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Italo Calvino

Calvino é considerado um dos melhores escritores italianos (apesar de ter nascido em Cuba). Ele escreveu diversos livros magníficos, dentro os quais eu gosto de destacar "As Cidades Invisíveis", aquele em que, de acordo com o própio autor, ele conseguiu dizer mais coisas.

Seguem dois contos que eu gosto desse livro:

As cidades e o desejo

Naquela direção, após seis dias e sete noites, alcança-se Zobeide, cidade branca, bem exposta à luz, com ruas que giram em torno de si mesmas como um novelo. Eis o que se conta a respeito de sua fundação: homens de diferentes nações tiveram o mesmo sonho — viram uma mulher correr de noite numa cidade desconhecida, de costas, com longos cabelos e nua. Sonharam que a perseguiam. Corriam de um lado para o outro, mas ela os despistava. Após o sonho, partiram em busca daquela cidade; não a encontraram, mas encontraram uns aos outros; decidiram construir uma cidade como a do sonho. Na disposição das ruas, cada um refez o percurso de sua perseguição; no ponto em que havia perdido os traços da fugitiva, dispôs os espaços e a muralha diferentemente do que no sonho a fim de que desta vez ela não pudesse escapar.

A cidade era Zobeide, onde se instalaram na esperança de que uma noite a cena se repetisse. Nenhum deles, nem durante o sono nem acordados, reviu a mulher. As ruas da cidade eram aquelas que os levavam para o trabalho todas as manhãs, sem qualquer relação com a perseguição do sonho. Que, por sua vez, tinha sido esquecido havia muito tempo.

Chegaram novos homens de outros países, que haviam tido um sonho como o deles, e na cidade de Zobeide reconheciam algo das ruas do sonho, e mudavam de lugar pórticos e escadas para que o percurso ficasse mais parecido com o da mulher perseguida e para que no ponto em que ela desaparecera não lhe restasse escapatória.
Os recém-chegados não compreendiam o que atraía essas pessoas a Zobeide, uma cidade feia, uma armadilha.



As cidades e os olhos

Depois de marchar por sete dias através das matas, quem vai a Bauci não percebe que já chegou. As finas andas que se elevam do solo a grande distância uma da outra e que se perdem acima das nuvens sustentam a cidade. Sobe-se por escadas. Os habitantes raramente são vistos em terra: têm todo o necessário lá em cima e preferem não descer. Nenhuma parte da cidade toca o solo exceto as longas pernas de flamingo nas quais ela se apóia, e, nos dias luminosos, uma sombra diáfana e angulosa que se reflete na folhagem.

Há três hipóteses a respeito dos habitantes de Bauci: que odeiam a terra; que a respeitam a ponto de evitar qualquer contato; que a amam da forma que era antes de existirem e com binóculos e telescópios apontados para baixo não se cansam de examiná-la, folha por folha, pedra por pedra, formiga por formiga, contemplando fascinados a própria ausência.
 
As duas cidades que eu mais gosto são Zobeide (que vc citou) e Raíssa... Quando li, decidi que eu ia procurar Raíssa e me mudar pra lá! :)

Esse livro é muito, mas muito bacana! Ganhei de uma amiga e me surpreendi!

Melhor que as cidades são os diálogos do Grande Khan e o viajante Marco Polo!
 
Um delicioso de ler, As Cidades Invisíveis.
Terminei ele e estou relendo.
Sinto falta quando vou dormir sem ter lido uma cidade.
Recomendo esse livro pra todos. Impossível não se perder nos relatos do Marco Polo e se transportar para as incríveis cidades do império de Khan. Perfeito!
 
O barão nas árvores, do Italo, tem uma resenha convidativa. Vou deixar aqui o link e uma mostra para quem quer conhece-lo melhor.
Desta vez, o livro conta a história de Cosme Chuvasco de Rondó, filho de barão, que, desde pequeno, revolucionário, desobediente e irreverente, decide escapulir-se deste mundo de leis e obrigações e partir para um mundo livre e independente - em cima das árvores.

Quem conta a história é seu irmão, Biágio, que assistiu a (ou ouviu falar de) todas essas estripulias e revoluções do irmão mais velho, Cosme, que se tornou “um solitário que não fugia das pessoas” e assumiu capacidades MacGyverísticas impressionantes e um gosto pela leitura e pela instrução que geraram a aprovação de Diderot, a curiosidade de Voltaire e o menosprezo de Rousseau. Fonte: Mosaico
 
Revivendo o tópico!

