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O único erro de O Senhor dos Anéis

O único erro de “O Senhor dos Anéis”.

Da Pérsia vêm as mais valorizados, caras e belas peças de tapeçaria; isto, quase todo mundo sabe. O que poucos sabem, porém, é que as tecelãs/artesãs persas nunca produzem o tapete perfeito (na estrita acepção do termo perfeição) e que os seus magníficos e quase legendários tapetes têm, todos e sem exceção, uma falha, um defeito (para quem quiser chamar assim).

E por quê agem assim as tão hábeis artistas? É simples: elas crêem que somente a Deus é permitido produzir a perfeição; por isto, elas, humildemente aceitando sua condição de humanas e submetendo-se a este postulado de sua crença teológica, sempre deixam um proposital defeito em suas criações.

E isto dá azo a uma ironia de nuances profundos: os tapetes persas, admirados por sua perfeição, não são perfeitos...

Em “O Senhor dos Anéis”, vemos uma obra esplendorosa, que beira a perfeição (segundo muitos, não só a toca como a envolve...). Contudo, mesmo o seu artífice, o de talento inalcançável - pelo menos por alguns séculos, creio... - J. Ronald Reuel Tolkien, admitia que a obra tinha um defeito (na verdade ele disse que eram dois; do segundo, eu falo ao final deste artigo). E qual era ele? Vejamo-lo, nas palavras do próprio mestre da literatura humana.

Vejamos o que Tolkien diz, sobre Gandalf:

“Não há nenhum oposto preciso aos Magos - uma tradução (talvez não satisfatória, mas ao longo distinguida de outros termos 'mágicos') do Quenya Élfico, Istari. A origem deles não foi conhecida a qualquer um senão a uns poucos (como Elrond e Galadriel) na Terceira Era. É dito que apareceram primeiro por volta do ano 1000 da Terceira Era, quando a sombra de Sauron começou a crescer novamente sob uma nova forma. Eles sempre pareceram velhos, mas ficaram mais velhos com os seus trabalhos, lentamente, e desapareceram com o fim dos Anéis. Eram considerados por serem os Emissários (nos termos deste conto do Oeste Distante além do Mar), e sua função própria, mantida por Gandalf, e pervertida por Saruman, era encorajar e instigar os poderes nativos dos Inimigos de Sauron. O oposto de Gandalf era, estritamente, Sauron, em uma parte das operações de Sauron; como Aragorn era em outra parte.” {retirado de “The Letters of J. R. R. Tolkien”; Carta 144; para Naomi Mitchison, datada de 25 de abril de 1954. A Sra. Mitchison tinha lido páginas-provas dos primeiros dois volumes da trilogia do Senhor dos Anéis, e escreveu a Tolkien com várias perguntas sobre o livro, perguntas que envolviam nomenclatura, geografia, fatos históricos e biográficos, e outros pequenos detalhes que apenas os leitores mais atentos iriam se dar ao trabalho de perceber.}

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“Em nenhuma parte o lugar ou a natureza dos ‘Magos’ [Wizards] é plenamente explicitada. Seu nome, relacionado com Wise [Sábio], é uma anglicização do seu nome élfico, e usa-se em toda a parte como algo totalmente distinto de Feiticeiro ou Mágico. Revela-se por fim que eles eram, como poderíamos dizer, o equivalente próximo, no modo destes contos, dos Anjos, Anjos guardiães. Seus poderes dirigem-se primariamente ao encorajamento dos inimigos do mal, para fazer com que usem sua própria inteligência e valor, para unir e suportar. Aparecem sempre como anciãos sábios, e apesar de (enviados pelos poderes do verdadeiro Ocidente) eles próprios sofrerem no mundo, sua idade e seus cabelos brancos só aumentam lentamente. Gandalf, cuja função especial é vigiar os assuntos humanos (dos homens e dos hobbits), perdura através de todas os contos.” {Carta 131, para Milton Waldman; escrita, provavelmente, em fins de 1951. Depois que a editora Allen & Unwin havia recusado publicar O Senhor dos Anéis juntamente com O Silmarillion, Tolkien esperava que Milton Waldman (da editora Collins) o fizesse (publicaria ambos os livros), sob a égide de sua empresa. Foi aparentemente por sugestão de Waldman que Tolkien escreveu esta carta, com a intenção de demonstrar que O Senhor dos Anéis e O Silmarillion eram interdependentes e indivisíveis.}

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E uma vez que, com Tolkien, está minimamente explicada a natureza da estirpe de Gandalf, vejamos o que o autor diz sobre o erro literário, em si mesmo:

