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Paganus
Visitante
I
O amor devia ser como aqueles raios de sol, onde se misturavam evacuações de prazer com a secura absurdamente quente do asfalto curtido pelos mesmos pés. Os mesmos pés. Os mesmos pés e as mesmas mãos que se encontravam em becos escuros à noite, onde as mesmas cinturas encontravam as mesmas mãos, os mesmos sonhos com os mesmos delírios, as mesmas bebedeiras com as mesmas ilusões.
Os amores que passaram pela sua vida passaram sem deixar marcas mais profundas que o gosto amargo da sarjeta, da bílis derramada sobre copos caídos de uísque e cachaça, ocasionalmente coquetéis baratos consumidos em resorts escuros, em vielas suspeitas, com insuspeitas putas. Desgastava-se com uma vida sem sentimento, sem sensibilidade, seja ao afeto, seja a todo contato mais profundo que o ardor em sua virilha, quando atacava virilhas alheias. Era alheio ao prazer alheio. Tudo alheio lhe era alheio.
Sentia sim a vida escorrer pela sua pele, que se esticava, se dobrava e enrugava, sentia o sol esquentar suas costas, fazer rachar em vertigens loucas os únicos momentos em que se sentia vivo, quando cavalgava, montava em traseiros gordos e maltratados, suculentos, deliciosamente absorventes. Tinha medo do escuro e das poluções noturnas dos catecismos, e tinha medo da Igreja, e de Deus e Seus santos. O medo lhe era consubstancial, não podia viver sem ele e não haveria mais que uma sobrevida sob sua égide.
As noites se arrastavam por pés pretos, por vestidos amarrotados, por estrelas candenciais e amarrotadas, por abismos escuros e azulados de sonhos torcidos, vida gasta e dolorida lá embaixo.
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II
Eu canto o sexo das noites turvas, o desespero das noites claras, o terror da sofreguidão sóbria, a morte da loucura. Canto a insânia dos teus cabelos quando te derramas sob eles, entre mim e Deus. Tens medo da minha virilidade, temes mais tua fome, tens um destino que temes, temes, tremes sob minhas espáduas, tremes sob mim, sob meu sexo.
A medida da minha responsabilidade é o encontro dos dois prazeres, medida dada antes da noite eterna, antes do tempo, no nosso primeiro olhar.
Beijei os sons dos teus pés ao me lembrar da tua distância etérea.
Concretos são a minha falta e a minha saudade, pungentes e concretos, verdadeiros na materialidade da ausência.
Sinto por teus olhos uma fúria imensa, uma fome de luz que cega meus instintos, me desfalece na sombra da impotência diante de ti, desfaço-me na iminência de te possuir. Creio que me tens, me possuis, na ausência, na saudade, assim como creio que a noite te é deusa e mestra.
A verdade é que essa noite opressora me pesa sobre a cabeça e sobre o coração, os argumentos do coração e os sentimentos racionais se confundem, se mesclam em uma poesia cerebral, em um tratado poético, no sexo dessa relação se estabelece um pecado indizível. Entorpece-me essa noite.
Entorpece-te a razão e o coração a noite da minha gruta doce e terrível, o abismo que amas odiando.