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Valinor entrevista Enerdhil

Hoje em dia estamos todos muito acostumados com a relativa popularidade de Tolkien, muito maior do que há alguns anos. Em boa parte isso se deve às premiadas e milionárias versões cinematográficas que “O Senhor dos Anéis” ganhou. Mas como seria se tornar um leitor das histórias da Terra-Média ainda na década de 70?
Entrevistamos Hypolito José Kalinowski, o ‘Enerdhil’, um desses quase ‘pioneiros’ entre os leitores brasileiros, que ainda nos brindou com algumas interessantíssimas opiniões sobre a literatura de Tolkien.



Colaboradores do Fórum Valinor (CV)- Vamos começar com uma apresentação: Qual a sua profissão? Você tem filhos?

Hypolito José Kalinowski (HK) - Sou professor universitário (na área de engenharia elétrica, embora tenha obtido a titulação em física), considero-me mais pesquisador que professor (alguns alunos dormem nas minhas aulas :) ); quanto aos filhos, há dois, o Eduardo (que aparece em alguns Fóruns da Valinor como "ex") e a Lilian.


CV - Como você conheceu a obra de Tolkien?

HK - Puro acaso... Eu sempre fui um rato de bibliotecas e um cliente especial para livrarias :). Havia uma no Largo do Machado (Rio) na galeria do ex-cine Condor. Lá por 1974 (não espalhem, mas eu tenho quase 52!) eu saí do cinema (e de um lanche árabe) e vi dois livros anunciados como "O mais fabuloso romance de fantasia de todos os tempos". Havia uma espada da capa de um deles (sempre gostei da literatura medieval) e resolvi olhar. Folheei um pouco, dei de cara com a despedida de Aragorn em Cerin Amroth, resolvi comprar para saber porque ele iria morrer ! :)

Claro que fiquei p... da vida, não por ele não morrer, mas por não ter a continuidade da história. Aquela edição (a da Artenova) foi publicada quase como o original do LTR, ie, aos poucos. Acho que esperamos uns 6-8 meses pelo livro III (primeira parte do "Two Towers") e nada de sair o resto. Daí eu descobri que um dos meus colegas da PUC-RIO (Arthur Maciel, hoje pesquisador do CBPF) além de emérito velejador tinha a versão original americana. Emprestei dele e li até o final do último apêndice em praticamente uma única sentada.

A seguir pedi a uma amiga que estava em Londres para me comprar a coleção dos títulos (incluindo o Hobbit) em capa dura e despachar por via áerea (na época eu tinha muito mais dinheiro para gastar nesses luxos). Eu acabei comprando os demais volumes da Artenova para completar a série (mandei para meu irmão menor em Curitiba, que o emprestou para toda a família, onde perderam o livro II).

Em 1980 comprei o Silmarillion e em 1986 o Unfinished Tales (nessa época já tinha desistido de traduções). A partir de 1990 fui comprando os atuais "HoME" e outras obras de e sobre Tolkien (tenho umas três dúzias de títulos).


CV - Pessoalmente, o que acha que leva as pessoas a admirarem tanto as obras de Tolkien? Como todo leitor, você deve ter as suas próprias opiniões e impressões acerca da Terra-Média e de todas as histórias, então, qual seria a "magia" que você vê por trás das obras?

HK - Acredito que o sucesso do LTR seja devido à aplicação inteligente dos postulados levantados por Tolkien sobre a criação das histórias de fantasia e sobre sua necessidade para o ser humano ("On Fairy-Stories"). Imagino que as indas e vindas na escrita do LTR pela metade dos anos 30 o levaram a estabelecer aqueles postulados e a formalizá-los naquele estudo. Posteriormente ele simplesmente o aplicou diligentemente. Assim, existe credibilidade para a descrição dos itens fantásticos. Elfos, orcs, anões e mágicos aparecem costumeiramente na literatura fantástica. Anéis mágicos, espadas que derretem, pontos fracos localizados ... tudo isso já havia sido utilizado por outros autores, de modo que os leitores têm uma base comum em que acreditar. É simples de se transportar para dentro de uma história que aconteceu em um passado remoto. O próprio uso de ligações a eventos mais antigos ainda (na cronologia da história) ou não explicados diretamente reproduz a descrição histórica da humanidade (nós conhecemos pouco mais de 2500 anos de história documentada, ainda com muitos furos, fazemos hipóteses sobre eventos a meros 4000 anos atrás) e torna a história mais humana. Por outro lado, no caso do LTR, há um detalhismo ímpar para o leitor. Flora, fauna, alimentação, velocidade do deslocamento, até mesmo as fases da lua (cuidadosamente ajustadas a 1942), tudo isso prende a atenção.

