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Fake News e O Senhor dos Anéis: Grima Língua de Cobra

Filho de Gálmód, Grima esteve a serviço do rei Théoden de Rohan, como conselheiro. Ele era conhecido como “Grima Língua-de-Cobra” (ou língua de verme), em referência ao fato de que ele sistematicamente mentiu e enganou, mesmo antes de sua descoberta como agente de Saruman.

Sua descrição física nos livros foi sempre pouco elogiosa: Tinha um rosto pálido e escuro, olhos pesados e caídos, mesmo Saruman não escondia seu desprezo e chamava Grima apenas de Verme.

Ele agiu em nome de seu mestre para enfraquecer o reinado de Théoden, a fim de facilitar a invasão de Rohan. Em “as Duas Torres”, a ação de Grima Língua de Cobra é descrita nos seguintes termos: “Ele foi esperto: entorpecendo a astúcia dos homens e alimentando seus medos, como melhor coubesse em cada ocasião.”

Essa é precisamente a lógica e o fundamento das Fake News, ou notícias falsas. O objetivo de tais notícias é falsear a realidade com base nos medos e aspirações das pessoas, sendo sempre um simulacro da realidade, baseando-se em uma aparência da realidade. Porém, como característica adicional, a falsificação tem um propósito. O que também se aplica aos eventos em que Grima atuou.

Uso sistemático da mentira e da manipulação

A importância do conceito de Fake News não tem a ver com o fato noticiado ou propagado e nem com a fabricação em si. Sua característica fundamental está relacionada com a existência de uma agenda ou objetivo oculto – ou pelo menos não explícito a ser alcançado.

Língua de Cobra

Pelo estado de debilidade física a que chegou Théoden, possivelmente Grima o tenha envenenado ao longo do tempo, ou o feitiço de Saruman tenha tirado o vigor do Rei dos Rohirrim, que até então era um guerreiro notável, mas o fato é que foi através de sua habilidade com as palavras que a persuasão de Grima exerceu controle sobre a política do reino.

Através da manipulação do julgamento e das decisões de Théoden, as ordens do Rei passaram a ser transmitidas através do conselheiro, apesar da resistência dos comandantes de Rohan. Cumprindo a agenda de Saruman, Grima tentou semear a discórdia entre a família real e jogar os comandantes uns contra os outros, sem sucesso. O príncipe Théodred e Éomer, sobrinho do Rei não se deixaram envolver pela trama palaciana, mas Théoden perdeu parte de sua confiança em Éomer.

Éowyn, sobrinha de Théoden era assediada por Grima, que usava o desespero e a solidão contra a jovem que era objeto de seu desejo.

No caso em questão, a manipulação de Grima servia não para os propósitos que pareciam óbvios, ou seja, conquistar poder para ele dentro da corte. Conquistar o poder para Grima era apenas um objetivo intermediário, visto que isso servia como uma ferramenta ou instrumento para os planos de Saruman.

O “Breviários dos Políticos” um livro atribuído incorretamente ao Cardeal Jules Mazarin[1], contém uma série de máximas com a pretensão de ensinar os truques da mentira e da manipulação àqueles que desejam o poder. Se fizermos um esforço para comparar as máximas selecionadas a seguir com a atuação de Grima, apesar de este ser uma personagem da ficção, fica evidente tanto a razão de seu sucesso temporário quanto o caminho que levou a sua queda.

“Mantém sempre presente estes cinco preceitos: simula, dissimula, não confies em ninguém, fala bem de todo mundo e reflete antes de agir”.

“Age em relação a teus amigos como se eles devessem tornar-se um dia teus inimigos”.

“Quando um homem é atingido por um grande desgosto, aproveita essa ocasião para adulá-lo e consolá-lo. É com frequência em tais circunstâncias que ele deixará transparecer seus pensamentos mais secretos e que mais bem oculta”.

“Deixa a outros a glória da fama. Interessa-te apenas pela realidade do poder”.

“Guarda sempre forças em reserva, a fim de que ninguém possa conhecer os limites de teu poder”.

“Desconfia de um homem que faz promessas fáceis. É geralmente um mentiroso e um pérfido”.


