Assisti mais dois hoje.
MATAR OU MORRER [High Noon, de Fred Zinnemann. EUA 1952] 80
Matar Ou Morrer é um faroeste mais do que interessante, porque ele é antes de tudo um western que esplora os dilemas morais e um caráter de complexidade psicológica de seu protagonista, o xerife William Kane. Toda a preparação da história para um furioso confronto final entre o xerife e um bandido que este havia prendido 5 anos antes é trabalhada em um incrível roteiro, onde este procura aliados para enfrentar os antagonistas. Mas a verdade é que o verdadeiro antagonista desse filme é o relógio. O filme se passa em tempo real - isso é espetacular - e o xerife procura ajuda e preparação para o confronto final.
As definições das forças de interação entre os personagens são ótimas e os conflitos nunca ficam em aberto. Destaque também para a canção High Noon que percorre todo o filme e para uma atuação maravilhosa de Gary Cooper, que vive um xerife altero, realista, mas bastante corajoso, porque tudo ali se passa em um sentimento de uma sociedade covarde querer se ver livre deste e este enfrentar o dilema de fugir com a esposa ou fazer jus a seu lema como xerife, nos moldes dos faroestes clássicos, da defesa da honra e da moral. Grande filme. Destaque para os brilhantes planos que Fred Zinnemann faz, como na cena em que Kane fica sozinho, abandonado pela sua mulher - que também vive um dilema - e por todos de sua cidade, onde a câmera sai do rosto combalido do xerife e faz um plongée monstruoso ampliando o fato deste estar sozinho. Não vá esperando um faroeste de ação completa aqui nos moldes mais comuns do bangue-bangue. A diferença é que a ação aqui é mais verbal e psicológica num protagonista que é complexo e interessante.
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POR UM PUNHADO DE DÓLARES [Per Un Pugno Di Dollari, de Sergio Leone. ITA 1964] 73
Inspirado no filme japonês Yojimbo, de Akira Kurosawa, Por Um Punhado de Dólares revolucionou o gênero do western como um todo. Os spaghetti western já existiam na itália - filmes de baixo orçamento, com protagonistas sujos, violentos e assassinos - mas foi com Por Um Punhado de Dólares, filme que abre a Trilogia do Homem Sem Nome que os spaghetti westerns ficaram conhecidos mundialmente. Trazidos para a Itália numa tentativa de repetir os sucessos de bilheteria dos faroestes norte-americanos, os spaghetti western revolucionaram o gênero porque quebraram violentamente o padrão clássico dos faroestes tracionais, como é até o caso - mas não sendo um exemplo perfeito - de High Noon.
O protagonista de High Noon é casado, um xerife, e portanto um homem da lei, vive dilemas morais e quer manter a ordem e a sua honra. Já o Homem Sem Nome, Blondie ou o Americano, como é chamado o personagem sem nome de Clint Eastwood ao longo da trilogia é um homem sujo, violento e que busca riqueza, dinheiro. Simples assim. Tão simples que o gênero passou a ser revisto a partir daí. Justamente como o samurai sem nome de Yojimbo, o personagem do filme de Leone chega a uma cidade sem lei e sem dono, onde dois grupos rivais se confrontam pelo domínio da região. O protagonsita é beberrão, irônico, extremamente sarcástico e um mercenário. Este chantageia e engana ambos os grupos e faz com que estes lutem entre si pelo predomínio do local, ao mesmo tempo em que enche o bolso com as suas recompensas.
Algumas coisas eu não gostei em Por Um Punhado de Dólares, porém. Apesar de a produção ter custado apenas 100.000 dólares, o que não é quase nada comparado ao que seria gasto nos outros dois filmes, o maior problema foi o roteiro. Ao contrário de Yojimbo, que tem um roteiro coeso e muito poderoso, aqui temos algumas falhas. Como na cena incial de apresentação do protagonista, onde este foge sob uma revoada de tiros, coisa que seu caráter prova que este nunca viria a fazer. Também com relação a seu relacionamento com a "mulher" de Ramón, o que não existia em Yojimbo e que criou um "quê" desnecessário neste ponto. O mesmo vale para a sequência em que os Baxter estão sendo assassinados e Leone romantiza o ato, desmitificando o que este tinha construído dos Baxter anteriormente, ficando, IMO, forçado. A iluminação também complica em determinadas cenas, mas é claro que o apuro visual não é o maior elemento aqui e sim a inventividade e a criatividade de Leone, nos closes, diálogos cheios de acidez e crítica e em suas memoráveis sequências de ação e tiroteiro, acompanhadas por uma edição genial e por uma trilha incrível de Ennio Morricone, levado ao sucesso pelas composições da trilogia.
Apesar de alguns problemas, o filme é mais do que interessante e uma apresentação digna de um personagem anti-herói, o quase oposto de William Kane que seria mais desenvolvido nos outros dois filmes da Trilogia.