Galford Strife
Jedi Master
SERÁ QUE ELE É?
Faz uns dois anos eu tinha um colega muito legal, um grande bróder. Vamos chamá-lo aqui de
Sir Bonitão. O cara era um alemão alto e atraía a mulherada com sua aparência, mas não se interessava pelas colegas e estagiárias que suspiravam por ele porque era super apaixonado por uma ex-namorada com a qual estava tentando voltar.
Uma colega em comum, uma moça liberal e adepta do budismo, que vamos chamar de Lady Budista, um dia me confessou que vivia especulando com as outras colegas sobre se Sir Bonitão era gay ou não. E não apenas pelo desinteresse pelas mulheres que se ofereciam, mas pelo fato de que Sir Bonitão era meio “estranho” – ele era idealista, meio romântico, gostava de poesia, música clássica e teatro e não sabia nada de futebol. Isso, segundo a colega, fazia dele alguém suspeito. Na hora, lembrei de uma ex-namorada que levei para assistir um show do Philip Glass e que me comentou antes do show começar que achava que música clássica era “coisa de veado”.
Naquela mesma semana eu estava saindo do trabalho com outro amigo, que vou chamar de Jack Alternativo. Era um sujeito de 40 anos, casado e com duas belas filhas. Ele fazia o estilo papai alternativo, gostava de usar gel no cabelo para ficar com um tipo de pseudo-moicano, costumava usar suspensório e calças coloridas. Na saída, sem querer encontramos o Sir Bonitão. Apresentei um ao outro e combinei de tomar uma ceva com o Sir Bonitão no final da tarde, para colocarmos o papo em dia.
No final da tarde, no bar com o Sir Bonitão, não sei porque a conversa tomou o rumo de falar sobre o Jack Alternativo, e daí o Sir Bonitão confessou que quando o apresentei ao Jack Alternativo ele suspeitou que o sujeito era gay por causa de sua aparência pouco convencional. Fiquei calado e nada disse ao Sir Bonitão sobre o fato de a Lady Budista achar que ele próprio era gay. E muito menos que o Jack Alternativo suspeitava que uma estagiária do trampo era gay porque a viu sentada um dia no chão do metrô, e isso “menina não fazia”.
Certo dia fiz uma festa aqui em casa e pedimos umas pizzas. Quando o motoboy tocou o interfone do apê, eu e um amigo, o Kid Garboso, sujeito ultra-liberal, deixamos nossas namoradas e fomos lá embaixo pegar as pizzas. Na volta, no elevador, Kid Garboso mencionou “o motoboy deve ter achado que somos um casal gay, sempre que dois caras descem para pegar tele-entrega de comida, o motoboy pensa que é um casal gay”. Isso nunca tinha passado pela cabeça, e não mencionei ao Kid Garboso que provavelmente o motoboy não estava nem aí e era ele, Kid Garboso, que andava noiado com o que os outros iriam pensar a respeito.
Dia desses uma leitora, a Fã Desconfiada me adicionou no Whatsapp e a primeira pergunta que fez era sobre se eu era gay. Respondi que não e perguntei o motivo, e ela me disse que era pelo fato de eu nunca mostrar fotos de namorada ou dar detalhes da minha vida pessoal nas redes sociais.
Eu poderia contar outras dezenas de histórias, como da amiga que me contou que foi no supermercado com outra pois por coincidência ambas queriam comprar coisas para si, mas a outra se recusou a que pegassem o mesmo carrinho na entrada, o que seria mais prático e ágil, pois “as outras pessoas pensariam que eram um casal de lésbicas” (?!?!). Vou ficar só com essas poucas histórias para resumir tudo na seguinte imagem:
O detalhe, o que importa, é que todos aí em cima, que tinham suspeitas meio paranóicas sobre se outros eram gays ou se eram vistos como gays, têm algo em comum: todos pensam em si como liberais em questões de costumes, e TODOS COLOCARAM UM ARCO-ÍRIS SOBRE A FOTO DE PERFIL do Facebook no dia em que a Suprema Corte americana determinou que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legítimo.
O saldo dessa história toda é que vivemos em uma sociedade silenciosamente paranoica sobre a sexualidade alheia, mas que esconde essa paranoia com uma máscara de progressismo. Colegas, amigos, vizinhos e mesmo estranhos, sejam alegadamente liberais ou conservadores, estão continuamente tentando descobrir se outras pessoas do seu convívio são ou não gays através de todo o tipo de detalhe babaca (roupa que usa, preferência musical, com quem pega uma pizza…).
E o resultado disso é sofrimento, um enorme sofrimento não para quem é gay, e um sofrimento ou ansiedade difusa que inconscientemente sentem todos aqueles que, supostamente heteros, estão submersos nessa contínua paranoia sobre o que eles próprios devem fazer ou deixar fazer para que os outros não desconfiem que eles próprios são gays, enquanto eles mesmos estão sempre reparando naquilo que os outros fazem para identificar quem seria ou não seria gay.
Que sociedade de merda essa.
E tudo isso culpa de tribos primitivas de pastores, há 3 mil anos atrás, cujas tradições anacronicamente adotamos até hoje.
Fonte
Antes de acharem que é algo preconceituoso, leiam o texto =D
Texto interessante, é algo para refletir, pois acho que só vamos evoluir mesmo, quando mudarmos essa mentalidade da sociedade.