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Uma Fantasia "diferente".

hamiltox10

Usuário
Bem pessoal, estou eu aqui para apresentar a todos minha humilde fantasia medieval, que se passa em um continente fictício, e conta a história da família de Sir Walter Trian, quando ele se vê perdido em meio à uma guerra de proporções homéricas da qual não pode mais escapar.

Diferente de muitas outras fantasias, esta aqui não possui elfos, dragões, trolls ou qualquer coisa do tipo. Ela se torna crível pois baseia-se em conceitos menos folclóricos, e está firmemente baseada em princípios de uma europa medieval, porém com alguns detalhes que somente a fantasia me permitiria adicionar.

Por exemplo, espere ler algo à respeito de Licantropia, e alguns outros assuntos que fogem da temática real, mas nada muito extravagante. (Porém, temos algumas surpresas:D)

Bem, espero que vcs gostem, opinem, critiquem, me apedrejem ou apenas digam o que acham postando abaixo. Vlw e qualquer dúvidas eu responderei aqui.

Prólogo e Capítulo 1 Postados ( Já tenho mais escrito, mas não vamos empurrar toda a leitura de uma vez só né:hanhan:)

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Prólogo - O Alce Prateado

A grama estava encharcada pela água da chuva. Durante toda a noite um vendaval rugiu em fúria. Chovera como se fosse o fim do mundo, e quando a manhã por fim ia surgindo, lamaçais enormes e charcos d’água barrenta cobriam uma extensão espantosa de terra, até a linha do horizonte.

Era perigoso cavalgar nessas condições. O solo escorregadio poderia facilmente levar um cavalo à queda, no mínimo quebrando a perna da montaria e de seu dono. A lama estragaria os arreios e enodoaria as celas, mesmo que o animal estivesse trotando. Isso não importava para alguns, pois 30 cavalarianos cavalgavam a passo rápido pelas estepes verdes, evitando as poças de lama e saltando sobre os obstáculos naturais.

À frente deles vinham Sir Royce, seu irmão Sir Grayce, e o porta-bandeira, carregando o Alce prateado entalhado na seda verde-musgo. Eram escoltados por uma guarda imponente, que trajava armadura completa, da viseira aos pés. Estavam todos prontos para irem ao campo de batalha, mas na verdade seguiam rumo a um monastério.

Uma pequena construção de pedra erguida sobre um monte sem árvores. Era esse o campo de batalha que os irmãos iriam agora enfrentar. A chuva ainda caía ruidosa, fraca e fria como a noite que agora morria. Dois fazendeiros semeavam a terra, enquanto um outro arava e revolvia a grama fofa. Todos os três entortaram os pescoços para admirar a passagem de tão formidável companhia. Os cavaleiros carregavam as lanças pesadas, e suas achas d’armas vinham logo atrás, penduradas nas costas. Aparentavam ser intimidadores e agressivos, principalmente pelo galope rápido a que eram impostos pelo corcel negro de Sir Royce. O nobre voava pelo céu estrelado, e nem seu irmão conseguia alcançá-lo. Somente a visão do monastério cravejado nas rochas do horizonte distante aplacou o ímpeto de Sir Royce.

Logo a comitiva aproximou-se do local. Aqueles que estavam próximos, fossem rezando ou trabalhando, aglomeraram-se ao redor das montarias possantes. Pessoas simples, fazendeiros, camponeses, comerciantes e lavradores acampavam ao redor do templo religioso, procurando paz e redenção, mas o que eles obtiveram naquele dia fora algo muito diferente. Sir Grayce então desmontou e pôs os pesados pés recobertos por placas de ferro no chão.

- Chamem o sacerdote. – Ordenou, dirigindo os olhos firmes para dois criados que se encontravam ao lado. Eles prontamente identificaram o Alce, entalhado na viseira do nobre, assentiram e entraram no pequeno monastério.

Sir Royce seguiu os passos de seu irmão, até que os dois ficaram lado a lado, encarando a portinhola de madeira que por meio de suas frestas revelava a algazarra que se instalara dentro do monastério. – Ele não revelará. – Por fim, falou.

Grayce deu de ombros. – Podemos forçá-lo a revelar.

Os dois permaneceram pensativos, aguardando por alguns instantes. Entreolharam-se, e ouviram um barulho que denunciava o roçar do ferro com madeira, até que de repente, uma mão fina e calejada empurra com toda sua força a manivela enferrujada do portão, que se abre lentamente.

- Estou aqui. – Falou o sacerdote, e todos os camponeses ajoelharam-se diante de sua presença, mas Royce e os outros não. O velho então observou aquelas duas figuras estranhas, vestindo placas de prata polida e reluzente, que vibravam com o choque das gotículas de chuva que caíam do céu. – Que querem dois nobres em meu humilde monastério? Por acaso não poderiam esperar até o amanhecer para receber a benção do senhor, como todos os outros? Eu não acordo nem meus camareiros em seu sono, então por que hão de me retirar da cama em plena noite?