“Quanto a Gandalf: certamente não é para juntar-me a P.H. para fazer qualquer crítica! Eu mesmo poderia ser muito mais destrutivo. Sempre há, suponho, defeitos em qualquer obra de arte em grande-escala, e especialmente naquelas de cunho literário, que se baseiam em um material anterior que é colocado para novos usos - como Homero, Beowulf, Virgílio, a tragédia grega ou mesmo shakespeareana! Em cuja classe, enquanto classe, e não enquanto competidor, O Senhor dos Anéis se encaixaria, já que se baseia apenas no primeiro rascunho do próprio autor! Penso que o modo como o retorno de Gandalf é apresentado é uma falha, e um outro crítico, tão sujeito à magia quanto você mesmo, curiosamente usou a mesma expressão: ‘trapaça’.” {Carta 156, para Robert Murray JS. 4 de novembro de 1954. Sandfield Road, 76 - Headington, Oxford}

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E Tolkien justifica (não que isso fosse necessário, assim como Michelângelo não precisava explicar o porquê de ter pintados os nus, no teto da capela...) o que ele mesmo chamou de “falha” (a transcrição é da mesma carta):

“Isto é em parte devido à sempre presente compulsão pela técnica de narrativa.

“Ele precisa retornar naquele ponto e tais explanações sobre sua sobrevivência, como são explicitamente colocadas, precisam ser feitas lá – mas a narrativa é urgente, e não deve ser atrasada por discussões elaboradas envolvendo todo o cenário ‘mitológico’.”

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A “técnica narrativa”... Gênios são perfeccionistas, muitas vezes e, talvez por isso sejam gênios. Tolkien sabia como escrever uma obra tão grande (e lembremos que, por ele mesmo, O Silmarillion e O Senhor dos Anéis teriam sido publicados em conjunto) e sabia que, para isto, a narrativa não podia ser de fluxo incerto, mas contínuo, buscando agilidade e precisão. Por isto ele “apressou as coisas” e apresentou a morte de Gandalf sem muitas explicações detidas. Vejamos o que ele diz mais:

“Está um pouco presa mesmo assim, embora eu tenha cortado severamente a descrição de Gandalf de si mesmo.” {mesma carta}

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E como Tolkien crê que deveria ter tratado a questão? Assim:

“Eu deveria talvez ter feito mais claras as notas posteriores do Vol. II (e Vol. III) que se referem a Gandalf ou são feitas por Gandalf, mas propositadamente mantive todas as alusões aos assuntos mais altos como meras sugestões, perceptíveis apenas pelos mais atentos, ou os mantive sob formas simbólicas inexplicadas. Assim também Deus e os deuses ‘angélicos’, os Senhores ou Poderes do Oeste, só aparecem em tais lugares como conversas de Gandalf com Frodo: ‘por trás disso havia algo mais acontecendo, além de qualquer desígnio dos criadores do Anel’, ou na oração númenoriana de Faramir ao jantar.” {idem}

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Mas, no fim, Tolkien declara que o erro em si não é tanto a maneira de narrar a morte e o retorno de Gandalf, mas sim a própria morte-e-retorno, como se a “coisa toda”, a queda em Moria, a luta contra o Balrog e, finalmente, a morte, não fosse tão séria assim:

“Gandalf realmente ‘morreu’, e foi transformado: isso, na verdade, me parece a única trapaça real: representar qualquer coisa que pode ser chamada ‘morte’ como algo que não faz diferença alguma. ‘Sou Gandalf, o Branco, que retornou da morte’. Ele deveria ter dito, preferencialmente, a Língua de Cobra: ‘Não passei pela morte (não ‘por fogo e lava’) para trocar palavras distorcidas com um servidor’. E assim por diante. Eu poderia dizer muito mais, mas seria apenas uma (talvez muito tediosa) elucidação das idéias ‘mitológicas’ em minha mente, não iria, temo, livrar-me do fato de que o retorno de Gandalf é, como apresentado neste livro, uma ‘falha’, e a única de que estava ciente e talvez eu não tenha me esforçado o suficiente para corrigir. Mas Gandalf não é, de certo, um ser humano (Homem ou Hobbit). Não há naturalmente termos modernos precisos para dizer o que ele era.” {Carta 156, para Robert Murray JS. 4 de novembro de 1954. Tolkien a escreveu do endereço Sandfield Road, 76 - Headington, Oxford}

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Diz um ditado nordestino que “somente a mãe pode bater em seu filho”. Pois bem: somente Tolkien pode mostrar um erro em sua obra...

E, como disse acima, aponto, para finalizar, o segundo erro de O Senhor dos Anéis: o livro é muito curto... E este erro também foi apresentado por Tolkien, na própria introdução da obra... Portanto, eu não estou “batendo no filho de ninguém”...


Fortaleza/CE, segunda-feira, 26 de dezembro de 2005, 15:55 hs.
J. Inácio de Freitas Filho.
 

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