Pips
Old School.
[size=xx-small]por Pips[/size]
[align=justify]Ainda caminhava observando as estrelas pelas poças d’água daquelas calçadas e isso o deixa enjoado, “Você sabe de onde nascem as estrelas?”, ela lhe perguntou, na noite anterior, retoricamente para lançar em seguida uma resposta breve, e ele, “É, eu também acho”, emendou de maneira fria e vazia. Ela compreendeu que ele não queria conversar.
Quando se conheceram e quando as palavras reluziam um ar de paixão –de romance – entre os dois tudo aparentava uma eternidade imediata. Todavia, ela imaginava isso, enquanto ele aspirava sempre um ar de canalha e deprimido. Ela fazia o papel de cura para loucura. Ele se sentia enjoado e sozinho, nervoso e explosivo, mas ao vê-la seu coração descia pelo estomago transformando as náuseas em verdadeiro turbilhão de emoção, a raiva sumia, a agitação lhe tomava as mãos tremulas. Os olhares se trocavam e se tocavam. E ela, então, lhe concedia um beijo.
Fora casada quando o conheceu. Não sentia prazer ou amor com o marido. Ela julgava que as plantas sentiam mais prazer com abelhas estuprando seu pólen do que sendo enrabada pelo cônjuge.
Era um começo de tarde na praça central, no meio de um verão escaldante, a face dela brilhava com as gotículas de suor que escorriam e davam o gosto salgado que sentia na boca. Os bancos da praça estavam quase todos ocupados por casais pueris, senhoras com tricô e mendigos embrulhados em cobertores, mesmo em altas temperaturas, roubados ou doados por abrigos do governo. Ele estava ali sentado, num daqueles bancos, com o jornal cobrindo-lhe o rosto.
- Poderia me sentar, senhor? – ela perguntou em um tom baixo.
- Com toda certeza... – ele olhou por cima do jornal revelando não ser um senhor, tinha a mesma idade que ela, talvez, uns vinte e cinco e poucos anos. Ele a analisou dos pés a cabeça. Seu rosto de traços fortes, seu sorriso branco, seu nariz pontudo, seus olhos pequenos e amendoados, seus cabelos castanhos escuros e seus seios valorizados pela blusinha branca. Com certeza já imaginava que seus mamilos fossem rosados. – senhora. Ele abriu um sorriso-convite.
Ela soltou uma risada, “Desculpa”, e o analisou friamente. Era feio: dentes tortos, cabelos desgrenhados e seus dedos estavam encardidos por culpa do jornal. Seus olhos eram vazios, tremulavam levemente para cima, para o lado e para baixo e queriam dizer algo, mas em outro idioma ou como se enxergasse cores que não existiam. Os dois começaram a conversar. Ele parecia deveras interessante. Ela não queria ficar atrás e selecionava os assuntos mais clichês que conseguia, aqueles que qualquer ser humano ou platelminto tinha uma opinião formada.
- Dá-me frases de efeito. – replicou às frases dela. – Quero fazer uma coleção de bibelôs com elas e queimá-las como a Babilônia. – ele manteve um sorriso discreto que a tomou de assalto, de supetão, de repente viu uma beleza inconsumível e se deu conta que não deixaria aquela frase pomposa lhe calar.
- Quantas palavras! Se elas fizessem sentido eu alcançaria as estrelas!
Agora sim o interesse era mutuo, ela baixou a defesa que ainda restava para ele se aproximar. Ele, de maneira astuta, a convidou para ir ao cinema no começo da noite. Em outro dia a levou a biblioteca municipal. E no outro dia conversou sobre o livro que gostaria de escrever. Ela não revelou muito sobre seu casamento apenas o necessário sobre sua eterna vocação para engenheira naval.
Não demorou muito para estarem na mesma cama, numa noite nublada e chuvosa, fazendo o sexo que ela nunca teve e ele com a mulher que nunca teria. Ele citava a bíblia ao pé do seu ouvido. Fora seu orgasmo mais carnal, talvez pelo abalo do seu espírito católico. A profanação daquilo que acreditava há duas semanas. Com o adultério e o amor crescente, ela não se sentia mais apática ou perdida. Ela vislumbrou o céu pela janela naquela primeira noite, não conseguia compreender como agora tudo parecia ordenada e extraordinariamente ordinário a ponto de fazê-la chorar. Pela primeira vez, era feliz.
- Eu te amo... – ele falou “eu te amo” como prostitutas sentem orgasmos. Cada vez que a conhecia parecia perder o encanto e o magnetismo que o atraía. Muitas vezes colava a cabeça em seu ombro para não ter que olhar seu rosto perfeito. Revelou tal segredo em uma das cartas que escrevera a ela, pois odiava a impessoalidade de e-mails, apesar de ambos serem escritos, enviados e lidos, respondidos ou apagados.