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CV - Você mencionou o "On Fairy Stories", um ensaio de Tolkien não traduzido para o português. Poderia nos falar um pouco sobre ele e sua visão sobre o texto?

HK - Este é um dos textos acadêmicos de Tolkien. Foi escrito para uma série de lectures e, numa versão mais curta, apresentada como um seminário na Universidade de St. Andrew (em março de 1939). Segundo mencionado por vários autores, esse ensaio atraiu uma grande atenção (em parte porque Tolkien já havia estabelecido uma reputação com outro ensaio, Beowulf: The Monster and the Critics). Nele Tolkien descreve o que define como Fantasia (eu prefiro esse termo, não exatamente apropriado, à tradução literal de Contos de Fadas) e, principalmente, explica porque o ser humano necessita dessa fantasia, não como uma porta de escape, mas como uma necessidade cognitiva de criação (no imaginário). Mais ainda, Tolkien estabelece ali aqueles postulados que tornam uma história de fantasia aceitável pelo ser humano, isto é, a maneira pela qual pode-se acreditar numa história que todos sabemos ser impossível para o mundo real.

Esse ensaio foi escrito aproximadamente na mesma época em que Tolkien escrevia (e re-...) as primeiras versões do Senhor dos Anéis (os textos encontram-se no HoME VI). A versão final do SdA já incorpora (ao contrário daquelas citadas) vários conceitos discutidos no ensaio. Por exemplo, a própria estrutura do livro, em que o narrador transcreve o que foi narrado em outro livro (uma cópia do Livro Vermelho), o qual por sua vez narra a história. Essa suavização da transição evento > narração (ou herói > autor) a torna (mesmo de forma imperceptível) mais fácil de ser aceita como verdadeira (não o é, mas queremos que seja!). A preocupação de Tolkien em descrever uma geografia, flora, fauna, hábitos, antecedentes procura tornar aquele ambiente sub-criativo (ie, o que o leitor constrói a partir da leitura) o mais próximo possível da realidade. O uso de personagens (elfos, anões, dragões, espíritos), objetos (anéis mágicos, espadas especiais, poções mágicas) e mesmo de passagens presentes de forma espalhada por outras histórias mitológicas serve para que o leitor tenha mais segurança em acreditar naquela fantasia.

Na verdade, grandes autores de fantasia também usaram as bases desse ensaio. Mesmo J. K. Rowling em sua série Harry Potter explora isso. É mais fácil acreditar numa história de mágicos se nela esse povo procura ocultar-se do povo comum, para não atrair atenção.

O parágrafo que julgo mais importante, e que alguns já encontraram em textos meus nas listas, diz (numa tradução livre):
“Fantasia é uma atividade humana normal. Ela certamente não destrói ou mesmo insulta a Razão; e ela também não embota o apetite pela, nem obscurece a percepção da, veracidade científica. Ao contrário. Quão mais inteligentes e claros são os argumentos, melhor será a fantasia com eles construída. Se os homens estivessem em um estado no qual não desejassem conhecer ou perceber a verdade (fatos ou evidências), então a Fantasia iria repousar até que estivessem todos curados. Se eles estivessem sempre em tal estado (o que não parece de todo impossível), a Fantasia desapareceria e se tornaria uma Desilusão Mórbida.”
J. R. R. Tolkien, On Fairy-Stories.


