A narrativa é "deliberada", mas eu uso esse termo no melhor sentido possível -- você não tem o senso de que o Vaughan está usando uma forma não-linear de contar histórias pra te manipular com reviravoltas; pelo contrário, muitas vezes a informação "reveladora" é a primeira coisa que você fica sabendo -- o que ele está fazendo aqui é organizar a narrativa de cada edição da forma mais energética e econômica possível (recordatórios são quase inexistentes, fora o recurso estilístico de usar um quadro para definir local/período (que é totalmente justificado de forma poderosa no clímax do primeiro número)), e quando há uma reviravolta ela não é gratuita, e normalmente é utilizada como um gancho pra você ficar roendo as unhas enquanto espera pela próxima edição.
Eu comecei me concentrando no estilo porque o conteúdo é tão foda e ao mesmo tempo tão absurdo que utilizar um parágrafo pra descrevê-lo aqui me parece um tiro que pode sair pela culatra -- é uma história, afinal, sobre o último homem de um Planeta Terra onde todos os mamíferos com um cromossomo Y foram subitamente extintos por algum motivo misterioso (um vírus? Um castigo de Deus? Certamente a maioria das mulheres sobreviventes tem alguma opinião sobre isso, não que seja muito relevante). Por que o protagonista e seu macaco de estimação foram poupados? Até a edição desse mês (#43), algumas coisas foram descobertas, e um dos personagens tem uma teoria que pode ou não estar bem próxima da verdade.
Novamente, irrelevante. O que é relevante, no entanto, é que Y - THE LAST MAN é uma das histórias de sci-fi especulativa/futuro pós-apocalíptico mais inteligentes, empolgantes, engraçadas e etc já escritas por alguém que pode ou não estar consumindo drogas ilegais. Digo, WTF, quem pensaria nisso. Não que a premissa seja o ápice da criatividade humana, mas o que o Sr. Brian K. Vaughan faz com ela é basicamente tudo que eu poderia sonhar, e mais um pouco. Digo, pensem bem. O que realmente significa o fato de não existirem mais homens (mamíferos machos, pra ser mais preciso) no mundo? Digo, esqueçam o fato de que a longo prazo a raça humana (junto com os cachorros, vacas e etc) estão com os dias contados. Pensem no imediato.
No final da primeira edição há uma listinha bastante informativa que fornece uma visão global da tragédia. Por exemplo, nos Estados Unidos, 95% dos pilotos de avião, motoristas de caminhão e capitães de navio são homens. Por outro lado, 92% dos criminosos violentos também o são. Interessante, não? Mas e daí? Sim, e daí. O ponto é que esse tipo de detalhe não é utilizado como mera trivia contextualizadora. Você sente o caos em que o mundo se encontra ao ler as histórias, e isso é transmitido através de uma narrativa totalmente concentrada em meia-dúzia de personagens. Lembra como GUERRA DOS MUNDOS foi totalmente diferente de INDEPENDENCE DAY justamente por causa disso? Pois é.
Claro que os temas vão muito além do "personagens-perdidos-num-mundo-caótico"; o Vaughan está fazendo algo complexo aqui, conseguindo mesclar uma visão irônica do feminismo com o cada vez mais em alta "girl power", sem tomar lados, sem julgar, e dando a cada personagens seus motivos. Ele consegue pegar o manjado "todo mundo precisa de alguém" e transformar em algo criativo (!). Ele consegue fazer uma história sci-fi com ninjas e piratas não parecer cheesy (!!). Ele consegue criar uma narrativa genuinamente imprevisível e coerente, e ele consegue encher essa narrativa com ação e simbolismo em uma medida tão precisa que mesmo com referências a Shakespeare e coisas assim você mal sente uma pitada de ego.
Resumindo, isso é Importante. É uma aula de HQ. Me lembrou de quando eu tinha visto todos aqueles elogios a THE SOPRANOS e automaticamente pensei "isso soa como uma série totalmente superestimada", aí quando a minha prima me emprestou as primeiras temporadas em DVD e eu sentei pra ver o troço eu pensei "isso é quase bom demais pra TV na minha opinião".
Pois é. Y - THE LAST MAN foi um desses casos onde eu li todos aqueles elogios antes de sentar pra ler o troço, e quando eu de fato li o troço, a coisa superou totalmente as minhas expectativas. Eu fui completamente fisgado desde a primeira edição, e não consigo parar de ir no site da Vertigo só pra ver a capa da próxima. Às vezes o mês que vem parece estar tão longe...
Btw, aparentemente essa série ainda não foi publicada no Brasil. Ei editores. O que vocês estão esperando na minha opinião. Vocês são retardados ou o que. Obrigado.
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