Grima usou muito bem algumas das recomendações acima. Simulou, dissimulou e não confiou em ninguém, mas falou mal e tramou abertamente contra todos. Ao invés de agir como se todos pudessem tornar-se um dia seus inimigos, ele tornou-se inimigo de todos. Ele soube tirar proveito dos desgostos de Théoden e manipulou agressivamente Éowyn, mas desejou o poder para si. E se soube muito bem guardar suas forças em reserva, ou seja, nunca revelou sua conexão com o mago Saruman, ele agiu acintosamente como um mentiroso e um pérfido, sem nem mesmo ter feito promessas fáceis.

No fim, foi desmascarado com a ajuda de um forasteiro. Durante uma visita de Gandalf, que buscava uma aliança com Rohan durante os eventos da Guerra do Anel, Grima o acusa de ser um “Corvo da Tempestade” trazendo “Maus Agouros” e que buscava ajuda ao invés de trazê-la. O mago revela-se como Gandalf o Branco e expõe a traição de Grima. Nas palavras de Gandalf:

"Os sábios só falam do que conhecem, Grima, filho de Gálmód. Você se transformou num verme estúpido. Portanto fique em silêncio, e mantenha sua língua bifurcada atrás dos dentes. Não passei pelo fogo e pela morte para trocar palavras distorcidas com um servidor até que caiam raios do céu."

Livre da influência de Saruman, Théoden deu a Grima a chance de acompanhar os Rohirrim em batalha e se redimir, mas ele fugiu para Isengard, morada de Saruman.

Ainda que sem a intervenção de Gandalf, os planos de Grima para tomar o controle de Edoras tinham pouca chance de sucesso. O caminho que ele pavimentou até chegar ao poder angariou a antipatia e o desprezo de todos a sua volta, e mesmo Éowyn, a mulher que ele não tão secretamente desejava, sentia asco e repulsa ante sua persona. Ele falhou em seguir três regras fundamentais apontadas por Jules Mazarin, para aqueles que manipulam:

  • O manipulador não pode ser visto como tal.
Obviamente a mentira não surte o mesmo efeito quando aquele que a profere é conhecido como mentiroso. Se ninguém acredita no mentiroso, ele perde a capacidade de manipular.​
  • O manipulador não pode se expor diretamente como a fonte da desgraça alheia.
Seguindo a lógica da dissimulação, Mazarin afirma que é preciso destruir os inimigos com um sorriso no rosto, para que eles jamais desconfiem de suas intenções.​

  • O manipulador deve desejar o poder, não fama e glória.
Segundo o mito grego, o ocupante do trono tem uma espada pendendo sobre sua cabeça. É mais seguro evita-lo.​

Grima ganhou o apelido de língua de cobra por ser conhecido amplamente como uma figura traiçoeira e indigna de confiança, tramou contra toda a corte de Théoden e permitiu que seu interesse no poder ficasse evidente. O único segredo que ficou na sombra até ser exposto por Gandalf, era sua ligação com Saruman.

Na política contemporânea, a conspiração das cortes não é mais suficiente para garantir o controle sobre o poder, já que a invenção dos meios de comunicação de massa tirou a exclusividade do convívio político dos palácios. Mesmo os regimes autoritários precisam se esforçar para controlar a narrativa política que chega inevitavelmente ao conhecimento da população.

Agora que a opinião pública é parte da equação política com muito mais impacto do que no passado, a mentira e a manipulação não ficam restritas ao teatro das sombras dentro da corte. O teatro permanece, mas agora ele é uma apresentação feita para o público.

Este é o cenário em que as Fake News proliferam. Uma mentira não pode mais ser contada apenas a um indivíduo em posição de poder, a manipulação exige que grupos inteiros sejam seduzidos pela adulteração da realidade.

Mesmo agora com o aspecto público da manipulação, as regras do manipulador devem se aplicar. A notícia falsa e os agentes que a encomendaram e operacionalizaram sua divulgação não podem ser vistos como manipuladores. Por isso ela sempre tenta se associar aos interesses, expectativas ou frustrações das pessoas. A Fake new nasce com um pé na realidade, ou pelo menos na crença generalizada que um determinado tipo de pessoas compartilha para poder usar isso como um manto de legitimidade. É por isso que a notícia em si é produzida por profissionais, mas sua disseminação é feita nas redes sociais pelos grupos e comunidades compostos por famílias e amigos próximos, ou seja pessoas “de confiança” que por terem suas crenças pessoais e opiniões refletidas na notícia fabricada, chancelam o conteúdo sem checar a veracidade dos fatos e sem questionar sua origem.