- E você se acha muito bonito? – ela retrucou a carta em um encontro.
- Não sou feio – dizia ele passando a mão no rosto – você que está mal acostumada.
- O amor é cego.
- Amor não causa cegueira, é mais como correr com tesouras em um corredor. – ele replicava em crescente apatia.
- Eu odeio quando você fala essas coisas, te odeio por esse ar de superioridade. Odeio!
- Pra que esse teatro? “Eu te amo” – ele imitava a voz dela – “Eu te odeio”. É besteira discutir amor ou ódio. Sentimentos são como sonhos: devem vir sem sentido.
- Isso – ela apontava para ele e de volta para si - nunca fez sentido.
Ele a beijou nesse instante e ela perdeu os sentidos. Resolveu sair e caminhar pela rua ainda úmida da chuva que caíra como na primeira vez em que treparam.
- Escrevi uma carta de amor – ele falava consigo em pensamento, ou em telepatia com a Lua ou com as estrelas ou com quem passasse – entre as linhas era erótica. Senti arrepios a cada vírgula e a cada exclamação. Na hora de lamber o selo lembrei a primeira vez que te chupei. –caminhou mais algumas quadras, lembrou do seu pai, da sua mãe, sempre achara que era filho de um aborto, que seu pai com certeza não gozou ou sentiu prazer ao trepar com sua mãe. Fora mera apatia no acidente chamado coito. Por isso seus olhos eram vazios, julgava, não brilhavam, não tremiam e não choravam. Culpava a ela, Helena, por parecer tão viva. – Suas mãos cheiram café e sua boca tem gosto de pó.
Ao final da rua se deparou com uma pintura num muro; parecia uma xilogravura, um retrato, um redemoinho, pareciam sentimentos: confusos, mas lógicos. Ele ajoelhou e rezou. Proferiu algumas palavras, alguma depravação, alguma vontade errônea, uns pensamentos aleatórios e beijou a pintura. Voltou para o quarto. Helena dormia encolhida virada à parede. Ele a abraçou por trás, colocando o braço ao redor do pescoço e o apertando. O rosto dela, maculado pelas lágrimas, rompeu num vermelho prazeroso, abrindo um sorriso e voltando-se para seu agressor, “Eu te amo”, disse antes de adormecer.
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[align=justify]Ainda caminhava observando as estrelas pelas poças d’água daquelas calçadas e isso o deixa enjoado, “Você sabe de onde nascem as estrelas?”, ela lhe perguntou, na noite anterior, retoricamente para lançar em seguida uma resposta breve, e ele, “É, eu também acho”, emendou de maneira fria e vazia. Ela compreendeu que ele não queria conversar.
Quando se conheceram e quando as palavras reluziam um ar de paixão –de romance – entre os dois tudo aparentava uma eternidade imediata. Todavia, ela imaginava isso, enquanto ele aspirava sempre um ar de canalha e deprimido. Ela fazia o papel de cura para loucura. Ele se sentia enjoado e sozinho, nervoso e explosivo, mas ao vê-la seu coração descia pelo estomago transformando as náuseas em verdadeiro turbilhão de emoção, a raiva sumia, a agitação lhe tomava as mãos tremulas. Os olhares se trocavam e se tocavam. E ela, então, lhe concedia um beijo.
Fora casada quando o conheceu. Não sentia prazer ou amor com o marido. Ela julgava que as plantas sentiam mais prazer com abelhas estuprando seu pólen do que sendo enrabada pelo cônjuge.
Era um começo de tarde na praça central, no meio de um verão escaldante, a face dela brilhava com as gotículas de suor que escorriam e davam o gosto salgado que sentia na boca. Os bancos da praça estavam quase todos ocupados por casais pueris, senhoras com tricô e mendigos embrulhados em cobertores, mesmo em altas temperaturas, roubados ou doados por abrigos do governo. Ele estava ali sentado, num daqueles bancos, com o jornal cobrindo-lhe o rosto.
- Poderia me sentar, senhor? – ela perguntou em um tom baixo.
- Com toda certeza... – ele olhou por cima do jornal revelando não ser um senhor, tinha a mesma idade que ela, talvez, uns vinte e cinco e poucos anos. Ele a analisou dos pés a cabeça. Seu rosto de traços fortes, seu sorriso branco, seu nariz pontudo, seus olhos pequenos e amendoados, seus cabelos castanhos escuros e seus seios valorizados pela blusinha branca. Com certeza já imaginava que seus mamilos fossem rosados. – senhora. Ele abriu um sorriso-convite.
