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Yasunari Kawabata

Sputnik

Usuário
Parece que a literatura japonesa tem encontrado muitos adeptos no Brasil em anos recentes. O que é muito bom, tendo em vista o território fértil pras letras que é o Japão contemporâneo. Acabamos indo além do Murakami.

O Kawabata foi o primeiro japonês a ganhar o Nobel de Literatura, em 1968. Era amigo de Yukio Mishima e, como ele, pôs termo à própria vida em 1972.

No Brasil a Estação Liberdade tem feito um bom trabalho traduzindo suas obras pro português. Segue a lista de livros publicados pelo autor:

- A dançarina de Izu (1926)
- A gangue vermelha de Asakusa (1930 - sem tradução)
- O país das neves (1935-1937)
- O mestre do Go (1951-1954)
- Mil tsurus ou Nuvem de pássaros brancos (1949-1952 - Chá e amor em Portugal)
- O som da montanha (1949-1954)
- O lago (1954)
- A casa das belas adormecidas (1961)
- Kyoto (1962)
- Beleza e tristeza (1964)
- Contos da palma da mão (1972)

Tiver a oportunidade de ler três obras: Beleza e tristeza, A casa das belas adormecidas e O país das neves. Todas obras extremamente melancólicas e sensíveis, como costuma ser a arte do Japão, como também é visto com frequência em seu cinema contemporâneo. Mas nada me prepararia pro que é ler O país das neves, obra que levou 14 anos pra ser concluída (e isso é perceptível enquanto se lê).

Baseado numa experiência real do próprio autor, o livro é a história de seu alter-ego, o toquiota Shimamura, e a relação que desenvolve com a gueixa Komako numa gélida província conhecida como País das Neves. Não existe palavra humana que rotule essa relação: é ver para crer, um verdadeiro emaranhado de sentimentos. É considerado por muitos uma das obras mais belas do século XX. Não dá pra passar ileso por aquele final.

E aí, alguém mais já leu?
 
Cara, ninguém comentou este tópico ainda?:susto:

Kawabata é um escritor maravilhoso; pensei que este tópico estaria inundado por posts e comentários. Pois bem, vou ver se posso fazer uma contribuição.

O livro de Kawabata do qual mais gosto é "O País das Neves". Certa vez fiz uma resenha dele para o site da Amazon, e gostaria de citar tal texto neste post. Eis o que escrevi na ocasião:


O País das Neves, de Kawabata, parece uma escultura de gelo, uma espécie de estátua de dois amantes esculpidos em cristal, com figuras estranhamente frias e delicadas, embora belas. É como se o inverno ea paisagem de inverno, em toda a sua beleza cintilante, em todo o seu frescor, seu cheiro de gelo fresco e essências de pinheiros, menta e hortelã, fosse capturado pelas mãos de Kawabata, para ser concentrado e modelado em uma história muito breve. As palavras do grande crítico e escritor, Anthony Burgess, sobre a peça de Shakespeare, Noite de Reis, também se aplicam a este livro: "Uma tapeçaria estranhamente melancólica". Aqui a tapeçaria é tecida com flocos de neve e grãos de diamante.

Mas se há, nesse jardim de gelo, algo quente, algo humano, algo que pulsa com a vida e sangue por debaixo da pele da paisagem adamantina e coberta com neve do romance de Kawabata, esse calor, esse coração de fogo, essa vida é chamada Komako. Ela é uma das três personagens principais da novela (juntamente com Yoko e Shimamura), mas é, de longe, a mais completa dos três: é o maior dos triunfos de Kawabata nesse romance. Ela é uma das figuras femininas que eu mais amei e amo em todas as minhas leituras; ela é, para mim, uma das caracterizações mais perfeitas de uma mulher quando ama, ou melhor, uma mulher que sofre por causa do amor que a tortura, um amor que se torna absoluta, um amor que não atinge o clímax que ela deseja, o clímax pelo qual ela tem fome.

Eu sou um pouco suspeito para falar. Sempre tive uma paixão especial para as mulheres japonesas. Eu as adoro: acho-as bonitas, desejáveis, frágeis, inocentes, elegantes... tudo isso ao mesmo tempo. Como resistir aos seus rostinhos de criança, que parecem exigir cuidado, implorar atenção; sua pele tão branca como o marfim, como se este tivesse sido dissolvido para modelá-las; suas bochechas rosadas, que coroam seus rostos de pele perfeitamente limpa e lisa; seus seios e quadris tão perfeitamente modelados; seu cabelo extremamente negro, como se a noite tivesse sido desfiada especialmente para tecer seus fios? Não como resistir (quero dizer: não há como eu resitir). Além disso, as mulheres japonesas têm um estilo, uma cultura, uma delicadeza: elas são tão refinadas que se parecem com verdadeiros anjos. É como se, caso verificássemos suas costas nuas, fossemos encontrar os tocos das asas de anjo que foram retiradas.:lily:

Retornando ao País da Neve, é preciso dizer que a figura de Shimamura (o amado de Komako) não é precisamente delineada. Na verdade, ele parece ser pouco mais que um Playboy, com alguma cultura e dinheiro, mas que não consegue esconder sua própria mediocridade e falta de tempero e personalidade. Yoko (uma bela jovem, pouco mais velha que uma adolescente) é um pouco distante, e está sempre envolta em uma espécie de névoa, sempre inescrutável. Mas se este nevoeiro fosse subitamente dissolvido, eu não acredito que ela iria se provar nada mais do que uma garota normal, uma jovem mulher como outra qualquer. Esses personagens, Yoko e Shimamura, parecem ser mais ornamentos e adições à paisagem de inverno do que personagens realmente significativos. O mesmo não pode ser dito sobre Komako.