Eu to super interessada em ler As Cidades Invisíveis. :) Pelo que entendi, tem a ver com Marco Polo, mas qual a diferença entre ler esse livro e ler As Viagens de Marco Polo?
 

Italo Calvino: em centenário, autor passa no 'teste de clássicos' que ele mesmo criou​

Com muito a dizer e ainda relido, escritor italiano tem cem anos de nascimento celebrados com reedições, audiolivros e publicação de obras até então inéditas no Brasil

Por Ruan de Sousa Gabriel — São Paulo
14/10/2023 03h31 Atualizado há um dia

Numa conversa com estudantes em maio de 1983, o escritor Italo Calvino (1923-1985) ouviu a seguinte pergunta: “Você tem uma arma secreta para alcançar o sucesso?”. A pergunta fazia sentido. O italiano era [celebrado] em todo o planeta por joias literárias como “Cidades invisíveis” e “Se um viajante numa noite de inverno”. “Não é questão de sucesso”, respondeu o escritor, que completaria cem anos neste dia 15 de outubro. “Penso sempre em escrever algo que tenha um significado e que se insira naquilo que é o desenvolvimento da literatura moderna”, disse. Conhecido pela modéstia, talvez ele não tivesse (ou revelasse) o segredo do sucesso, mas sem dúvida contribuiu um bocado para o desenvolvimento da literatura moderna.

Calvino é um clássico, de acordo com as definições que ele próprio apresentou no ensaio “Por que ler os clássicos” (1981). Deixou ali duas máximas inquestionáveis: “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer” e “Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: ‘Estou relendo...’”. Calvino, ele mesmo, certamente ainda tem muito a dizer — e ser relido.

E nada como um centenário para incentivar a releitura de um autor. Nessas efemérides, reedições costumam se multiplicar pelas livrarias. A Companhia das Letras, que edita a obra completa do italiano no país, já lançou três: “Todas as cosmicômicas”, “Se um viajante numa noite de inverno” e “Por que ler os clássicos”. E promete mais uma para 2024: a trilogia “Os nossos antepassados” (formada pelos romances “O visconde partido ao meio”, “O barão nas árvores” e “O cavaleiro inexistente”).

O fã Antônio Fagundes​


Amanhã, saem dois audiolivros: “As cidades invisíveis” e “Se um viajante...”, narrados respectivamente por Dan Stulbach e Antônio Fagundes (que é leitor de Calvino desde o início da publicação do autor no Brasil, na década de 1980).

— Conheci Calvino através da trilogia “Os nossos antepassados”. Mesmo que ele não tivesse escrito mais nada, para mim, já seria um clássico — afirma Fagundes. — É como ele mesmo disse: “Ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos”.

Mas não é só com reedições que se comemora o centenário de um clássico. Quatro títulos do italiano até agora inéditos no Brasil acabam de ser publicados: “Nasci na América...”, reunião de 101 entrevistas do autor (que nasceu em Santiago de Las Vegas, em Cuba, e viveu na Itália a partir dos 2 anos); “Um otimista na América” (relatos de sua temporada nos Estados Unidos, entre 1959 e 1960, quando se apaixonou por Nova York, ouviu discursos de Martin Luther King Jr. e não viu graça nenhuma nos beatniks); e duas antologias de contos: “Por último vem o corvo” (1949) e “A entrada na guerra” (1954). Ambas recuperam a experiência do autor durante a Segunda Guerra Mundial, quando se engajou na Resistência italiana e, depois, no Partido Comunista.

Autobiográficas, as histórias de “A entrada na guerra” expressam uma crítica moral ao fascismo. Calvino denuncia o desprezo dos patriotas pelos refugiados, a infantilidade de Mussolini e a vulgaridade de seus seguidores.

Professor da USP e tradutor do italiano, Maurício Santana Dias explica que esses contos memorialísticos pertencem à primeira fase de autor, mais realista, antes que ele abraçasse o experimentalismo que resultou em obras-primas como “Se um viajante...”, romance que é protagonizado por um “Leitor” à procura de um livro que tem dez começos diferentes, um de cada gênero literário. As narrativas da juventude, diz o especialista, já davam indícios dos mundos fabulosos que ele seria capaz de criar.