“Dobre a língua para falar comigo” Pensou Royce, mas as palavras que saíram de sua boca foram sutilmente diferentes. – Queremos o ouro. – Disse, com a voz reta como uma espada.

Os presentes arregalaram os olhos, surpresos. Não havia ouro naquele humilde lar de vagantes e religiosos, e mesmo que assim fosse, amaldiçoado seria o sujeito que tentasse tomar pela força o dinheiro da igreja.

- Ouro? – Falou o velho, como que para si mesmo. – Se querem ouro vão pechinchar nas soleiras do rei! Os cobradores de imposto de Vossa Graça já vieram este ano, e confesso que levaram quase tudo que tínhamos.

- Não estamos nos referindo a esse ouro. – Falou Grayce, e seu irmão assentiu friamente. – Não falamos por Vossa Graça.

O sacerdote então esperou pensativo, enquanto observava Sir Royce, que o encarava frente a frente. Todos sabiam que somente o anel que vinha no dedo direito da canhota do nobre valia mais do que a arrecadação de um ano inteiro daquele monastério. “Quem os mandou?” Pensava. Contemplou o rosto de seus inquisidores por breves instantes, até que voltou seu olhar para o alto estandarte que erguia-se acima de todos. Até mesmo seus olhos dormentes puderam identificar o Alce de Corintho reluzindo em prata e verde. – Então quer dizer que Lorde Eamon agora voltou-se contra a igreja...

- Nos diga onde está o ouro, agora. – Ordenou Sir Royce, colocando a mão no cabo alongado da espada, para o espanto de todos. Não se ameaçava um sacerdote, nem sobre pena de morte. Os camponeses começavam a perceber o que aconteceria. Alguns iam à busca de enxadas, cabos de ferro e porretes. Não deixariam seu guia espiritual ser morto. Não sem uma boa luta.

-Não temo seu aço, meu jovem. – Falou o velho, tranquilamente. As rugas em sua face revelavam os longos anos de experiência. – Por muitas vezes escapei de ir ao encontro dele, pela glória de deus.

-Não é você que corre perigo. – Disse então Sir Royce, e ergueu a arma mirando o rosto dos camponeses e camponesas que assistiam a tudo, atônitos. – Tenho comigo 30 espadas...

Até mesmo Grayce olhou-o surpreso. Ele não pensara que o irmão levaria aquilo até as últimas consequências. Os trinta cavaleiros desembainharam seus ferros e ergueram as lanças. Alguns esporearam os cavalos, fechando o cerco contra os pobres lavradores, que cedo viram-se cercados por soldados blindados, munidos de incivilidade e o terror da morte.

O sacerdote viu-se sem alternativa. As pernas franzinas, que antes esforçavam-se para não tremer, revelaram a fraqueza do velho. Parecia a ele que sua túnica branca nada cobria, e estava agora despido, sendo arremessado contra o vento crocitante. – Talvez possamos resolver isso de outra forma. – Disse, meio que involuntariamente. Seu olhar baixou-se até se encontrar com o chão.

- Irmão – Falou Grayce. – Vamos entrar no monastério e resolver o assunto lá dentro. Não vamos? – Indagou, e o sacerdote assentiu com a cabeça, desolado.

Sir Royce ergueu a manopla de ferro, ordenando seus homens a esperar. Ele e o irmão seguiram os passos arrastados do velho, que dirigiu-se, aflito, para dentro do monastério. Todos aguardavam ansiosos do lado de fora, e os guardas mantinham alguns camponeses cativos, evitando ameaças de insurgência.

O monastério não era mais do que um casebre de pedra quadriculado. Era difícil de acreditar que havia qualquer coisa de valor dentro daquelas paredes rachadas. Os irmãos e o sacerdote seguiram caminhando pela pequena sala, que compreendia mais da metade de toda a habitação. Dois cachorros sarnentos dormiam ao pé da porta.

Sir Grayce então sentou-se sobre uma mesa de madeira que jazia ao lado e encarou friamente os olhos do velho. Havia sinceridade em seu olhar. – Não queremos fazer-lhe mal. Diga-nos onde está o ouro. – O fogo de uma pequena lareira aquecia o nobre em sua armadura, enquanto ele mirava as mãos em direção às chamas. Um ou outro lampejo escapava da pequena fornalha e reluzia na prata de sua armadura.

-Não há ouro algum. Tudo o que tínhamos já foi recolhido pelos homens de Vossa Graça. – Revelou o sacerdote, teimosamente.

Sir Royce então, de súbito, abriu a viseira que cobria sua face. O rosto ferido, marcado pela guerra, denunciava a cólera que dele se apossara. – Velho tratante, não é de hoje que sei do ouro que guardas aqui. Eu vim aqui por este ouro. Este ouro é a minha vontade, assim como a minha vontade agora é de enfiar esta espada no teu ventre e conferir se não guardas nossas moedas dentro do estômago.

