Voltando ao tópico, já que a discussão esquentou de novo, visto os fatos ocorridos nesta semana.
É um tema bastante sensível, especialmente pelo fato de a humanidade não possuir arcabouço filosófico o suficiente para resolver, de forma agradável, o dilema entre responsabilidade individual e consciência sobre os próprios atos.
Não havendo bases de pensamento sólidas o bastante, apelamos, comumente, para uma saída que, até então, nos parece a mais simples: a maturidade biológica. Aos 18 anos, o corpo já está quase completamente maduro, e, do ponto de vista neuronal-cognitivo, já houve as quedas características da plasticidade cerebral que caracterizam as transições etárias até a idade adulta. A partir da maturidade física define-se, de maneira um pouco arbitrária, a maturidade social, representada juridicamente pelas maioridades civil e penal.
Pelo mesmo motivo, supondo-se que os erros cometidos por um menor de idade provenham, probabilisticamente, de uma debilidade de julgamento, torna-se conveniente puni-lo e tratá-lo de forma separada dos adultos, de forma a potencializar sua já teoricamente mais alta capacidade de reabilitação. Penas menores (ou, ao menos, tempo menor de reclusão) justificam-se pela constatação simples de que conviver na grande sociedade é igual a matemática, português, lutar karatê, andar de bicicleta, respeitar os pais: aprende-se fazendo.
Por outro lado, o princípio de assegurar prioritariamente o direito à vida, à liberdade e à propriedade de quem não transgrediu os direitos de outrem deve ser observado. Quem comete um crime tende a cometer um segundo, e não partir deste pressuposto - mesmo que este careça de prova rigorosa - é descolar os pés do chão e viver no mundo insano da fantasia especulativa. Assim sendo, em caso de infração violenta, o jovem deve sim, ser internado por tempo determinado e de forma compulsória - isto é, não havendo liberdade de escolha quanto a este procedimento, tanto por parte dele próprio quando de seus responsáveis.
Há também o caráter coercitivo da punição, que tem caráter coercitivo no consciente coletivo: a existência de punições funciona como incentivo negativo ao cometimento de crimes. Segundo este princípio, com a reclusão e as outras punições não só haveria menos crimes sendo ocorridos, mas também menos criminosos.
À luz de tudo isso, só consigo achar a proposta tramitante de reforma da maioridade penal equivocada.
Primeiro, parece-me muito mais uma disputa por domínios semânticos do que a realização de algo concreto. Se já existe uma responsabilidade penal sem maioridade, por que, havendo uma legislação específica para pessoas entre 12 e 18 anos, não se reforma o ECA, ao invés de fazer uma gambiarra dessas, que só arrisca atirar o jovem numa penitenciária de adultos, onde não há o tratamento especializado de seu caso? A reabilitação de criminosos não só diminui a criminalidade, a longo prazo, como também adiciona mais um participante ativo da sociedade, do ponto de vista econômico, político e cultural. Ademais, havendo, como os juristas fazem crer, medidas coercitivas previstas contra adolescentes infratores, fico com a impressão de que o verdadeiro problema está no cumprimento das mesmas de forma adequada, mais do que no rigor previsto legalmente.
Em segundo lugar, e tendo em vista esse caráter quase que meramente lexical da proposta, todo este debate parece-me ter um pano de fundo demasiado demagógico e populista. Os políticos querem diminuir a maioridade penal para realmente reduzirem a violência ou para, atendendo formalmente a um anseio popular pela redução da impunidade (que é a grande questão), aliviarem-se de um peso nas costas, que é o crescente questionamento da população sobre o seu desempenho? O mau estado da segurança pública do Brasil é obviamente fruto da incompetência dos governantes, dado que eles são os responsáveis pela organização e execução do serviço policial. Vivemos num Estado que é imperfeito, sob a ótica weberiana: o monopólio estatal da violência não é plenamente assegurado por aqui, tanto que em algumas regiões você tem verdadeiros Estados paralelos, com suas próprias leis e até coleta de tributos (traficantes, milícias, grileiros, etc).
Eu, enfim, posso me posicionar como sendo contra o aumento da maioridade penal, do jeito que está sendo discutido na rua ou no Congresso. Mas, de verdade mesmo, acho o debate da maneira como está sendo feito extremamente raso, demagógico e até, eu diria, desinformante.