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Duelo de cadelas

Rodovalho

Usuário
estava na fila pra tirar a enésima via de minha carteira de identidade, aqui em imperatriz, maranhão. pra passar o tempo, resolvi escrever uma história, dessa vez uma curtinha. ainda estou sem dicionário em português, portanto, sem correção automática. revisão correção de erros ortográficos são bem vindos
 
Duelo de Cadelas

Natureza humana. Natureza canina. Um cão talvez não consiga contar uma história, mas essas duas cadelas podem render uma. Leoa e Vita. Uma pitbull doméstica e outra apenas uma viralata. Uma, dona de quintal, outra, dona da rua. E ao redor dessas protagonistas, uma família coadjuvante morando na casa dos fundos.

A casa cresceu com um muro alto construído no perímetro de dois lotes localizados no topo de uma colina, mais exatamente no subúrbio de Paragominas, uma cidade paraense que quase não tem paraenses, construída no meio de um buraco na floresta amazônica feito por inúmeras madereiras locais. Dentro do terreno ficava um barraco de madeira de dois cômodos utilizado pelos pedreiros na fase da construção, um motel clandestino onde os invasores iam saciar seus desejos na falta de grana durante o intervalo em que a o lote ficou abandonado, entre a construção do muro e da casinha de alvenaria nos fundos. A casa seria provisória, nossa fuga do aluguel enquanto a casa principal não terminasse de ser construído. No final das contas, a casa principal nunca foi construída e a família ficou morando na “meiágua”, que é apenas um eufemismo pra barraco de alvenaria, não muito maior que o barraco de madeira que também não foi destruído. A meiágua era constituída de uma suíte para os pais, uma sala-quarto para os filhos e a tv, e uma cozinha externa com churrasqueira, sombreada por um telhado mas sem paredes, que gozava de uma boa iluminação natural e boa disposição para invasões caninas. Na frente da meiágua foi plantado umas flores e uma grama, que cresceram selvagens, sem a mínima jardinagem, junto com um gigantesco pé de mamão que cresceu e cresceu até cair em cima do telhado da casa. O restante do terreno era um matagal que os preguiçosos filhos da Dr. Marta nunca tiveram coragem pra capinar. Ou seja, tinha muito mais espaço livre pros cães e pros carros do que pros habitantes humanos.

Leoa era o cão de guarda. Um cão de guarda que não sabia latir. No máximo uns sons roucos que não acordavam nem o gato. O gato se chamava Tigrito, um tomba litro que encontramos na rua quando filhote, com suas enormes orelhas de morcego. Ok, essa é uma crônica canina, e nossas cadelas nem se importavam com ele. Um desprezo mútuo. Leoa, como já foi dito, era uma pit-bull. Raça perigosa, produto de muitas gerações especialmente selecionadas para morder e não soltar. Genes da violência. Mas, Leoa, aquilo ali não fazia mal a ninguém. Aquela baixinha só conseguia dos humanos muita pena e náusea. Ela sofria de uma sarna incurável que praticamente fez cair metade dos seus pêlos. Ela dormia na porção mais estragada do barraco de madeira. Tentamos mudá-la de lugar pra ver se ela sarava mas não adiantava em nada. Ela sempre voltava pra aquele lugar pestilento. Como ela fedia! Uma criança que nos adorava. Sempre que chegávamos em casa ela nos cumprimentava com suas patas sujas da lama do terreno. Gritava muito com ela, até batia, pra ver se ela soltava minhas calças. Mas se eu chutava aquele couro grosso, sem dó, ela só rolava e ficava de barriga pra cima, esperando carinho. Masoquista. E se tinha dó dela, e fazia um carinho, ela mijava de prazer. Sim! Sem exceção! Toda vez que alguém fazia uma festa com ela, passasse a mão na sua cabeça que fosse, qualquer um, ela mijava até esvaziar a bexiga. Bizarríssimo. Ah! Mas ela também era fissurada em puxar o que estivesse em cima da mesa da cozinha, sem contar em deitar nas camas da sala e no sofá. Quando nós descubríamos ela em cima da cama, ela logo percebia, e, mijava. Ai… ela nunca aprendia, surra atrás de surra, sempre voltava, se esquecêssemos a porta da casa aberta e saíssemos. Apesar de termos que aguentar toda aquele fedor e desaforo, ela era a cadela favorita de meu irmão Artur, presente de meu pai. Meu irmão tinha um séria mania, um grave preconceito contra viralatas, apesar de Leoa ser mais miserável que qualquer cão de rua. Ele era fascinado por ela, ficava boas horas de todos os dias brincando juntos. Um corpo de homem, uma mente de criança… Odiava Vita com todas as forças, mas nunca a pôs pra rua porque Vita era protegida de minha mãe. Uma simples viralata.

