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[L] [Lembas] A vampira Ruth

Lembas

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[Lembas] A vampira Ruth

Sem pretensoes literarias, so a historia da minha personagem de Vampire... mas faz tempo que eu nao posto nada aqui :mrgreen:

Ruth Rembrandt


Ruth segurava uma taça de champagne na mão, girando-a suavemente para prismar a luz em diferentes padrões contra o estofado de veludo da poltrona. Lindo, lindo... Podia fazer isso por horas, como uma feliz autista. Havia uma recepção sendo dada em sua casa; convidados conversando e intrigando pelos cômodos, enquanto o coral infantil fazia os últimos preparos para a apresentação. Um leve cheiro de sangue no ar, como sempre, e o pulsar de jovens e maduros corações.

"Alguém morrerá hoje" - pensou Ruth, com uma certa tristeza. A maturidade lhe tinha dado certos talentos, mas poucas vezes eles não se configuravam como tentadoras maldições. Pelo menos, sua intuição quebrara o encanto da taça, pois estivera absorta pelo cristal por uns bons cinco minutos, o que não condizia com seu papel de anfitriã.

Ruth olhou longamente os seus convidados para se certificar que todos estavam entretidos, a maior garantia do volume de suas doações. Entre eles havia uma hipocrisia generalizada. A ¿ONG Vozes do Destino¿ recebia doações generosas de todos os figurões dessa cidade pútrida em que São Paulo se transformara. Negociantes de armas, de drogas, de pessoas, reis da informática que tinham o controle absoluto das informações. Vampiros, magos... Ruth fitou um quadro no salão, Portinari retratando os retirantes miseráveis da seca em seu desespero sofrido. O nordestino é, antes de tudo, um paciente, disse Clarice Lispector. Assim ela se lembrava de sua terra, antes de ser tragada pelo buraco negro onde vivia. Quando ela não era luz, mas não conhecia as trevas...

Nascera, lembrava-se, em 1927, o último sopro de alento antes do furacão que varreu o mundo na ocasião do crash da bolsa nova-iorquina e o fim do liberalismo clássico. Washington Luis era o presidente do Brasil então, o último da política do café-com-leite, antes que Vargas tomasse o poder. Nessa época já, o setor que mais crescia no Brasil era o industrial, mas o governo continuava privilegiando o setor agrícola, e um dos beneficiários era, de fato, seu pai, o Cel. Afonso Pedrosa Rembrandt. Um homem voluntarioso decerto, que desafiara a sociedade de Palmeira dos Índios ao casar-se com sua mãe, uma caboclinha das roças. Gente de dinheiro a dela, o pai dono de incontáveis cabeças de gado. Talvez por isso Graciliano Ramos, o famoso escritor que à época morava lá, tivesse aceitado ser seu padrinho de batismo, sacralizando sua sina de artista. Ou melhor, arteira, como dizem os seus pares agora... Seus pares...

No entanto crescera blefadora. Jovem, rica, mimada, preparada pra se casar com o filho mais velho do coronel Lisérgio, grande amigo do seu pai. Bernardo, seu prometido, o jovem idealista que fora estudar direito em Salvador e que conquistara seu coração. Teria sido um casamento feliz, pros padrões de felicidade da época. Parecia muito com esse jovem que estava agora tendo uma conversa inflamada com o senador Vergueiro... podia sentir seu coração batendo rápido, o sangue subindo à sua cabeça, pulsando... Ruth deu alguns passos em sua direção, mas se conteve. Já se alimentara hoje, e não desejaria trazê-lo pra junto de si.