CV - Há algum trecho dos livros que tenha particularmente gostado?

HK - Na verdade existem muitos. Eu até hoje considero aquela passagem de Cerin Amroth uma construção magistral para prender a atenção de um leitor inquisitivo (com mil diabos, porque ele não voltou ali?), mas não é a única. A frase de Frodo em Sammath Naur, lamentavelmente mal traduzida (na minha opinião) na edição MF, e a maneira como o destino do anel é definido; a opinião de Gandalf sobre Bilbo não ter matado Gollum; a última frase de "The Passing of the Grey Company".

Na verdade, eu gosto de Tolkien como literatura e pelo domínio da língua. A escolha de palavras, o uso de expressões arcaicas, adotar um tratamento "vocativo" são (eu não sou especialista em literatura, apenas apreciador) uma marca própria, não igualada por outro autor de fantasia. Veja o caso ali do último exemplo na frase anterior. O "The Passing" pode ser interpretado como simplesmente uma passagem (dos rangers por Rohan, da comitiva de Aragorn pelos Path of Death). Porém, "pass of" significa desaparecer gradualmente (dentro da montanha ?) e "pass away" (e no inglês coloquial o away é freqüentemente omitido) significa morrer. Então, existem várias interpretações que o leitor pode fazer a partir do título, daquela última frase (e até mesmo com relação à despedida em Cerin Amroth). Para mim, isso é marca registrada de Tolkien. Infelizmente, esse aspecto dificilmente consegue ser mantido em qualquer tradução.

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CV - E é normal que em uma obra tão peculiar e grande quanto a de Tolkien haja sempre alguma passagem que não tenha sido exatamente do agrado do leitor. Existe alguma coisa em Tolkien que te decepcionou um pouco? Mudaria alguma coisa?

HK - A questão não é de passagens. Nenhum autor consegue unanimidade e Tolkien não é excessão. Porém, a meu ver, Tolkien cometeu um erro grave: ele tentou - talvez influenciado pela pressão de fãs - interpretar sua própria obra, mesmo em textos restritos (publicados postumamente) ou em cartas. Isso o autor não deve fazer, interpretar cabe apenas ao leitor. Umberto Eco aborda isso de forma exemplar no seu "Posfácio ao Nome da Rosa". Mas eu mudaria alguma coisa sim, daria o merecido destaque a Arwen ! :)


CV – E por que a Arwen?

HK - Para mim é o encerramento da saga dos Eldar sobre a Terra. Tolkien começou a escrever (ou melhor, organizar) o Silmarillion descrevendo as peripécias dos Eldar desde seu surgimento. Com o Senhor dos Anéis, ele fechou essa participação, deixando a Terra, finalmente, para a raça humana (os elfos passaram apenas para a lembrança, lendas, etc...). E a pessoa que simboliza isso é justmente Arwen. Primeiro por ser (descendente) quase uma reencarnação de Luthien, que iniciou a mistura com os homens. Segundo, por fazer a mesma opção de Lúthien por amor a um humano. Em terceiro, pela sua morte simbólica em Cerin Amroth, depois que os elfos já haviam retornado a Valinor. Ali, na hora da morte, acaba a saga élfica...


CV - Você gostou, então, da maneira como Peter Jackson tratou a personagem nos filmes?

HK - Digamos que ela proporcionalmente apareceu mais no filme do que aparece no livro ( pode até perder o estigma de bordadeira :) ). Eu entendo a razão para inserir um romance no filme e nesse aspecto até que a solução dele foi boa (melhor do que ter uma Arwen acompanhando toda a comitiva do Anel de Rivendell até Minas Tirith ou Dagorlad, sendo salva por - ou salvando - Aragorn em peripécias mil ). Seria muito difícil reproduzir no filme o papel motivador de Arwen.


CV - Essa tentativa de Tolkien de interpretar sua obra não seria necessária na medida em que ele esclarece muitas confusões - como o fato de Arda não ser um outro planeta -, e explica muitas informações essenciais para a compreensão da sua obra que, de outra forma, muito dificilmente teríamos conhecimento?

