sob a cortina de muitos olhares, ao encontro daquela comitiva tão atípica. Não é nada cortês esse nobre. Pensou Wallet, contrariado. Um homem de idade merece repouso no despertar da aurora.
Foi andando Benedito, e via-se claramente que suas pernas tortas arqueavam com o peso das costas esguias. O homem era fraco, mais magro que Gisborne, se isso fosse possível, e ostentava uma comprida barba branca, que cobria suas costelas finas e seu peito esquelético por inteiro e denunciava os longos anos de sabedoria dedicados ao estudo.
- Por acaso não pode esperar até o entardecer para receber a benção do Senhor e da Senhora, como todos os outros? Ou será que seu sangue nobre lhe dá poder e autoridade para fazer o contrário? – Perguntou o sacerdote, supreendentemente desafiador. Dirigiu seus pequenos e enrugados, porém firmes, olhos em direção à carranca zombeteira daquele nobre galante, que jazia ao lado de seu garanhão musculoso e castrado.
Wallet concordava positivamente com a cabeça. Não se acorda nem camareiro durante um bom sono, afirmava com convicção. Já Gisborne, lutava para subir em um pequeno apoio pedregoso que descobrira não muito distante do mercado. Esgueirara-se por entre a massa de gente até encontrar aquele recinto elevado, onde um anão transformava-se em gigante. Era perto de onde alguns cavaleiros montavam guarda, mas sua curiosidade era tremenda, e após dois segundos de breve meditação conferiu que valia a pena arriscar.
Gisborne moscou-se sorrateiro por entre a pequena multidão que lotava o montículo. Chegou bem perto de onde um lanceiro estava distraído, e galgou seu local para assistir às cenas que iriam se desenrolar. Viu surpreso quando o nobre tomou bruscamente o estandarte verde da mão de seu porta-bandeira e fincou-o no chão.
- Vê isto, velho senil?! – Gritou ele, apontando o punho cerrado protegido pela manopla prateada em direção aos cornos de sua flâmula. – Dobre os joelhos e a língua quando for se dirigir a um Eamon de Corintho.
Disparate. Nada mais que um ultraje! Fungou, junto de muitos outros que não apreciavam o rumo da conversa. Viu seu primo em terceiro grau, Furúnculo, e o cunhado de sua falecida irmã, Bill da taverna, erguerem as mangas à procura de paus e foices. Eu sabia. Nunca haviam falhado as premonições dos seus ossos velhos. O que poderia acontecer com aquela gente? Paus e estacas não são úteis contra achas de ferro.
- Sacerdote, serei bem claro e perguntarei não mais de uma vez. – Disparou aquele nobre ousado, enquanto puxava o cabo da espada em tom solenemente ameaçador. – Onde está o ouro?
Ouro? Era aquele homem cego ou louco? As maiores oferendas que o monastério recebia erma sacolas esfarrapadas de couro velho que continham pedra, ferro, e umas raras moedas de cobre amassado.
Gisborne arregalara bem as orelhas pontiagudas, assim como todos os outros. Não havia ouro no campo, só raízes, verdura, e mais raízes. Talvez os cavaleiros tivessem se enganado, para o bem da verdade, mas não era o que descrevia a expressão odiosa e carrancuda daquele sujeito prepotente.
- Ah, poderoso fidalgo, os cobradores de imposto de vossa graça já vieram este ano. – Respondeu o clérigo, sempre cortês. – E confesso; levaram quase tudo o que tínhamos.
- Não falamos por vossa graça. – Respondeu-lhe, com a voz profunda e grave. Seu capitão avançou, esporeando o cavalo, e se pôs ao lado. Desembainhou aço firme, reluzente, e apontou-o para a face enrugada e pálida daquele senhor idoso, que revelou-se surpreso, mas não amedrontado.
- Não temo seu aço, meu jovem. – Respondeu Benedito, incólume. Abriram-se largos sulcos em sua testa, e as manchas que tinha no pescoço nunca estiveram tão evidentes, mas mesmo assim, o velhinho provou-se resistente para alguém de cem estações.
Wallet lutava consigo mesmo. Sua vontade era de puxar qualquer pau que estivesse próximo e avançar para defender o amigo. Se ao menos restasse alguma força naqueles seus ossos velhos, ou se sua barriga não envergasse cinco vezes o peso de seus braços. Dizia que tinha de fazer algo, mas seu impulso morreu quando ouviu, com suas debilitadas orelhas, algo que o deixou estupefato.
- Não é você que corre perigo, velho tratante. – Falara o nobre, no topo de sua arrogância. Pusera a mão no cabo da espada e a apontara em direção aos camponeses, velhos, meninos e meninas que o circundavam – Tenho aqui comigo cem espadas... – Seus cavaleiros, que antes permaneciam impassíveis, desembainharam as armas, esporearam as montarias e fecharam um cerco. Tudo em questão de segundos.
Wallet fora empurrado grosseiramente por um brutamontes blindado. Quase rachara a bacia novamente quando caíra no chão, mas fora erguido por dois meninos que viram sua queda. Gisborne tivera menos sorte. Um dos lanceiros percebeu sua presença sorrateira, agarrou-o pelo fino pescoço e o socou violentamente três vezes, até ver sangue rubro escapulir por suas narinas alongadas e desproporcionais.
