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Viagem de trem

mandah

Usuário
Aquela viagem prometia ser longa. Eu estava cansada. Tivera um dia difícil. Tudo o que eu queria era ir logo para casa, tomar um banho e poder dormir. Tive um pouco de sorte. O vagão do trem estava vazio. Não completamente, mas o suficiente para que eu conseguisse me sentar. Tudo no que eu queria pensar era em breve eu estaria em casa. Descansar. Era só disso que eu precisava. Meus olhos se fecharam.

Acordei de súbito. Felizmente eu não havia perdido minha estação. Infelizmente ainda faltavam quarenta minutos para chegar ao meu destino.

Eu não conseguia mais dormir. Nunca conseguia. Tinha medo. Não queria perder a estação. Nem ser assaltada. Como em todos os dias, passei a prestar atenção a minha volta. Eu gostava de observar as pessoas, como elas se portavam, o que pensavam.

O vagão estava mais cheio do que antes. Algumas pessoas estavam de pé. O trem parou. Mais algumas pessoas entraram no vagão. No meio delas pude notar dois garotos. Não deveriam ter mais que dez anos. Vestiam roupas largas e velhas. Estava frio e tudo o que calçavam era um par de chinelos. Um deles carregava uma caixa em suas mãos. Passei a observá-los. Gostaria de saber o que iriam fazer.

Eles começam a percorrer o vagão. Interrompem todo homem com sapatos sociais. Eram engraxates. Profissão praticada há muitos anos por crianças de diversos locais do mundo. Aquela imagem passou a me entristecer. Gostaria de saber o que os levara aquilo. Teriam pais? Eles os forçavam a isso? Iam à escola? Gostavam do que faziam? Saberiam que poderiam ter uma vida melhor?

Me perdi em meus pensamentos tentando compreender o que levava as pessoas a essa situação. Tudo bem, é melhor estar engraxando do que roubando, mas eles eram crianças. Deveriam estar na escola. Naquele momento, em suas camas, preparando-se para dormir e no dia seguinte aprender coisas novas e se divertir, como as crianças deveriam fazer. A que ponto nós chegamos, fazendo com que nossas crianças trabalhem, se tornem adultas, antes de serem apenas crianças. Será que é difícil demais perceber que a infância está se perdendo? Onde foi que erramos e por que não tentamos encontrar uma solução para isso? Por que eu olho para as pessoas ao meu redor e elas simplesmente fingem não estar vendo nada, como se aquelas crianças não existissem, como se elas não fossem problema delas? Todos sempre muito mais preocupados com seu próprio mundo, sua vida, suas dificuldades, sem ver que tem gente com problemas muito maiores do que os nossos. Por que é mais fácil fingir que a realidade simplesmente não existe? Que ela está distante demais e que em nada nos atinge.

Enfim um senhor permite que os garotos cuidem de seus sapatos. Não entendo muito de graxa, mas vejo o quanto eles se dedicam, o quanto procuram fazer seu trabalho o melhor possível, o mais caprichoso, para que talvez ganhem alguns centavos a mais. O homem observa a tudo indiferente, mas já o considero uma boa pessoa, por aceitar ajudar a essas pobres criaturas. Ao término do trabalho, os garotos recolhem suas coisas e postam-se em frente ao seu cliente. Esperam seu pagamento. Ele pega sua carteira e retira algumas moedas, as quais entrega aos garotos. Era pouco, mas os olhos deles brilhavam como se aqueles centavos fossem ouro. Talvez esse pouco dinheiro lhes significasse ter o que comer ao chegar em casa. Dormir sem fome. Ter sonhos bons. Sonhar com um mundo no qual talvez tivessem uma vida melhor. Lutar por ele. Acreditar que a vida pode ser divertida. Nem que fosse por uma noite.

Chego ao meu destino final e vou dormir com algo mais. Não sei por que, mas algo está diferente em mim. Sinto uma vontade de inexplicável de mudar, de ser diferente, de fazer alguma coisa. Não posso mais colocar a cabeça no travesseiro sem pensar naquelas crianças. Acho que nessa noite, passei a ser humana.

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