HK - O problema é que não se podem esclarecer confusões que surgem apenas no plano literário. Na verdade, qual a importância que há em Arda ser ou não o mesmo planeta? Do ponto de vista de literatura, e mesmo do ponto de vista da fantasia, tanto faz. Acontece que as histórias dos Eldar (e dos homens na primeira era) foram escritas ao longo de um enorme intervalo de tempo (desde antes da primeira guerra mundial ), no qual o próprio Tolkien evoluiu como escritor e nas suas concepções (filosóficas e religiosas). A dificuldade surge em tentar conciliar um escrito de, digamos, 1918 - 1920 - que era puramente um exercício literário (e, em alguns casos tão bom ou melhor que a versão final re-escrita nos anos 50) com concepções maturadas ao longo dos 30 anos seguintes.

Na minha franca opinião, a grande razão pela qual tais ensaios nunca saíram das gavetas de Tolkien é que simplesmente ele não conseguiu conciliá-los. Cada tentativa de ajustar um ponto acabava abrindo vários outros. Como mencionei antes, os textos hoje publicados nos HoME são importantes para se apreciar COMO e PORQUE se escreveu a história, mas não para tentar entendê-la. Eu insisto que o melhor de Tolkien é sua qualidade literária, devemos apreciar as obras e não tentar explicá-las.

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CV - Como você avalia as obras de Tolkien publicadas postumamente, em especial a série History of Middle-Earth? Até que ponto elas devem ser consideradas como canônicas, na sua opinião?

HK - (Ô perguntinha complicada! :( ) É claro que o Silmarillion estava em uma revisão bastante avançada e razoavelmente coerente para ser editado e publicado logo após a morte dele. Porém temos que lembrar que o Silma publicado é a versão já modificada por causa do LTR. O Contos Incabados já abrange uma situação diferente, escritos e ensaios fundamentalmente de uma época tardia (pós LTR) e com outro espírito (basicamente preencher algumas lacunas do LRT, apresentar uma versão mais completa de alguns tópicos do Silma).

No caso dos HoME, eu os julgo importantes em termos de compreender o processo de criação da mitologia Tolkieniana. As sucessivas versões e modificações introduzidas servem para mostrar a evolução das várias lendas, as múltiplas versões (no caso dos Annals of...). Nos HoME também vemos a evolução do autor, na fase inicial muito mais descritivo, os escritos finais mostram um autor reflexivo. Pode-se estudar a preocupação dele com a escolha de um termo, frase ou até mesmo de um nome. Eu as considero peças para estudo (e foi com esse intuito que C. Tolkien as compilou e publicou). Não estabelecem um padrão único (ou a verdade final) para os temas controversos nas obras.

Na verdade, os ensaios finais (que estão nos últimos volumes do HoME) em geral tentam explicar a interpretação da obra (que eu critiquei um pouco antes), será que Glorfindel do LTR é o mesmo de Gondolin?, de onde vieram os Orcs?, como os Elfos reencarnavam? ... Nesse aspecto perde-se a noção histórica do processo de criação. Tolkien era um escritor meticuloso com o que queria exprimir, porém desorganizado no escrever. Ele não fazia fichas para os personagens ou elaborava a linha da história a ser desenvolvida. Ele simplesmente ia escrevendo... depois revisava n vezes, deixava de lado e recomeçava a escrever do início... Nesse processo os furos são evidentes. Como ele mesmo disse, o nomes de Elrond no Hobbit foi escolhido por soar bem (e por evitarem que ele tivesse que procurar um bom nome), só depois houve a ligação com um personagem do Silmarillion. Assim, a explicação lógica é que Glorfindel foi simplesmente um bom nome escolhido para um elfo no LTR, sem a mínima preocupação com aquele que matou o Balrog na fuga de Gondolin. Não dá para querer justificar a origem dos Orcs citada no LTR com aquelas escritas décadas antes nas várias versões do Silma. As escalas temporais, tão elogiadas no LTR, não são críveis no caso do Silma. A dimensões de Númenor não garantiriam todo o poder durante a segunda era...