Komako parece a feminilidade, em toda a sua graça e simpatia, em toda a sua força e fragilidade, transformada em carne e modelada em personagem. Ela é descrita e desenhada em um monte de toques sutis, tantos e tão variados que agora não consigo me lembrar de todos. Ela não é uma daquelas espécies de personagens literários que criam vida especialmente pelas coisas que ela diz (como os personagens de Shakespeare em suas peças, trazidos à vida em grande parte em razão de suas falas), mas pelas descrições de seus gestos, sua maneira de andar, sua maneira de beber saquê ou de beijar, pela expressão em seu rosto nos momentos de tristeza e alegria, de raiva e de serenidade.

Ela adora Shimamura, e quando está junto dele, aninhada em seu peito, ela é, em primeiro lugar, tímida, carente e extremamente amorosa: suas palavras soam quase como um ronronar. Ela é também muito cuidadosa e caprichosa: arruma tudo ao seu redor, e parece sentir-se nervosa quando o quarto, por exemplo, está bagunçado.

No entanto Komako não é apenas uma gueixa submissa, uma menina desesperadamente precisando de cuidados. Ela ama também de uma forma feroz, selvagem, e quando Shimamura faz comentários que a desagradam, ela denuncia os tons esnobes de seu amado: ela grita com ele, e ofende-o com a força de um leão. Se Shimamura é frio, se ele sempre terá medo de se entregar completamente, Komako, por outro lado, irá explorar cada centímetro de seu coração, cada pedacinho dele: seu amor é completo, ardente - parece que ela nem mesmo consegue respirar quando está longe de seu amado, como se não fosse capaz de pensar em nada além dele.

Muitas das visitas de Komako a Shimamura (ele costuma visitá-lo num quarto numa estação de águas termais, na qual este está hospedado) ocorrerem quando ela está bêbada, e é doloroso contemplar como ela perde o controle de suas emoções, é doloroso ver, quando o álcool rompe suas defesas (sua timidez e orgulho), o quanto ela ama este homem, com uma voracidade tão completa que ela simplesmente não consegue manter-se fora de seu quarto. Quem amou e não foi totalmente amado em troca vai entender a dor que é expressada nessas cenas: a dor universal que é criada quando um amante se humilha e degrada, queimando e destruindo qualquer dignidade que possa encontrar dentro de si, para que possa ganhar apenas alguns pequenos pedaços de atenção do ser amado, apenas migalhas de sua companhia.

Komako também conta histórias de outros homens para Shimamura, e em algumas partes do livro é mostrada na companhia deles, rindo alto, bebendo e conversando como se ela estivesse animada e feliz. Mas nós sabemos o tempo todo que estes são atos de desespero, uma maneira pela qual uma criatura que foi ferida por amor, sangrando uma tristeza que não pode ser mantida dentro de si, procura atacar aquele que a feriu, aquele que a fez sentir tanta dor. Komako tenta, através de outras aventuras, fazer Shimamura sentir ciúmes. Tudo o que ela quer, ao que parece, é ser amada por este homem, para que ela possa dar-lhe todo o amor que a sufoca, que a incendêia, que faz com que sua carne e espírito transformem-se uma chama a tremeluizr no meio da gélida aldeia de uma montanha nevada.

Bem, eu não posso descrever Komako o suficiente: há tantos detalhes, tantos toques, que apenas ler todo o livro é fazer justiça a ela. Confesso que durante a leitura eu queria ir para o livro, empurrar Shimamura para longe, e pegar Komako para mim. Brincando comigo mesmo, eu sonhava em construir uma cabana nas montanhas, para morar com ela, para passarmos as noites frias abraçados debaixo das cobertas, enquanto lá fora o vento frio uivaria e chicotearia os cedros e pinheiros com seu hálito de geada. Eu sonhava em tomar café com ela na varanda, sob o sol da manhã, conversando e rindo alegremente. Sonhei com as carícias que eu adoraria dividir com uma jovem tão bela e tão cheia de calor (e, ainda por cima, japonesinha!XD). Brincadeiras à parte, eu confesso que Komako é uma das poucas personagens pelas quais eu realmente me apaixonei. É até estranho pensar nisso, pois Kawabata trabalha de forma tão leve, com toques tão simples, delicados e dispersos, que o resultado final (um amor pela personagem) dificilmente pode ser adivinhado no começo da leitura.

Eu não posso deixar de descrever brevemente também o quarto personagem no livro: a paisagem. Se certos livros, como os de Dostoievski, não estão preocupados com a descrição de paisagens, mas com o interior da alma humana, os livros de Kawabata são pinturas maravilhosas. No País da Neve temos uma montanha gelada, maravilhosamente adornada com o cheiro de resina de pinheiro, com fontes de água quente que bafejam vapor, com insetos zumbindo no ar, e com céus estrelados onde a via-láctea danças e desfila, e até mesmou escorre para dentro da alma dos personagens. É neste mundo que os destinos dos personagens se movem, em uma atmosfera fria que ao mesmo tempo parece que suar tristeza e derramar uma névoa fantasmagórica de melancolia sobre as aldeias e povoados.
O País da Neve é como um poema: cada uma de suas páginas exala um sabor de beleza inigualável. É pequeno e breve para um romance: sim, mas é também maravilhoso. É como uma jóia, um diamante criado com o estranho composto de carbono das palavras.


Espero que eu possa animar alguém a ler o maravilhoso "País das Neves". É um romance muito diferente daquilo que encontramos no padrão ocidental, mas mesmo assim é de fácil entendimento, e apto a dar muito prazer para os leitores.

Abraços

Matheus:traça:
 

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