Ela soltou uma risada, “Desculpa”, e o analisou friamente. Era feio: dentes tortos, cabelos desgrenhados e seus dedos estavam encardidos por culpa do jornal. Seus olhos eram vazios, tremulavam levemente para cima, para o lado e para baixo e queriam dizer algo, mas em outro idioma ou como se enxergasse cores que não existiam. Os dois começaram a conversar. Ele parecia deveras interessante. Ela não queria ficar atrás e selecionava os assuntos mais clichês que conseguia, aqueles que qualquer ser humano ou platelminto tinha uma opinião formada.
- Dá-me frases de efeito. – replicou às frases dela. – Quero fazer uma coleção de bibelôs com elas e queimá-las como a Babilônia. – ele manteve um sorriso discreto que a tomou de assalto, de supetão, de repente viu uma beleza inconsumível e se deu conta que não deixaria aquela frase pomposa lhe calar.
- Quantas palavras! Se elas fizessem sentido eu alcançaria as estrelas!
Agora sim o interesse era mutuo, ela baixou a defesa que ainda restava para ele se aproximar. Ele, de maneira astuta, a convidou para ir ao cinema no começo da noite. Em outro dia a levou a biblioteca municipal. E no outro dia conversou sobre o livro que gostaria de escrever. Ela não revelou muito sobre seu casamento apenas o necessário sobre sua eterna vocação para engenheira naval.
Não demorou muito para estarem na mesma cama, numa noite nublada e chuvosa, fazendo o sexo que ela nunca teve e ele com a mulher que nunca teria. Ele citava a bíblia ao pé do seu ouvido. Fora seu orgasmo mais carnal, talvez pelo abalo do seu espírito católico. A profanação daquilo que acreditava há duas semanas. Com o adultério e o amor crescente, ela não se sentia mais apática ou perdida. Ela vislumbrou o céu pela janela naquela primeira noite, não conseguia compreender como agora tudo parecia ordenada e extraordinariamente ordinário a ponto de fazê-la chorar. Pela primeira vez, era feliz.
- Eu te amo... – ele falou “eu te amo” como prostitutas sentem orgasmos. Cada vez que a conhecia parecia perder o encanto e o magnetismo que o atraía. Muitas vezes colava a cabeça em seu ombro para não ter que olhar seu rosto perfeito. Revelou tal segredo em uma das cartas que escrevera a ela, pois odiava a impessoalidade de e-mails, apesar de ambos serem escritos, enviados e lidos, respondidos ou apagados.
- E você se acha muito bonito? – ela retrucou a carta em um encontro.
- Não sou feio – dizia ele passando a mão no rosto – você que está mal acostumada.
- O amor é cego.
- Amor não causa cegueira, é mais como correr com tesouras em um corredor. – ele replicava em crescente apatia.
- Eu odeio quando você fala essas coisas, te odeio por esse ar de superioridade. Odeio!
- Pra que esse teatro? “Eu te amo” – ele imitava a voz dela – “Eu te odeio”. É besteira discutir amor ou ódio. Sentimentos são como sonhos: devem vir sem sentido.
- Isso – ela apontava para ele e de volta para si - nunca fez sentido.
Ele a beijou nesse instante e ela perdeu os sentidos. Resolveu sair e caminhar pela rua ainda úmida da chuva que caíra como na primeira vez em que treparam.
- Escrevi uma carta de amor – ele falava consigo em pensamento, ou em telepatia com a Lua ou com as estrelas ou com quem passasse – entre as linhas era erótica. Senti arrepios a cada vírgula e a cada exclamação. Na hora de lamber o selo lembrei a primeira vez que te chupei. –caminhou mais algumas quadras, lembrou do seu pai, da sua mãe, sempre achara que era filho de um aborto, que seu pai com certeza não gozou ou sentiu prazer ao trepar com sua mãe. Fora mera apatia no acidente chamado coito. Por isso seus olhos eram vazios, julgava, não brilhavam, não tremiam e não choravam. Culpava a ela, Helena, por parecer tão viva. – Suas mãos cheiram café e sua boca tem gosto de pó.
Ao final da rua se deparou com uma pintura num muro; parecia uma xilogravura, um retrato, um redemoinho, pareciam sentimentos: confusos, mas lógicos. Ele ajoelhou e rezou. Proferiu algumas palavras, alguma depravação, alguma vontade errônea, uns pensamentos aleatórios e beijou a pintura. Voltou para o quarto. Helena dormia encolhida virada à parede. Ele a abraçou por trás, colocando o braço ao redor do pescoço e o apertando. O rosto dela, maculado pelas lágrimas, rompeu num vermelho prazeroso, abrindo um sorriso e voltando-se para seu agressor, “Eu te amo”, disse antes de adormecer.
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