Bernardo também agora era parte de um passado distante, onírico. Seu pai, que os aproximara, dera um jeito de terminar a relação quando Lisérgio perdera tudo no fim do Estado Novo. Antes de esperar pelo mesmo fim, ele arrastara a família para São Paulo, onde Vargas re-eleito implementava um grande programa de industrialização. Seu pai se tona então um dos grandes industriais de São Paulo, fazendo amizade com os políticos de direita e investidores americanos. Era seu sangue (eternamente negado) judeu operando em suas veias. Ruth até não lamentara tanto a mudança e a separação. Como sua mãe morrera, seu pai não tinha mais pressa em casá-la e ela poderia se orientar com a moda de vanguarda da cidade mais pulsante do Brasil. Começou a freqüentar a alta sociedade, as festas, as vernissages, e dar recitais onde a sua voz encantava os Penteado, os Matarazzo. Juscelino Kubitscheck evoluía o Brasil 50 anos em 5. Viu surgir a Jovem Guarda e a Bossa Nova, no Rio, de onde a capital se deslocaria pra Brasilia. O Brasil estava eufórico com a vitória da seleção na Copa de 1958. Seus anos de maior frescor passaram, e à sua beleza foi somado o carisma de uma pessoa madura e experiente, e eternamente bon-vivant.

Mas é impressionante como a certeza sempre vem antes do estilhaçar, como diz Richard Bach. Era pouco provável que suas atividades não acabassem por chamar a atenção dos poderosos. Dos poderosos de verdade, da Camarilla. Ruth correu os olhos pelo saguão, onde alguns dos Membros dançavam embalados pelo solo de sax de um de seus lacaios. Na época havia uma Toreador em ascensão, Camila Fonseca. Ruth a conhecia da sociedade, da vida noturna, e sabia que era uma pessoa tão desejável quanto escandalosa. Por isso, ficou radiante quando Camila a convidara para um "sarau noturno seleto". Camila... Camila...Haviam de fato apenas duas pessoas em sua casa naquela noite. Camila, em um glorioso vestido Channel bordado com brilhantes, e um distinto senhor de terno risca-de-giz. O Príncipe, como viera a saber depois. Camila sentou-se do seu lado aquela noite no sofá, dando-lhe para beber um tinto Cabernet divino, com um sabor exótico. Sangue... a fina ironia de Camila, condicionando-a a beber de sua vitae antes mesmo do Abraço. Provavelmente nem ao menos esboçara reação quando Camila a mordera, e o desespero foi logo sufocado pelo êxtase. Camila fora delicada, nem ao menos a deixara experimentar a paz plena e vazia da morte. Tão logo perdera de vez a consciência sentira o gosto doído de seu sangue, e o frenesi da Sede. Essa Sede que não a deixaria nos cinco anos subseqüentes, enquanto vivia com Camila sob a proteção do Príncipe aprendendo o que significava ser um vampiro e viver junto aos humanos. O Príncipe a ensinara que dominar era cuidar e proteger, jamais matar. No começo fora difícil confrontar a Besta, Camila sempre ia junto, e sua existência lhe causara verdadeiro horror. Somente o amor de Camila era sua redenção, pois ela lhe mostrara que havia de se ter anjos entre os monstros. Parecia que o Príncipe alimentava essa visão por diversão, pois pouco a pouco o enxergava como o monstro atroz que era, manipulando os Membros em sua Jihad. Mas mesmo assim acreditava no seu papel. A Revolução de 64 fora a ruptura total com ele, que tomara o partido dos militares. Ruth conhecia o suficiente os ideais de direita por causa de seu pai, que também dera total apoio ao Golpe. Com o AI5 e a instituição da censura, também Camila, uma das fundadoras da Tropicália, lhe virara as costas, deixando o Príncipe desolado e apático. O Sabá que ele expulsara viu nisso a oportunidade de lhe dar o troco, e ele morreu numa noite tempestuosa de 1969, enquanto a televisão transmitia o homem pisando na lua. Camila assumiu o principado para evitar o caos que adviria, com o apoio da Primigênie, mesmo não sendo um dos vampiros mais próximos de Caim da sociedade vampírica.

