Não, mas quando a história deixa claro (mas não muito, a Arte é sutil) que o personagem não será recompensado, ao meu ver, é onde a crítica funciona. Por exemplo: uma história onde um estuprador se dá bem porque as vítimas se apaixonaram por ele ou um pedófilo que realmente consegue convencer seu aliciado que aquilo é correto e é defendido até o fim por ele. Eu acho que colocar as coisas dessa forma, por mais que sejam possíveis, torna a coisa toda uma romantização banalizadora de um crime hediondo como estupro ou pedofilia. E não interessa que seja bem escrito, bem filmado, bem editado, bem cantado, o que seja.
O que você pede, então, é que a arte não seja arte.
Não é questão de beleza apenas, é questão de técnica e de não-generalização.
Como bem lembrou o Bruce, você pede a volta do código Hays dos filmes hollywoodianos entre os anos 40 e 60 onde o final sempre tem que ser moralista por mais que toda a narrativa anterior faça esse final ser completamente absurdo e caído do nada (deus ex machina). Cultura que nós absorvemos e se refletem nas nossas novelas diárias, como lembrou o Calib.
Ou o moralismo dos nossos avós que batiam em nossos pais por estarem ouvindo música de um cara chamado Ozzy que come morcegos vivos e canta sobre suicidio. Sendo que esses mesmos avós eram batidos por nossos bisavós por estarem "shaking" seus quadris ao som do imoral Elvis Presley.
Uma personagem agir da forma que você descreve é uma atitude da personagem em uma história. A sua subjetividade é que está elevando um fato isolado (uma personagem específica A se apaixonando por um personagem estuprador específico B) para uma generalização de que a história é sobre como estupro é legal e todos deveriam aderir. Ou Bentinho e Capitu são alegorias pra falar que ciume doentio ou traição são coisas legais?
Se é a sua subjetividade que está trazendo esses valores para a obra, você tem todo o direito de renegá-la, não lê-la/vê-la, etc. Mas outras pessoas com valores diferentes* dos seus vão extrair coisas diferentes da obra e você não tem direito de privá-los disso. Não tem direito de impor a sua subjetividade e a sua visão da obra como se fosse algo absoluto e inquestionável.
Isso é arte pra mim. A sua visão e a minha sobre uma obra são igualmente válidas, mesmo que sejam diametralmente opostas nas conclusões que chegamos.
* Acho que só talvez pra esclarecer o que quis dizer sobre "valores diferentes".
Enquanto você conclui que tal obra tem como objetivo dourar uma pílula sobre estupro, outra pessoa pode chegar na conclusão exatamente oposta de que a obra está se usando de uma narrativa de absurdo ou de sarcasmo para criticar a situação.
Não é estático/paralítico/amarrado o que se pode extrair de uma obra.