Melkor- o inimigo da luz
Senhor de todas as coisas
[L][Melkor, o inimigo da luz] [Conrado] - Atualizado
Estou de volta =)
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Conrado sempre fora propício a grandes espasmos de reflexão, reflexão esta nunca comedida e sempre mantida com rédeas largas e folgadas, para que no vôo do pensamento a sua porção atemporal superasse o que havia nele de terreno, transcendesse a sua existência recheada da mais pífia pequenez e subisse!, porque era subindo que Conrado sentia-se crescer.
[Que se entenda aqui por pífia a adjetivação da ridícula humanidade presente no protagonista, todas as suas amarguras, invejas, egotismos e sentimentos tais quais muitos; e que fique claro que pequenez é a qualidade mais notória de Conrado e de todos os outros homens e mulheres também e será, durante boa parte da narrativa, a palavra chave de tudo que for dito, ainda que não se faça constantemente notável.]
Comecemos localizando-nos no espaço-e-tempo, o que não passa de uma grande bobagem, dado o fato de que toda a narrativa é uma conjectura acerca de um futuro que não cabe a nós, passageiros do grande navio flutuante que é o início do século XXI e o pertencer à geração pós-guerra fria, prever. Estamos (estaremos, correção, ou melhor, alguns de nós irão estar, o que se sabe é que Conrado está) no fim do Novo Século, o mundo todo transformado pelas maluquices que se inventou por todos os acolás.
Houveram as quatro primeiras revoluções industriais, quando se mudou a produção, a fonte de energia, a integração da população e a dimensão de toda a tecnologia (na passagem para a maquinofatura, no advento do petróleo, na revolução da telecomunicação e na nanotecnologia, respectivamente; ainda que eu queira evitar transformar a narrativa em uma aula de história do ensino médio). Tudo isso o leitor, sendo ele um leitor, já sabe; o que não se sabe é o que se refere à quinta e sexta revoluções.
A quinta revolução industrial não tardou muito, ela veio quando se esgotou o Petróleo e toda a conscientização ambiental - feita durante os saudosos dias do início do século - finalmente vingou, havendo a adoção do uso da energia do Tungstênio, obtido facilmente por um processo que a minha mente (presa às dificuldades intelectuais do meu século), apesar de conseguir vizualizar, não descreve.
Quanto à sexta, a que realmente nos importa, a coisa foi um pouco diferente. Estando as grandes potências petrolíferas falidas, pouco a pouco a conjuntura internacional foi amainando como se amaina o vento, alguma hora. Cessou o comércio de energia e as pressões externas sobre isso ou aquilo, e também cessaram os impasses acerca das bombas atômicas e projetos secretos de armas químicas, vinha galopando a pequenez de tudo aquilo frente à grandeza Wolfrâmica do Tungs! Ah, que bela é a perspectiva do século que vem! Ainda há muito o que se falar, mas confio na paciência alheia.
Voltando para o doce Conrado, saudoso Conrado! Sentado em seu sofá preto de couro, ele vê entrar seu pai amado, o rosto todo marcado pelas decepções e pelas patadas da vida, triste como se depenado, no olhar um brilho alucinado. Seus olhares se cruzam e ambos interrompem suas respirações, como se em entendimento recíproco. Conrado arrisca perguntar o que ele faz, tão cedo, no lar doce lar. Seu pai arqueia a sobrancelha, morde os lábios e se passa aquele segundo que sempre se demora mais que um segundo. E ele lhe diz: Filho, fui despedido.
Como Conrado não dissesse nada, seu pai sobe as escadas, derrotado, e fecha a porta de seu quarto com um gemido surdo. E a palavra retumba dentro dele, como se fosse a primeira vez que a ouvia. Despedido... De repente, ele se sente ofendido, porque se despediram de seu pai com um adeus muito da onça. Porque despedido, para ele, parece pior que demitido; é não se dar ao trabalho de demitir, despede-se!, pensou.
Jogou-se no sofá, abatido, imaginando-se despedido pela vida. Tudo que restava era uma indenização de tamanha pequenez, recomendações no seu curicullum vitae e o desejo de boa sorte em uma próxima experiência. Qual era a experiência após a vida? De quanto seria a sua indenização, proporcional ao tempo de vivido? Conrado não sabia, mas pouco a pouco despediu o seu próprio espírito e, enquanto adormecia, afastava-se dali, resoluto.
Subitamente, arregalou os olhos e perguntou-se: Porque me demitiriam da vida? Porque eu seria despedido?
O mundo está se modernizando, não há espaço para todos, lhe diriam. E há as máquinas, elas podem fazer o que você não faz tão bem assim. Você não tem estudo o suficiente, péssimo. Azar o seu que não tem bons antecedentes, que seu curso de inglês expirou há tanto! Adeus, o seu lugar é de outro.