Uma viralata louca, por sinal. Uma cadela magrela, bem magrela. A barriga era funda, quase tocando na coluna. Patas compridas, o dobro da altura de Leoa, mas muito mais frágil. Uma focinho comprido também, como de um cão farejador. Ela era branca de manchas pretas ocasionais. Um dálmata sem pintas. E uma apetite sexual digno de um cão. Que bicho de luxúria! Adorada pelos cães da cidade, quando entrava no cio, era um deus nos acuda. Geralmente, ela ficava presa em casa, mas quando chegava aquele bando de pulguentos do lado de fora… era um deus nos acuda! Ela ia pro portão e pulava, corria de um lado pro outro, latia desesperada e só sossegava quando alguém deixasse ela sair. E lá se vai Vita se satisfazer com aquela tropa toda. Mas se nós a prendíamos do lado de fora, ela ficava esperando paciente na calçada até que alguém chegasse e entrava pra casa mais fedida que nunca, com o cheiro de todos os cachorros da cidade, inclusive do lixo que eles reviravam. E como era de se esperar, depois de tantos cruzamentos, ela tinha que ficar prenha.

Vita ficou buchuda. Devia ter mais filhotes do que tripas. Aquelas tetas querendo roçar no chão. Uma fome de cão. Ficou caseira, ficou mimada, ficava em casa aos nossos cuidados. Até que um dia ela desapareceu… Onde será que ela foi parar? Com uma procura minuciosa, uns latidos de recém nascidos a denunciou. Foi parar dentro da churrasqueira. A churrasqueira raramente era usada. Era mais um depósito de tralha velha. No fundo havia uma grade, por onde deviam cair as cinzas do carvão. O espaço destinado às cinzas era minúsculo, não mais alto que uma caixa de sapatos deitada. E foi lá que ela resolveu parir. A abertura daquele compartimento era muito estreito. Mas Vita era gelatinosa como um rato passando debaixo de uma porta. Qual foi nossa surpresa e alegria! Resolvemos que aquela cinza toda deveria ser insalubre demais pra seres tão delicados, então deveríamos providenciar uma mudança. E Vita, agora uma mãe, não queria sair de lá de jeito nenhum, não importando o carinho de nossos chamados. Mas, uma vez cão, sempre cão. Nada que um pedaço de linguiça não resolvesse. Ela ficou entre as crias e a carne. A carne é mais forte, é a tentação da carne. Ela gania, dividinda entre o instinto maternal e a fome, não resolvia por um nem por outro, mas depois de algumas tentativas hesitantes foi fisgada como um peixe. Expulsamos os breves residentes da churrasqueira e os transferímos para uma confortável caixa de papelão forrada por tapetes velhos, deixada no chão do barraco de madeira. Como veremos a seguir, foi uma péssima idéia, péssima e fatal idéia.

Leoa era uma criança. Um filhote. Nunca ficou no cio. Era inocente até aquele cheiro novo despertar sua curiosidade infantil. Leoa e Vita sempre se deram bem, como duas senhoras idosas amigas de infância. Mas na verdade elas eram duas feras, duas lobas em pele de cordeiro. O instinto materno é mais forte que toda adversidade, até mesmo os falsos alarmes. O cão pode ser o mais dócil do mundo, mas nunca mexa com sua comida, muito menos com suas crias. A briga era certa. A vitória também, se justas fossem as condições. Leoa era pequena mas musculosa, com sua linhagem pitbull aflorando. Percebi o embate e peguei um pedaço de pau pra separá-las. Nenhuma dava sinais de desistir. Então bati na Leoa, e ela ignorava. Bati com muita força em seu lombo, mas com muita força mesmo, e a cadela que não sabia latir ganiu e fugiu mancando. Vita tinha o focinho todo ensanguentado, mas sobreviveria. Voltou para os seus filhotes, para lambê-los, para confortá-los, como se não tivesse acontecido nada. Ainda. Passado o susto, fui levar minha vida extra-doméstica, e deixei tudo como estava.

Voltei a tardinha, não encontrei Vita, mas encontrei Artur. Artur estava inquieto, nervoso. Não sabia mentir. Meu irmão não consegue sequer pensar sem falar em voz alta. Perguntei pela Vita. Vi os rastros de sangue no chão. Finalmente ele diz que ela morreu. Leoa a matou. Não, aquela estória estava mal contada. Meu irmão mais velho chegou, minha mãe chegou, e ele ficou encurralado, dava versões contraditórias do ocorrido. Até que confessou. Artur, para defender sua amada canina, furou a barriga de Vita com uma tesoura e se dispôs do cadáver num lote baldio. Artur ficou quieto, calmo, sem o menor sinal de remorso. Afinal, minha mãe disse que não iria castigá-lo. Ele disse que iria ao padre se confessar, e depois disso, não se via uma ruga de culpa sequer em sua face.