Se as pessoas querem apreciar a literatura nelas, ou querem conhecer o processo de criação, então são obras ímpares - poucos escritores têm tal processo tão bem documentado. Porém elas não devem ser encaradas como uma fonte segura para resolver as dúvidas na interpretação do LTR.


CV - Acredita que algum dia os HoME serão publicados no Brasil?

HK - Acho que será pouco provável. Talvez os volumes I e II (The Book of Lost Tales) tenham alguma competitividade comercial, mas penso que o mercado não tem dimensão para o investimento. A menos que o PJ resolva filmar "The Fall of Gondolin" ou, no caso do "Return of the Shadow", uma versão retrô do "A Sociedade do Anel" :)


CV - Como eram as coisas no Brasil em relação aos trabalhos de Tolkien antes das edições da Martins Fontes?

HK - Eu não acompanhei muito isso. Em termos de obras publicadas havia apenas aquela tradução da Artenova para o Senhor dos Anéis (sem os apêndices, o que deixava a obra inacabada) e para o Hobbit. Acredito que, para os padrões da época (onde um best seller vendia 3-5 mil cópias) ela vendeu bem pois esgotou-se nas livrarias. Porém eu não estava ligado a uma comunidade Tolkien, para mim ele era simplesmente um outro autor de quem eu gostava muito e no qual tive interesse (a partir do Unfinished Tales) em descobrir como se deu a evolução dos seus escritos. Eu só conheci a existência de grupos tolkienianos brasileiros em 2001, quando uma reportagem sobre eles (conseqüencia das filmagens) apareceu no jornal com algumas páginas da internet.

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CV - Como você avalia a tradução feita pela Martins Fontes? Em que aspectos ela realmente representa a idéia original?

HK - Eu não li a tradução da MF inteira. Olhei alguns pontos específicos porque eu queria justamente comparar a tradução com o original (e com a edição Artenova). Acho que é bastante fiel à idéia do livro, com falhas localizadas. Na minha opinião o português usado foi mais linear do que o inglês do original, o que tira um pouco o espírito em algumas partes ( O Conselho de Elrond, p.ex.). Embora o pessoal meta o pau, em muitos aspectos eu prefiro a antiga tradução da Artenova (mas que era muito mal revisada). Os versos, por exemplo, a fala nos capítulos em Rohan.


CV - Seus filhos compartilham com você esse interesse por Tolkien?

HK - Os dois leram o LTR, mas o Eduardo leu as demais obras também. Ele participa de alguns fóruns e algumas vezes discutimos uns aspectos de alguma obra. A Lilian não tem o mesmo interesse.


CV - Você os influenciou, ou procuraram conhecer as obras por conta própria?

HK - A única influência foi o incentivo à leitura (o que é comum em toda a família), se bem que aos dois eu recomendei ler o LTR por causa do inglês (eles fizeram cursos completos) ali empregado. O Eduardo pegou o LTR por conta própria e dali passou para os demais. A Lilian já o pegou por influência das filmagens do PJ.


CV - Que outros autores recomendaria para quem está conhecendo as obras agora?

HK - Essa é uma pergunta capciosa :). Eu normalmente recomendo que as pessoas leiam muito, independente do gênero e do autor. Acredito que você deve ler mesmo que depois julgue a obra uma porcaria ou não queira gastar dinheiro em um segundo livro daquele autor (como é que você vai estabelecer parâmetros de bom ou ruim sem conhecer o ruim ??). As obras clássicas são normalmente consideradas enfadonhas pelos leitores atuais, mas você não encontra o estilo e o domínio da língua mostrado por Shakespeare ou Machado de Assis em Stephen King ou Paulo Coelho... Mas eu sou eclético, gosto de Agatha Christie, Le Carré, Álvaro Mutis, Umberto Eco, Garcia Marquez, Isabel Alende, Isaac Asimov... Gostei da série de Merlin de Mary Stewart e do "Mist of Avalon" de Marion Bradley (não gostei dos outros dela), tenho Malory (The Mord of Arthur) e alguns estudos porque me interesso também pela lenda de Artur. Recentemente li "O Último Lugar da Terra" (não é romance) e gostei bastante.