E, no outro lado do mundo, ou talvez na rua de trás, outra pessoa nasceria e entraria em seu lugar. Por um salário menor? Quais as condições de trabalho? Ela também seria despedida, no final das contas? A morte é uma grande máquina que move o braço de um lado para o outro, acenando para os que partem, porque têm que partir. Ah, se partem! E os raios, que se partam! Conrado só conseguia pensar em seu pai, prostrado, no seu quarto...
A prostração como alegorização da resignação máxima, e...
Conrado levantou-se, esfregou os olhos e correu escada acima para o seu quarto. Trancou a porta, ligou o som, fez um striptease apressado e entrou embaixo do chuveiro, pensando na vida. Pensava na água que descia pelo ralo, pensava na sinopse do dia que estava apenas começando e pensava também na prostração talvez imaginária de seu pai.
Foi à escola, e na escola nada fez senão pensar em si mesmo e perscrutar o seu innerself em busca de um mote a se glosar, algo a se discorrer. Achou-o. Pensou na intemperalidade (a qualidade de ser suscetível a itemperísmos, defino-o) da sua própria vida e em como o fracasso do próximo se torna os seu próprio fracasso após uma curta sucessão de pensamentos.
Siga o raciocínio: seu pai, nascido pobre e dotado de determinação, conquista o mundo para lhe dar (e ao seu irmão!). Esse “seu pai”, que mais parece, para ele, uma extensão de si mesmo, é derrotado no jogo da vida e cai no chão, numa poça de lama. Conrado se sente como se fosse ele próprio ali, mas não porque seja sangue-do-seu-sangue quem sofre, mas porque parece que ele próprio cometeu a falha e... E, ainda falta clareza no raciocínio!
Deixe-me tentar mais uma vez, sim? Conrado associa a desaventura de seu pai consigo mesmo, acreditando que o fracasso dele seja um agravante do seu próprio. “Olha, aquele é o filho do nosso ex-operário. Nós o despedimos, não foi? Acene para ele, que tal?”. Ah, se as coisas fossem como deveriam ser!, ele pensou. Não que houvesse um jeito certo de se ser, mas...
Almoçou na rua e pegou o metrô até o outro lado da cidade, onde teria ensaio de teatro com o seu grupo amador. Encenariam a peça “Pequeno Grande Reino”, peça escrita em meados do século XXI, cujo enredo não foge muito ao que hoje em dia se vê: um rei visionário que planeja a conquista do reino vizinho e de todos os outros, sua rainha feiticeira (que, em algumas críticas de estudiosos renomados, aparece como a própria encarnação do diabo), sua filha (a princesa Custódia, linda ninfa cândida e virtuosa, à lá século passado) e o príncipe, que se vê envolvido na família e suas inúmeras tramas.
Conrado interpretava o príncipe, e estava radiante.
CENA 5
PRINCIPE Não gosto de tua mãe, Custódia.
CUSTÓDIA Sei que não. E confesso: ela te tem ascos!
PRINCIPE Não que eu não lhe tenha afeto, querida, mas veja bem. Já a vi a conversar com a copeira, em sussuros de imensa cumplicidade, e bem sabes que teu avô faleceu há não muito tempo.
CUSTÓDIA Pense muito no que estás dizendo! Pense, mesmo! É uma horrível acusação!
PRINCIPE Sei que é, bem sei. E espero que tu saibas dividir o que há entre nós e o que há entre mim e a tua família. Ah, beija-me, Custódia!
Os dois se beijam
FIM DO ATO 1
O diretor aproximou-se, dândi, e apertou a sua mão, satisfeito. Conrado enrusbeceu. E perguntou:
- Como me saí?
- Bem.
- Eu quero melhorar
- Não, está indo muito bem, realmente – o diretor lhe disse, e completou, após olhar nos seus olhos – Mas estude, heim?
- Sim, ok.
- Bom. Preciso ainda conversar com o Padre Cícero e com a copeira. Nos vemos no próximo ensaio, “pequeno príncipe”?
- Sim... Nos vemos... Próxima sexta feira?
- Sem falta.
Ele foi-se, mas Conrado continuou ali como se sua presença persistisse.
Pequeno príncipe...
Sorriu, contente com a alcunha. Pequeno príncipe... Era quase como se o seu papel, de não tanta importância para a peça e nenhum valor para a literatura mundial, tivesse sido embrulhado com um papel bonito. Sentia-se tão importante! A adjetivação do seu personagem, ainda que fosse pequeno, fora extremamente charmosa. Quem diria, ele, Conrado, um pequeno-príncipe!
