É porque os rótulos para posições políticas estão mais nebulosos que nunca. Isto sequer é uma questão de esquerda ou direita (no sentido clássico) mas de liberdade individual -- a possibilidade de uma pessoa mandar no próprio corpo. Justamente a razão para eu, um direitista liberal clássico/libertário moderado/etc. (eu disse que são confusos!), ser favorável à legalização do aborto.
É um tema de uma complexidade tão grande que é difícil ter uma única resposta. Eu sou liberal de direita, e sou Espírita. Portanto, tenho muito mais amarras morais neste quesito que a grande maioria das pessoas - afinal, eu acredito no karma, e na presença de um corpo somático naquele pequeno corpo físico. É fácil levantar bandeiras quando não sentimos na pele uma violência - digo por mim. Basta usar de empatia. Eu era totalmente contra o aborto. Mas quando parei pra pensar que, por exemplo, eu poderia sofrer uma violência sexual e engravidar. Meu livre arbítrio jamais concordaria em ter o filho de um ato de violência.
A gravidez quando amada, assistida e planejada, já é algo que violenta, em menor ou maior grau, o corpo da mulher. Há mudanças, dores, humores, hormônios. O parto é algo que violenta o corpo feminino. Até como a manifestação do amor entre duas pessoas, a gravidez é algo penoso. Agora, imagine passar por isso, 9 meses se lembrando de um ato vil e trágico? Cada um sabe o limite da própria dor. Mulheres corajosas merecem todo o respeito por levar uma gravidez de um estupro a termo - mas e as que não têm a mesma força? Aquelas cujo psicológico se encontra em frangalhos, incapazes de levar a si mesmas adiante? São muitos os casos. E é um ato de caridade ser compreensivo com alguém que foi tão duramente castigada pela vida e simplesmente não tem forças para seguir uma decisão idealizada pelo Estado, baseado em dogmas religiosos ou pela própria sociedade.
E há as próximas fases: e após nascer, o que será dessa criança? Será entregue ao abandono? Ao crime? Ao abuso de outros, à dureza da vida? Ou a mãe terá forças para criar, e olhar todos os dias no rosto de seu filho a lembrança do algoz? Essa criança será amada e respeitada?
São muitas as perguntas. O que o Estado deveria fazer é dar o mínimo de suporte à decisão da gestante, seja ela qual for, e não piorar ainda mais a situação.
Eu sou pró-vida, mas tenho empatia o suficiente para, como liberal, não tirar da mãe o poder de decisão.