CV - Atualmente está morando em Curitiba, certo? Já freqüentou encontros promovidos pela comunidade Tolkien nessa cidade?

HK - Na verdade apenas dois encontro (no Bar do Alemão). Um deles por causa de uma visita da Willie (que na época morava em algum canto no centro-oeste do Brasil) [Nota d.E.: Willie é a Shagrat no Fórum Valinor], onde também estavam o Deriel e o Ancalagon, além de outros que não lembro mais quem. O outro foi uma reunião da tchurminha curitibana (Deriel, Ana, Vela, Mentha, ...) no mesmo local.


CV - Como um "fã das antigas", você enxerga alguma mudança na comunidade Tolkien brasileira após os filmes?

HK - Como eu disse agora pouco, eu não prestei muita atenção nisso. A grande diferença perceptível em termos de comunidade é que ela agora se expõe. As pessoas vão a eventos, usam fantasias, organizam feiras, têm xiliques para ver o ator do filme, desmaiam quando apertam a mão dele (um beijo, então, seria o caos) :) ... É óbvio que isso é bom para divulgar a obra e atrair outras pessoas (mesmo que não se fantasiem). Aliás, aproveitando a deixa, falam muito nos fãs de Tolkien (e de outros, como os de Star Trek e Star Wars) em usar fantasias baseadas nas obras e etc... e daí? quantas pessoas se fantasiam de seu jogador de futebol (vôlei, basquete, ciclismo...) predileto quando vão ao estádio? (sem contar o Carnaval !) :)

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CV - E hoje, como você enxerga a comunidade Tolkien no Brasil?

HK - Eu noto que existem vários grupos e com atividades específicas sendo realizadas e isso é muito bom. Claro que o filme ajudou muito a agregar pessoas e será necessário um bom trabalho para manter o nível de entrosamento. Alguns grupos re-apareceram, outros mudaram de nome, e assim vai. Recentemente a Federação Tolkiendilli elegeu sua diretoria, após uma transitória. São bons sinais, sem dúvida.


CV - Você acha que os filmes de Peter Jackson conseguiram transmitir a mensagem e o sentimento que Tolkien passa em seus livros?

HK - A linguagem é outra e o objetivo também. Em um livro a imagem visual faz parte da interpretação do leitor, enquanto que em um filme ela é transmitida a ele. No livro vende-se a capacidade de interpretar a obra escrita, no filme vende-se a qualidade das imagens e da representação. Na linha básica da história, a existência de um objeto maligno que deve ser destruído através do sacrifício de alguém (ou de muitos, se generalizarmos para as outras mortes), isso foi transmitido. No entanto o filme não é capaz de fazer o espectador interpretar a obra. Por exemplo (antes que alguém pergunte!) um espectador que não tenha lido o livro vai sempre ver as asas do Balrog de Peter Jackson, os que leram o livro no original ficarão divididos entre os que interpretam literalmente e os que interpretam literariamente (eventualmente terão ou não asas). O Aragorn que eu imaginava quando lia o livro não tem nada a ver com o representado no filme.


CV - O que você mais gostou nos filmes?

HK - A produção é extremamente cuidadosa para um filme dessa dimensão. A inclusão de falas em élfico e as canções nessa língua certamente demonstram um cuidado grande com o espírito da obra e na verdade são muito agradáveis ao escutar. O visual seguramente coloca o filme como um grande épico. A música, que eu julgo ser melhor no segundo filme, também é fantástica.


CV - Há algo que ache fundamental e que tenha sido cortado nos filmes? Ou há alguma cena desnecessária? Enfim, o que não gostou nos filmes?