Mas ninguém entenderia o que lhe deixava tão feliz. Não que ele se importasse.
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Continua...
Estou de volta =)
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Conrado sempre fora propício a grandes espasmos de reflexão, reflexão esta nunca comedida e sempre mantida com rédeas largas e folgadas, para que no vôo do pensamento a sua porção atemporal superasse o que havia nele de terreno, transcendesse a sua existência recheada da mais pífia pequenez e subisse!, porque era subindo que Conrado sentia-se crescer.
[Que se entenda aqui por pífia a adjetivação da ridícula humanidade presente no protagonista, todas as suas amarguras, invejas, egotismos e sentimentos tais quais muitos; e que fique claro que pequenez é a qualidade mais notória de Conrado e de todos os outros homens e mulheres também e será, durante boa parte da narrativa, a palavra chave de tudo que for dito, ainda que não se faça constantemente notável.]
Comecemos localizando-nos no espaço-e-tempo, o que não passa de uma grande bobagem, dado o fato de que toda a narrativa é uma conjectura acerca de um futuro que não cabe a nós, passageiros do grande navio flutuante que é o início do século XXI e o pertencer à geração pós-guerra fria, prever. Estamos (estaremos, correção, ou melhor, alguns de nós irão estar, o que se sabe é que Conrado está) no fim do Novo Século, o mundo todo transformado pelas maluquices que se inventou por todos os acolás.
Houveram as quatro primeiras revoluções industriais, quando se mudou a produção, a fonte de energia, a integração da população e a dimensão de toda a tecnologia (na passagem para a maquinofatura, no advento do petróleo, na revolução da telecomunicação e na nanotecnologia, respectivamente; ainda que eu queira evitar transformar a narrativa em uma aula de história do ensino médio). Tudo isso o leitor, sendo ele um leitor, já sabe; o que não se sabe é o que se refere à quinta e sexta revoluções.
A quinta revolução industrial não tardou muito, ela veio quando se esgotou o Petróleo e toda a conscientização ambiental - feita durante os saudosos dias do início do século - finalmente vingou, havendo a adoção do uso da energia do Tungstênio, obtido facilmente por um processo que a minha mente (presa às dificuldades intelectuais do meu século), apesar de conseguir vizualizar, não descreve.
Quanto à sexta, a que realmente nos importa, a coisa foi um pouco diferente. Estando as grandes potências petrolíferas falidas, pouco a pouco a conjuntura internacional foi amainando como se amaina o vento, alguma hora. Cessou o comércio de energia e as pressões externas sobre isso ou aquilo, e também cessaram os impasses acerca das bombas atômicas e projetos secretos de armas químicas, vinha galopando a pequenez de tudo aquilo frente à grandeza Wolfrâmica do Tungs! Ah, que bela é a perspectiva do século que vem! Ainda há muito o que se falar, mas confio na paciência alheia.
Voltando para o doce Conrado, saudoso Conrado! Sentado em seu sofá preto de couro, ele vê entrar seu pai amado, o rosto todo marcado pelas decepções e pelas patadas da vida, triste como se depenado, no olhar um brilho alucinado. Seus olhares se cruzam e ambos interrompem suas respirações, como se em entendimento recíproco. Conrado arrisca perguntar o que ele faz, tão cedo, no lar doce lar. Seu pai arqueia a sobrancelha, morde os lábios e se passa aquele segundo que sempre se demora mais que um segundo. E ele lhe diz: Filho, fui despedido.
Como Conrado não dissesse nada, seu pai sobe as escadas, derrotado, e fecha a porta de seu quarto com um gemido surdo. E a palavra retumba dentro dele, como se fosse a primeira vez que a ouvia. Despedido... De repente, ele se sente ofendido, porque se despediram de seu pai com um adeus muito da onça. Porque despedido, para ele, parece pior que demitido; é não se dar ao trabalho de demitir, despede-se!, pensou.
Jogou-se no sofá, abatido, imaginando-se despedido pela vida. Tudo que restava era uma indenização de tamanha pequenez, recomendações no seu curicullum vitae e o desejo de boa sorte em uma próxima experiência. Qual era a experiência após a vida? De quanto seria a sua indenização, proporcional ao tempo de vivido? Conrado não sabia, mas pouco a pouco despediu o seu próprio espírito e, enquanto adormecia, afastava-se dali, resoluto.
Subitamente, arregalou os olhos e perguntou-se: Porque me demitiriam da vida? Porque eu seria despedido?
O mundo está se modernizando, não há espaço para todos, lhe diriam. E há as máquinas, elas podem fazer o que você não faz tão bem assim. Você não tem estudo o suficiente, péssimo. Azar o seu que não tem bons antecedentes, que seu curso de inglês expirou há tanto! Adeus, o seu lugar é de outro.