Ruth então assumira sua missão, aquela que a consumiria nos próximos 15 anos. Ajudar artistas e intelectuais a manterem a resistência no Brasil, e a fugir quando a alternativa representasse morte. Conseguira internar seu pai num sanatório e tomar o controle do dinheiro para financiar suas atividades. Fora uma verdadeira Schindler de São Paulo nos anos 70-80. Camila lhe dava salva-guarda, mas tinha que manter as aparências diante dos generais, e pouco a pouco as duas foram perdendo a intimidade. Ruth mesmo teve que se esconder entre 78-85 na França, onde tomou contato com a Camarilla em sua forma antiqüíssima e percebeu o quão grave e fundo é o problema da Jihad.

A anistia a trouxe de volta, em uma nova identidade. Yara Rembrandt, a filha de Ruth, mais uma entre os desaparecidos do Regime Militar. A maior parte da sua fortuna se esvaíra, mas a sua experiência lhe ensinara como ganhar dinheiro nesse país. Cantando! Camila sumira sem deixar vestígios, o Príncipe agora era um Ventrue, mas ela evitou a Camarilla o mais que pôde desde a sua chegada. Seu nome se tornara um tanto mítico, e muitos crêem que ela seria muito mais antiga do que de fato e, ganhando um certo status de anciã não atuante. "Inclusive, alguns dos que dançam agora no salão"- pensou Ruth "Alguns que não tem mais do que 10, 20 anos nessa existência amaldiçoada... agora que a ditadura acabara, os verdadeiros necessitados desse país são os órfãos de ideologias e sonhos, aqueles que viram que a democracia é o pó que os ricos cheiram queimando a narina dos pobres... "

"Agora, também o Príncipe Ventrue se foi, apaixonado por uma mortal, em busca de sua própria superação da Besta. A minha benção a ele, mas eu não sei se terei estômago para assumir seu lugar e consertar o estrago. Os vampiros são tão irrelevantes se comparados a essas crianças sem futuro..."

- Senhora Ruth... digo, Yara - um de seus lacaios a desperta das recordações e dos devaneios - as crianças estão prontas. Todos aguardam seu discurso.
- Obrigada, Valério, acho que estou melancólica hoje, mas todos estão se divertindo?
- Certamente, Senhora.
- Então, é hora do show.

Às vezes, era útil ser vampiro. Forçar sobrenaturalmente a atenção de todo mundo ao menor de seus gestos, embebendo-os em deslumbramento. O silêncio era absoluto enquanto ela subia no pequeno parlatório. Encantamento em todos os olhares. As crianças estavam lindas essa noite. Tinha vontade de beijá-las todas, e provar um pouco do seu sangue infantil e inocente. Mas nunca, crianças nunca! Ela abriu os braços convidativamente, tirando proveito do fato de sua pele amorenada contrastar com o mármore do piso e das colunas...

- Boa noite, caríssimos. Tenho a honra de falar a alguns dos mais admiráveis co-habitantes dessa gloriosa cidade que é São Paulo. Humanos de verdade, que vieram prestigiar e conhecer um pouco do meu humilde trabalho aqui na ONG Vozes do Destino.... - eles já estavam ganhos.
 
Nossa, eu ia postar aqui outro dia. Mas acabei esquecendo por algum motivo... :think:

Eu sinceramente adorei a história. Está muito bem escrita, a ambientação do conto está muito bem feita, e o sentimento da personagem principal esta ótimo, assim como sua história e origem.

Só achei que a descrição do princípe e da crueldade dele foram meio vagas, além de notar uma quebra de continuação nesse paragráfo:

No começo fora difícil confrontar a Besta, Camila sempre ia junto,

Da forma que está, são praticamente duas orações distintas. Poderia colocar algo tipo "mesmo tendo Camila ao lado"

Além disso, vc se empolga e escreve paragráfos gigantes! Poderia separar as várias idéias em partes menores; mas, independente desse detalhe estético, eu gostei da forma que está. ^^
 

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