HK - Eu não sou da linha purista, para mim o filme é uma obra em separado, baseada na de Tolkien (como já houve muitos, para outras obras, na história do cinema). Nesse aspecto eu acho que os filmes foram bons. Cena desnecessária é difícil dizer, eu comprei as duas versões estendidas (FR e TT), onde há cenas adicionais... :) Eu também diria que a principal diferença no filme em relação ao livro é a personalidade de Aragorn. No livro, desde muito cedo, ele é determinado a recuperar a glória de sua casa (e Arwen, claro :) ), sua demora em atingir esses objetivos são uma espécie de tática de batalha, ganhando força e conhecimento útil. Nada a ver com a indecisão do personagem no filme. Em uma escala menor, por causa da restrita participação, isso também ocorre com a de Faramir.


CV - Você já visitou muitos países. Quais foram e quais lhe renderam as melhores impressões e experiências?

HK - Êpa, êpa, mais uma perguntinha capciosa :). Por causa das minhas atividades de pesquisa (e porque gosto de viajar, claro!) conheci muitos países. Praticamente toda a Europa Oriental, alguns dos antigos países do leste europeu, quase toda América do Sul, EUA, Índia, Japão. Em todos eles aprendi coisas novas, observei (e adotei) costumes, visitei locais maravilhosos, conheci pessoas interessantes e fiz amigos, obtive ganhos profissionais. Tenho alguma predileção por Itália e Portugal - países onde vivi em épocas diferentes, Colômbia - projetos comuns ao longo de 8 anos permitiram me sentir quase como em casa, Venezuela. Acho a Índia um país excepcional em termos de seus povos, costumes, cultura e alimentação (adoro um restaurante indiano). No entanto, meu coração sempre se volta para a Itália...

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CV - Você percebe uma receptividade e repercussão diferente de Tolkien e também dos filmes de Peter Jackson no exterior?

HK - É difícil apreciar esse ponto. Tolkien sempre foi mais conhecido no exterior do que no Brasil. Eu observei reportagens, resenhas, pré-estreias em vários países, talvez até com maior divulgação do que aqui. Seguramente o mercado editorial se beneficiou também por lá. Re-edições, ou edições especiais das obras, apareceram por todas as partes devido ao filme ( o Eduardo me recriminou por não ter comprado uma edição três volumes do LRT em tcheco, com ilustrações do Alan Lee, que vi em Praga - ele disse que poderíamos colecionar o LTR em várias línguas!).


CV - O que pensa do preconceito contra aqueles que conheceram Tolkien através dos filmes, os chamados "pós-filme"?

HK - Não se pode discriminar uma pessoa por não ter lido uma obra (principalmente no Brasil onde grande parte da população não ganha o suficiente para adquirir um bom livro). Muita gente apenas conhece alguns autores porque viram versões, adaptações ou obras neles baseados no cinema ou na televisão. Alguém tem alguma dúvida que milhões de brasileiros só conhecem Gabriela Cravo e Canela por ter havido uma novela? Ou que Dona Flor tenha sido visto no cinema por um público muito superior ao número de leitores do livro? O mesmo é válido para o LTR. Muitas pessoas apenas viram o filme, gostaram ou não... uma parcela dessas resolveu ler o livro depois; outras preferiram ler o livro antes de ver o filme. Todas tem a noção da história ali desenvolvida (em termos da saga do anel) e sabem hoje que houve um autor chamado Tolkien, quem a escreveu. Não é relevante para isso saber se Frodo foi conduzido no cavalo de Glorfindel ou por Arwen, se Aragorn saiu de Rivendell com Andúril ou com outra espada qualquer que servia para a mesma finalidade de matar orcs.

Do ponto de vista numérico, basta pegar a bilheteria de um dos filmes ali pelo primeiro mês, estão acima de $ 250 milhões. Ao preço médio de $5 o ingresso, isso já dá, em um mês, o mesmo número de exemplares do LTR vendidos em quase 50 anos (e este já é um número excepcional na literatura mundial, suplantado apenas pela Bíblia, eu creio).