E, no outro lado do mundo, ou talvez na rua de trás, outra pessoa nasceria e entraria em seu lugar. Por um salário menor? Quais as condições de trabalho? Ela também seria despedida, no final das contas? A morte é uma grande máquina que move o braço de um lado para o outro, acenando para os que partem, porque têm que partir. Ah, se partem! E os raios, que se partam! Conrado só conseguia pensar em seu pai, prostrado, no seu quarto...
A prostração como alegorização da resignação máxima, e...
Conrado levantou-se, esfregou os olhos e correu escada acima para o seu quarto. Trancou a porta, ligou o som, fez um striptease apressado e entrou embaixo do chuveiro, pensando na vida. Pensava na água que descia pelo ralo, pensava na sinopse do dia que estava apenas começando e pensava também na prostração talvez imaginária de seu pai.
Foi à escola, e na escola nada fez senão pensar em si mesmo e perscrutar o seu innerself em busca de um mote a se glosar, algo a se discorrer. Achou-o. Pensou na intemperalidade (a qualidade de ser suscetível a itemperísmos, defino-o) da sua própria vida e em como o fracasso do próximo se torna os seu próprio fracasso após uma curta sucessão de pensamentos.
Siga o raciocínio: seu pai, nascido pobre e dotado de determinação, conquista o mundo para lhe dar (e ao seu irmão!). Esse “seu pai”, que mais parece, para ele, uma extensão de si mesmo, é derrotado no jogo da vida e cai no chão, numa poça de lama. Conrado se sente como se fosse ele próprio ali, mas não porque seja sangue-do-seu-sangue quem sofre, mas porque parece que ele próprio cometeu a falha e... E, ainda falta clareza no raciocínio!
Deixe-me tentar mais uma vez, sim? Conrado associa a desaventura de seu pai consigo mesmo, acreditando que o fracasso dele seja um agravante do seu próprio. “Olha, aquele é o filho do nosso ex-operário. Nós o despedimos, não foi? Acene para ele, que tal?”. Ah, se as coisas fossem como deveriam ser!, ele pensou. Não que houvesse um jeito certo de se ser, mas...
Almoçou na rua e pegou o metrô até o outro lado da cidade, onde teria ensaio de teatro com o seu grupo amador. Encenariam a peça “Pequeno Grande Reino”, peça escrita em meados do século XXI, cujo enredo não foge muito ao que hoje em dia se vê: um rei visionário que planeja a conquista do reino vizinho e de todos os outros, sua rainha feiticeira (que, em algumas críticas de estudiosos renomados, aparece como a própria encarnação do diabo), sua filha (a princesa Custódia, linda ninfa cândida e virtuosa, à lá século passado) e o príncipe, que se vê envolvido na família e suas inúmeras tramas.
Conrado interpretava o príncipe, e estava radiante.
CENA 5
PRINCIPE Não gosto de tua mãe, Custódia.
CUSTÓDIA Sei que não. E confesso: ela te tem ascos!
PRINCIPE Não que eu não lhe tenha afeto, querida, mas veja bem. Já a vi a conversar com a copeira, em sussuros de imensa cumplicidade, e bem sabes que teu avô faleceu há não muito tempo.
CUSTÓDIA Pense muito no que estás dizendo! Pense, mesmo! É uma horrível acusação!
PRINCIPE Sei que é, bem sei. E espero que tu saibas dividir o que há entre nós e o que há entre mim e a tua família. Ah, beija-me, Custódia!
Os dois se beijam
FIM DO ATO 1
O diretor aproximou-se, dândi, e apertou a sua mão, satisfeito. Conrado enrusbeceu. E perguntou:
- Como me saí?
- Bem.
- Eu quero melhorar
- Não, está indo muito bem, realmente – o diretor lhe disse, e completou, após olhar nos seus olhos – Mas estude, heim?
- Sim, ok.
- Bom. Preciso ainda conversar com o Padre Cícero e com a copeira. Nos vemos no próximo ensaio, “pequeno príncipe”?
- Sim... Nos vemos... Próxima sexta feira?
- Sem falta.
Ele foi-se, mas Conrado continuou ali como se sua presença persistisse.
Pequeno príncipe...
Sorriu, contente com a alcunha. Pequeno príncipe... Era quase como se o seu papel, de não tanta importância para a peça e nenhum valor para a literatura mundial, tivesse sido embrulhado com um papel bonito. Sentia-se tão importante! A adjetivação do seu personagem, ainda que fosse pequeno, fora extremamente charmosa. Quem diria, ele, Conrado, um pequeno-príncipe!
Mas ninguém entenderia o que lhe deixava tão feliz. Não que ele se importasse.
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Continua...
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