São os homens que conheço. As pessoas com quem vivi minha vida. Pensava o velho Wallet, e a erva importada do sul já não tinha mais gosto em sua boca. Poderia lutar, assim como Bill da Taverna, Furúnculo e Will Toureiro, mas sabia que contra aqueles cavaleiros de nada valeriam. Podia sentir a raiva percorrendo suas veias murchas e frágeis. Desejou ser jovem novamente, e lembrou-se de sua mulher. Agradeceu ao Senhor e à Senhora por ela ter viajado para a casa das irmãs apenas uma semana atrás. Que os deuses sejam bons...
- Podemos resolver isso de outra forma, meu fidalgo. – Falou Benedito, com o olhar pesaroso que abaixou-se até se encontrar com o chão. – Não há ouro, mas talvez se o senhor seu pai aceitar algum outro tipo de pagamento...
Não Benedito. Não se dobre, não se curve. Pedia Wallet, indeciso, relutante, mas corajoso, e pedia mesmo que isso lhe custasse a vida. Nunca fora homem audacioso, esse era o papel de seu irmão. Nunca quis ser marinheiro, nem soldado, nem explorador. Queria ser lavrador, arar a terra, plantar sementes, e quem sabe visitar a capital do rei uma vez a cada ano só para admirar suas belas muralhas. Naquele dia uma súbita coragem brotara em seu coração, algo inesperado, e de certa forma, indesejado.
- Não há ouro? – Indagou-se o nobre, com um gracejo. – Homens, ele diz que não há ouro! – Urrou alto, e seus soldados gargalharam muitas vezes antes de se calarem.
Herege. Não se rouba monastérios nessa terra santa. Protestou Wallet, mas então seus olhos foram à procura de Gisborne. Onde estaria o garoto? Não via o magricela em lugar nenhum, e temia que algo ruim o tivesse acometido. Por outro lado, nutria esperanças de que o jovem havia fugido enquanto era tempo, antes que todos fossem feitos cativos.
Gisborne, porém, estava estatelado no chão, com a boca sangrando e os dentes doendo. Era a primeira vez que desejava mascar a velha erva do patrão, para atestar a veracidade de seu efeito. Suas mãos estavam trêmulas, nervosas da porrada que acabara de sofrer. Os olhos, também dormentes, não distinguiam nada, de modo que tudo o que viam eram imagens disformes que se moviam como sombras num fundo branco. Sua cabeça doía, rodopiava, e o que escutava eram batidas, baques surdos que iam crescendo cada vez mais, em ascendente intensidade.
De repente, sentiu-se como se algo o estivesse puxando. Abriu as pálpebras fracas, e viu um rosto austero, frio, marcado pela guerra, que estava protegido por uma viseira semiaberta, complementando uma armadura ornamentada com placas de ferro e bronze. Era o nobre, aquele que chefiava os algozes de sua morada, montado novamente em seu alazão negro, grande como uma besta do inferno, e que agora bufava e guinchava a todo instante.
- Eis aqui um plebeu. – Disse fidalgo, erguendo o pobre Gisborne com apenas uma das mãos. – Se não há ouro, estamos aqui perdendo tempo, meu senhor sacerdote. – Foi ao encontro do velho Benedito, com as rédeas de sua montaria atadas à mão direita, e carregando o leve verdureiro com a canhota.
Gisborne recobrou os sentidos lentamente. Olhou ao redor e viu o clérigo, envergado pelo peso da vergonha. Ergueu o pescoço e contemplou desesperado todos os que conhecia feito prisioneiro. Passou a procurar pela mãe, mas não a encontrou em lugar nenhum. Tentou achar também seu patrão Wallet, mas os olhos ainda doíam muito, e ele não conseguia distinguir claramente os rostos na multidão.
Outra vez fora erguido, e dessa vez pode encarar a face viva de seu inquisidor. O nobre levantou a viseira completamente, pôs devagar a face no ouvido pontiagudo de Gisborne e cochichou baixinho. – Vá, fuja. - Escarniou. – Diga a todos que o alce esteve aqui. Espalhe esta notícia onde estiver, e será esse o pagamento por sua vida.
Dito isso deu uma estocada com o lado da espada na barriga do magricelas, que quebrou duas costelas e o fez estremecer. Os homens riram alto. Uma saraivada de xingamentos e zombarias se sucederam às gargalhadas.
- Matem todos! – Declarou o fidalgo, com o estandarte do alce erguido novamente em suas mãos. – Eles conspiram contra a coroa de Cedric e contra todo o reino. Matem todos! – Ordenou incólume.
Perdoe-me. Foi o que falou e pensou Wallet. Sentiu um golpe forte na nuca que o atingiu por trás, os sons morrendo, as cores sumindo. Passou a mão rugosa pela cabeça e a pintou de vermelho, caiu no chão, desfalecido. Ergueu os olhos mareados, Malde Raízes estava estirada na grama, perfurada por uma lança, Tom Caolho jazia morto, roxo como uma uva, Seu primo Bill afogava-se na própria poça de sangue, tapando com as mãos os buracos por onde as facas perfuraram.
Perdoe-me. Wallet Junior fechou os olhos. Fechou para não mais abrir.
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