O aspecto importante a louvar é que essas pessoas atraídas pelo filme causaram uma revolução editorial nas obras de Tolkien só comparada ao boom americano dos anos 60. Li nalgum texto divulgado na antiga "Na Toca do Hobbit" que a Harper Collins tinha vendido, no ano 2000/2001, uns 14 milhões de exemplares das obras de Tolkien ou livros nelas baseados. E isso foi consequência das pessoas ouvirem falar da filmagem do LTR (que só foi lançado no final de 2001). Não conheço os números do mercado editorial no Brasil, mas parece que isso deve competir seriamente com uma parcela significativa do total de livros publicados aqui. É uma pena que a Martins Fontes não divulgue suas vendas dos títulos de/sobre Tolkien para vermos a evolução, mas ela é evidente. Só temos o Silmarillion e o Contos Inacabados, a biografia de Tolkien, livros sobre ele, edições em capa dura ou semi-dura, boxes, quadrinhos, etc... POR CAUSA DO FILME. Milhares de pessoas nesse país estão podendo comprar e ler essas obras simplesmente porque o PJ conseguiu a atenção que queria com o filme. Isso, para mim, já é motivo suficiente para bater palmas a ele e pedir um bis...


CV - Você acha que todos os novos leitores que conheceram Tolkien a partir dos filmes de PJ perderão bastante dos livros, em parte por já terem concepções e imagens pré-estabelecidas dO Senhor dos Anéis?

HK - Não, claro que não. Já encontrei nas listas de discussões pessoas muito bem informadas sobre o SdA e outras obras de Tolkien e que foram para ali atraídas pelo filme do PJ. É claro que a imagem resultante do filme sempre vai perdurar quando o livro estiver sendo lido (ou recordado), porque o ser humano tem sua maior capacidade de percepção visual e o filme explora isso diretamente. Mas a concepção da história depende apenas da interpretação do leitor. Esses leitores terão uma percepção mais profunda da história que foi contada no filme, com eventuais versões diferentes (caso dos mencionados Glorfindel e Andúril), mas que também servirá para dar informação adicional, não presente no filme. É preciso ressaltar que o ser humano é mutável, e que justamente a capacidade de aprender está ligada àquela de mudança nos seus padrões de conhecimento. Assim, esses leitores aprenderão algo mais sobre Tolkien ao comparar a versão escrita com a do filme. É até bastante provável que alguns deles aprendam mais, justamente porque mudarão sua concepção pela leitura, do que aquele leitor que passou por cima de alguma passagem no texto, sem dar importância.

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CV - Como professor, o que pensa das escolas britânicas que adotaram o élfico como disciplina opcional?

HK - Imagino que seja uma maneira de atrair a atenção dos estudantes jovens pelo modismo do tema, causado pelo filme. É claro que há um ponto positivo, pois a função primordial da escola é "ensinar" o aluno a pensar. Nesse aspecto élfico pode ser tão bom quanto qualquer outra língua em termos de aprender conceitos de gramática, sintaxe, fonética... Em contraponto, é uma língua com amplitude muito reduzida. Alguns textos e poemas do Tolkien e admiradores, frases e canções do filme, etc... não há como evoluir muito nela, não há uma grande obra em élfico para ser estudada. Sem o mesmo apelo emocional, grego, latim ou finlandês talvez fossem mais úteis e mais aplicáveis (ao menos para compreender a origem das palavras utilizadas).


CV - Tolkien mudou algo de forma significativa em sua vida?

HK - Eu conheci (praticamente apenas de forma virtual) pessoas muito interessantes que gostam do mesmo tema. Até entrar no Na Toca, eu conhecia poucas pessoas que tinham lido Tolkien, e atualmente conheço muitas. Eu até gostaria de estar ainda no Rio de Janeiro (ou então em São Paulo) onde ocorrem mais eventos temáticos, para participar um pouco (o pessoal Curitibano é mais festeiro, menos temático :) ). Do outro lado, Tolkien acabou sendo o autor que eu mais estudei em termos da origem, evolução e interpretação de suas obras. Embora eu goste de vários, nenhum deles me atraiu tanto para esse lado da composição ( ? não sei se o termo seria esse) literária.
 

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