— No conto “Por último vem o corvo” aparece um jovenzinho com uma pontaria absurda. A atmosfera não chega a ser fantástica, mas há um estranhamento, um tom lúdico — afirma o professor, que traduziu e organizou uma seleta de cartas do italiano, a ser publicada no ano que vem. — Há uma motivação política por trás dessa primeira ficção, que é mostrar a miséria do fascismo. Mas Calvino escolhe narrar da perspectiva de jovens, de adolescentes, o que permite um distanciamento crítico e uma ironia muito autoconsciente, que não atrapalham a fruição do leitor.

Na USP, Dias oferece uma disciplina intitulada “Italo Calvino e outros narradores do século XX”, bastante procurada pelos alunos.

Clareza e erudição​


O italiano também está entre os preferidos de escritores brasileiros contemporâneos. O professor Uzzi-Tuzzi, personagem de “Se um viajante...”, por exemplo, faz até uma ponta no romance “O vilarejo”, de Raphael Montes. Autora de “A verdadeira história do alfabeto”, Noemi Jaffe tampouco esconde a influência de Calvino. Ela descobriu o escritor nos anos 1980, quando topou com a trilogia “Os nossos antepassados” (elogiada com fervor por todos ouvidos para esta reportagem). “O visconde partido ao meio” é sobre um aristocrata que é metade bom e metade ruim (e inteiramente insuportável). Em “O barão nas árvores”, um outro aristocrata escolhe observar a vida longe do chão, da copa de carvalhos, olmos e oliveiras. E “O cavaleiro inexistente” é protagonizado por uma armadura vazia (sem ninguém dentro), que, não obstante, comporta-se como soldado exemplar.

— Você lê “O cavaleiro inexistente” e morre de rir. É uma alegoria daquelas pessoas que não têm existência própria, mas vivem para a obediência e a submissão. Em outro livro que eu adoro, “O dia de um escrutinador”, sobre um militante comunista que fiscaliza uma eleição, fica evidente o quanto Calvino combatia a obediência cega, que caracterizou o regime de Mussolini — diz Noemi. — Ele é um clássico por definição, capaz de fazer uma combinação muito rara de clareza e erudição e de levantar questões políticas recorrendo ao absurdo e à imaginação, como se escrevesse contos de fadas.

O escritor Ricardo Lísias, que vem relendo Calvino e compartilhando suas impressões nas redes sociais, descreve o italiano como um “clássico incontornável”. Ele lembra que as “Seis propostas para o próximo milênio” (leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência), anunciadas pelo autor em 1984, continuam na ordem no dia. E destaca a habilidade do italiano de conjugar lucidez e humor.

— Calvino tem textos muito engraçados, mas é um humor ácido. Você lê e pensa: “como eu posso estar rindo disso?”. Causa um certo embaraço, que leva à reflexão. Às vezes, o humor muito ácido pode despolitizar, mas isso não acontece em Calvino. Ele faz graça com profundidade — diz o autor de “Divórcio”. — Por exemplo: “Marcovaldo” é um romance sobre um operário que só tem olhos para a natureza. Ele é um sujeito completamente avoado, mas agora, com ondas históricas de calor no inverno, parece que ele tinha razão.

Natureza e civilização​


Certa vez o italiano escreveu que um clássico “tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo”.

Autora de “Cara paz” (Nós, 2023), a italiana Lisa Ginzburg acredita que Calvino seria o melhor candidato para dar tratamento literário ao “barulho de fundo” mais ensurdecedor de nossos dias: a “angústia” causada pelas mudanças climáticas. Textos de juventude, como “A formiga argentina” e os contos de “Por último vem o corvo”, mostram um autor consciente do “poder absoluto” da natureza, diz ela.

Calvino era filho de um agrônomo e de uma botânica e chegou a iniciar o curso de agronomia. “A salvação da natureza é uma questão da civilização”, afirmou em uma entrevista.

Lisa gosta sobretudo das primeiras obras de Calvino, escritas sob o impacto da guerra, nas quais irrompe o lado mais “emocional” do autor, que depois passou a escrever de “cabeça fria” e desenvolveu uma “capacidade quase geométrica” de fabulação literária.

Ela o chama de “o mais lúcido” dos escritores italianos. E fala com propriedade, pois nasceu em uma família conhecida pela lucidez: é filha do historiador Carlo Ginzburg e neta da romancista Natalia Ginzburg, que trabalhou com Calvino na editora Einaudi. Ainda menina, ela o encontrou algumas vezes na casa da avó.

— Calvino era muito tímido. Mas as crianças amam pessoas tímidas — recorda ela, hoje com 56 anos. — Era muito agradável e íntegro. Nunca quis o sucesso fácil. Tenho a impressão de que escolhia muito bem o que amava.
 

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