Não procurei pelos restos de Vita. Ela desapareceu por completo, sem paradeiro. Leoa não durou muito com a gente. Minha mãe a doou para uma fazenda, onde fiquei sabendo que ainda está viva, curada da sarna, feliz com seu pêlo novo. Mas Vita… Como se fosse ontem, aquela cadela fedorenta me seguindo pelas ruas, se recusando a me deixar só, não importando em ser ignorada por completo (tirando o cheiro irrestível e nauseabundo). Eu entrava num lugar fechado e a deixava lá fora, e ela me esperava. Ok, nem sempre me esperava. Ela devia ter afazeres mais importantes do que esperar marmanjos humanos. Doce Vita… A morte é inevitável, mas a crueldade de meu irmão ao trazê-la prematuramente a ela, deixando órfãos seus filhos, foi algo assustador e traumatizante. Nenhuma gota de remorso, como se estivesse cortando as próprias unhas. Uma crueldade inocente contra os animais que só uma criança é capaz. Como um gato brincando com a comida. Nada imperdoável. Melhor perdoar do que carregar o rancor. Só carrego a leve a saudade, a lembraça marcada por um fim trágico.
 
legal o teu texto, continue escrevendo. só duas dicas:

1. nas descrições dos cenários, por ser algo estático, sem ação, fica melhor usar o verbo no presente e não no passado. principalmente qdo a voz é a do narrador. aliás, tem frases q vc começa usando pretérito perfeito e depois passa pro presente do indicativo, oq as deixa com uma sonoridade estranha.

2. vc faz revisões nos seus textos? pergunto isso pq a revisão é a parte q me dá + prazer q a escrita em si. é onde transformamos textos desconexos, brutos em jóias literárias. tem mta gente q dá fórmulas para revisões: corte 10% de texto a cada uma, faça pelo menos 5 &tc. mas a minha é simples, toda vez q eu leio um texto meu, reviso. pode parecer exagero, mas a prática leva à perfeição, ñ? uma hora ou vc enjoa do texto ou ele de vc.
 
?

o texto foi praticamente todo escrito no pretérito imperfeito. raramente usei o presente, e quando o usei foi pra afirmar um ponto de vista, fora de qualquer outra construção no passado. e não é exatamente uma descrição de cenário, mas de memória. a intenção não é descrever algo dinâmico, ocorrido simultaneamente à leitura. descrever os acontecimentos no presente é bom pra narrativas cheias de ação. descrever no tempo passado é ótimo pra se dar a noção de algo que aconteceu e não tem como ser mudado, como recordações

geralmente, só reviso o texto uma vez, logo depois de ter terminado de escrever, mais a procura de erros do que para acrescentar ou retirar trechos. o problema da revisão por minha parte é que não consigo ler o que escrevo e me surpreender, naturalmente. para isso é necessária uma revisão externa. muitas vezes, algo que parece fazer sentido pra mim não o é pra um leitor simplesmente porque eu imaginei a história e todos os pormenores que ficaram fora dela enquanto o leitor só tem minhas palavras

quando se conversa, não se pode usar a tecla delete. quanto menos alterado um texto depois de finalizado, mais natural parece. escrever é uma forma de expressão e desvios de objetividade cria uma... subjetividade?

alguns criadores possuem o mal hábito de desgostarem de suas obras assim que a terminam
 
já havia percebido q a narração era memorialística. oq atentei foi justamente o fato do efeito q o texto causa ao se usar a voz do narrador presente usando verbos no pretérito ao invés de usar o flashback, onde o narrador volta ao passado como se o revivesse. um bom exemplo é o nome da rosa, do umberto eco. tá certo q são técnicas diferentes e válidas, e ñ discuto o valor de uma ou outra. só a q vc usou pode soar ambígua, por ex., nas descrições.

vc defendeu a sua forma de escrita, ok, e é diferente da minha, pois consigo me surpreender ñ só com as releituras de textos de outros (vai me dizer q vc tb já ñ leu um mesmo livro com outros olhos?), mas tb com os meus, e diria até q + ainda com os meus pq consigo interagir com o passado, alterar o texto, notar falhas q antes ñ notei e acrescentar coisas q ñ havia pensado. quem sabe aí ñ dê pra entrar um pormenor q havia deixado de fora mas q agora tornou-se essencial?

já q na vida real ñ dá pra alterar oq fizemos no passado, o gde deleite mora em justamente brincarmos de julio verne e alterar o universo q criamos, melhorando-o ou tornando-o pelo menos + interessante.
 
raramente releio algo. e quando o faço é depois de muito tempo, depois que já esqueci dos detalhes, depois que esqueço da minha própria opinião anterior. e uma leitura muito crítica, que é característica de uma revisão, não é algo prazeroso, e sim um trabalho árduo.

e se eu tenho um texto meu, lá, imperfeito, pedindo pra ser melhorado, prefiro utilizar de minha experiência de algo que deu errado pra escrever algo novo, ao invés de consertar uma coisa que mais adiante eu poderia mudar de idéia e me arrepender de ter feito.

o problema da falta de revisão é: lixo. prolixidade não reciclável
 

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