Consequentemente, os falseadores não podem também ser vistos como parte de um projeto deliberado para mascarar a realidade, portanto o objetivo da notícia também precisa ser mascarado, e a agenda oculta é sempre compreendida apenas pela via indireta.

Uma notícia falsa pode ser disseminada com uma mensagem ou conteúdo que aparentemente beneficia uma determinada pessoa ou grupo, mas seu objetivo primário permanece oculto e não relacionado diretamente ao beneficiário aparente. Exemplo: muitas das fake News que foram veiculadas durante a campanha para eleição presidencial nos EUA foram produzidas fora do país. Verdadeiras fazendas de notícias falsas baseadas no leste europeu, principalmente na Albânia inundaram o Facebook com notícias fantasiosas sobre os candidatos ao perceber que a ignorância em relação aos assuntos mais elementares por parte do público americano e o rancor despertado pela campanha entre os partidários dos Democratas e Republicanos levava a uma quantidade enorme de cliques em notícias inventadas que possuíam conteúdo negativo em relação aos candidatos.

A mobilização política tornou boa parte das famílias americanas suscetíveis aos exageros e agressões contra o candidato opositor. A eleição foi sequestrada por uma agenda profundamente negativa num contexto em que o a polarização política tornou o público uma presa fácil do sensacionalismo produzido artificialmente por profissionais para ganhar dinheiro com as propagandas veiculadas em sites de conteúdo duvidoso que obtinham imensa quantidade de visualizações, já que elas diziam aquilo que as pessoas queriam ouvir, e portanto passaram a ser consideradas mais confiáveis que a mídia tradicional simplesmente por usar o artifício do viés de confirmação.

Retornando a Rohan, quando o Rei Théoden cai sob influência de Saruman, ele ficou especialmente vulnerável à manipulação de Grima. Desse modo, podemos perceber que tanto na realidade quanto na ficção, o publico alvo da manipulação política e das Fake News tem uma predisposição para acatar a distorção como se esta fosse a realidade.

Autor

Rodrigo Alves Correia é Cientista Político, Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP FFC Câmpus de Marília, Professor Universitário e autor do site https://voc.link

Bibliografia

MAZARIN, Jules. Breviário dos Políticos, 3ª Edição. São Paulo. Editora 34, 2013.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. Tradução de Maria Clara Correa Castello. 3ª edição. São Paulo. Editora Perspectiva, 2004.

TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel. Tradução de Lenita Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisetta. 4ª tiragem. São Paulo. Editora Martins Fontes, 2002.

TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: As Duas Torres. Tradução de Lenita Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisetta. 4ª tiragem. São Paulo. Editora Martins Fontes, 2002.

TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei. Tradução de Lenita Maria Rímoli Esteves e Almiro Pisetta. 4ª tiragem. São Paulo. Editora Martins Fontes, 2002.

VALINOR. Grima. Disponível em: https://www.valinor.com.br/8370. Acesso em: 8 de jun. 2020.


[1] https://voc.link/breviario-dos-politicos-jules-mazarin/
 
Informação se combate com informação. Mentira se combate com a verdade.

Agora calar quem quer que seja é ditatorial.

Você não concorda com fulano? Combata seus argumentos com argumentos melhores.

Ou não o escute. O país é livre, podemos ouvir quem quisermos.

Agora calar o outro é ditadura. É dizer que só é permitido 1 pensamento. Só é permitido 1 partido. Isso é ditadura, isso obviamente não representa toda a pluralidade de idéias existente na população.

Comparar realidade com fantasia é muito frágil. O esquerdista vai colocar a direita na figura de Grima e vice-versa. Então não dá para fazer essa comparação, é o mesmo que comparar uma banana com uma caixa de som: são coisas absolutamente diferentes, não há qualquer ligação.

Essa história de fakenews é simplesmente uma desculpa de esquerdistas para calarem direitistas conservadores.

Nenhuma fakenews tem poder para mudar o resultado de uma eleição. As pessoas estão nas ruas, estão vivendo no país real, de verdade. Se estivessem satisfeitos com o mundo real da época votariam nos mesmos. Se votaram no diferente era porque a realidade não estava boa.

“A mentira tem perna curta”. Fakenews nenhuma tem mais poder de convencimento que a verdade, a realidade.

E se em eleições futuras a maior parte da população estiver descontente com a realidade, pode votar diferente de novo. Só vão reeleger o governo atual se estiverem contentes com a realidade atual. E não há fakenews que consiga fazer a maioria das pessoas se esquecerem da realidade que vivem dia-a-dias no decorrer dos anos.

Democracia é pluralidade de idéias. Chamar a opinião do outro de fakenews só porque o outro não concorda contigo e assim calá-lo... isso é ditadura.

Isso é abrir precedente para que no futuro alguém faça o mesmo contigo.
 
Repito a minha resposta a um comentário ao artigo na página principal:

"É sempre importante lembrar que Fakenews não pode ser definida como a situação em que a imprensa publica algo que contradiga minhas opiniões sobre um determinado assunto, nem quando ela publica coisas sobre determinados políticos que eu preferia que ela não publicasse."

Essa história de fakenews é simplesmente uma desculpa de esquerdistas para calarem direitistas conservadores.

Isso é uma generalização muito problemática. Quadrilhas organizadas e especializadas na disseminação de fakenews estão fartamente documentadas e caracterizadas pela polícia brasileira e internacional. Há quadrilhas de esquerda e de direita, e embora elas sejam muito mais comuns na direita, é um exagero atribuir às fakenews a característica de um fenômeno conservador, apenas.

Nenhuma fakenews tem poder para mudar o resultado de uma eleição. As pessoas estão nas ruas, estão vivendo no país real, de verdade. Se estivessem satisfeitos com o mundo real da época votariam nos mesmos. Se votaram no diferente era porque a realidade não estava boa.

Aqui são duas questões completamente distintas:
1) "Nenhuma fakenews tem poder para mudar o resultado de uma eleição." Isso é totalmente inverídico. A história antiga e recente mostra uma infinidade de casos em que a manipulação teve impacto relevante:


Recomendo especialmente esse documentário especial: https://especiais.correiobraziliense.net.br/fakenews/index2.html

2)"Se votaram no diferente era porque a realidade não estava boa." Isso é verdade. O problema é como foi construído o caminho que leva às alternativas escolhidas.

“A mentira tem perna curta”. Fakenews nenhuma tem mais poder de convencimento que a verdade, a realidade.
Não é bem assim. Nós vivemos num mundo em que contra todas as evidências concretas, muitas pessoas até hoje não acreditam que o homem pousou na lua, nem na teoria da evolução; muita gente recusa vacinar os filhos porque ouviram asneiras criminosas sobre as vacinas. As fakenews funcionam justamente pelo fato de que um número grande o suficiente de pessoas escolhe deliberadamente ignorar a realidade.

Democracia é pluralidade de idéias. Chamar a opinião do outro de fakenews só porque o outro não concorda contigo e assim calá-lo... isso é ditadura.
Esse é o aspecto mais danoso do contexto social em que as fakenews ganham tanta relevância: isso acontece quando a polarização se exacerba e começa a esgarçar o tecido social, elas potencializam isso, fomentando ódio e divisão.

Você fala em chamar a opinião dos outros de fakenews, mas claramente não é isso o que o meu artigo diz. Isso é fruto desse pensamento divisionista do "nós contra eles", esquerdismo vs direitismo. O Brasil precisa superar isso.

"O objetivo de tais notícias é falsear a realidade com base nos medos e aspirações das pessoas, sendo sempre um simulacro da realidade, baseando-se em uma aparência da realidade. Porém, como característica adicional, a falsificação tem um propósito."

Nessa breve descrição eu tento mostrar que elas são a falsificação de dados da realidade ou a criação de fatos que deliberadamente pretendem causar dano a outra pessoa ou grupo, com base num objetivo.

Opiniões divergentes não são fakenews. Falsificação de dados e propagação de mentiras são fakenews.

Isso não tem a ver necessariamente com direita e esquerda. Há grupos de esquerda que dispararam fakenews contra candidatos e políticos conservadores, há grupos conservadores que foram constituídos essencialmente fazendo o mesmo contra políticos e grupos progressistas, há grupos de direita que lançaram todo tipo de ataque contra desafetos da própria direita.
 

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