Os três então ficaram mudos, enquanto Sir Royce apontava sua lâmina para o religioso. Os irmãos já haviam cruzado o limite de sua autoridade há muito, e agora o sacerdote encontrava-se sob o gume da morte, enquanto tentava em vão dissuadi-los da existência do ouro.

Mas era difícil, pois ele sabia que fora do monastério famílias inteiras aguardavam julgamento. Crianças, mulheres, senhores como ele; todos cairiam pela espada ao mínimo comando dos dois irmãos. Ele sabia que nada aplacaria a fúria de Sir Royce senão o ouro. Não queria a culpa da morte de dezenas sobre sua cabeça, e nem queria ver suas tripas rasgadas pela espada de um infiel audacioso. Após relutar bastante, com todas as suas forças, teve de ceder.

-Sigam-me. – Falou, em um só tom. Nunca fora tão sério em sua vida. Estava cercado e nada poderia fazer. “Se ao menos ainda pudesse brandir uma espada...” pensou, mas já era tarde. Ele e os dois nobres agora caminhavam por estreitos corredores subterrâneos, esculpidos na pedra bruta. Eram imensos, largos como os calabouços do palácio real. Múltiplas celas percorriam toda a extensão de passagens escuras, onde antigos reis de pedra estavam esculpidos como senhores do passado.

Sir Grayce carregava uma tocha em sua mão. Ia à frente, enquanto o sacerdote caminhava sob a tutela de seu irmão. Estava maravilhado. Nunca poderia imaginar que debaixo daquele humilde monastério existiria tão complexa rede de subterrâneos.

Os três agora caminhavam por escadarias espiraladas, e seus degraus pareciam infinitos. Tudo era feito do seio da terra, remontando ao ancestral modo de se construir usando a própria rocha. Esgotos corriam por dois ou três canais subterrâneos, enquanto alguns poucos ratos faziam morada em cantos escuros, onde homens não caminhavam por gerações. “Esse calabouço é antigo, muito antigo.” Pensou Grayce, mas enquanto analisava tudo o que acontecia viu o sacerdote parar de caminhar e acenar com a mão.

- Chegamos, por fim. – Suas pernas doíam. Ele já não tinha a idade para esse tipo de coisa, mas aquilo não importava. Só o que importava era a segurança das famílias que agora eram cativas de cavaleiros assassinos.

Sir Royce então viu uma porta de ferro espessa e grossa, enquanto o sacerdote procurava encontrar sua maçaneta. No alto do acesso, encontrava-se uma placa com as inscrições; “Pela auriflama de Cedric”. Estava escrito no idioma antigo, e ele não dominava completamente essa caligrafia. Preferia gastar seu tempo dando estocadas nos homens de seu pai, e exercitando seu garanhão no pátio.

Ouviu-se então um ruído, e o portão de ferro e madeira retraiu-se para dentro de um cômodo luminoso. E como era luminoso. Estava lotado de ouro, dos mais diferentes tipos. Sir Grayce teve de conter sua tocha fora do quarto, pois não conseguia enxergar pelo reflexo produzido nos troféus e medalhões guardados ao relento. Sir Royce contemplou deslumbrado, a fortuna de mil reis guardada em um único espaço. “Não havia como gastar todo esse dinheiro!” pensou.

- Aqui está. – Falou o sacerdote, tornando-os à realidade. – Peguem o que quiserem e sumam daqui. Nunca mais retornem!

Os irmãos prostraram-se ao chão, tocando o ouro maciço com as mãos, como se quisessem testar a veracidade do material. Tateavam os objetos amarelos, onde as mais diferentes joias estavam incrustadas, em uma orgia de cores. Estavam maravilhados, mas mesmo assim Sir Grayce conteve o impulso. Pronunciou-se. – Estamos gratos pela ajuda, sacerdote. Agora devemos retornar, pois irei ordenar meus homens a vir aqui recolher parte desse maravilhoso espólio.

“Eles não podem vir aqui!” Pensou o religioso, mas ao mesmo tempo viu o cume afiado da espada de Sir Royce, reluzindo em dourado, e lembrou-se do quão afiado também eram as lanças daqueles cavaleiros que montavam guarda lá fora. Apenas assentiu com a cabeça, enquanto retornavam.
Caminharam pouco. Parecia a Sir Royce que a volta fora bem mais rápida do que a ida. Talvez fosse por quer sua mente estava povoada por pensamentos inusitados. “Tantas possibilidades, tantas alternativas...” Sua cabeça rodopiava tonta, mas rosto austero do irmão o lembrou de não regozijar na frente da plebe. Porém, por dentro seu jubilo era grande, e ele mal aguardava para chegar ao castelo e contar as novas para o pai. Reservaria essa honra a si mesmo, e nem Grayce e nem o capitão da guarda iriam se opuser a essa vontade. Como ele mesmo dissera essa era a “sua vontade”.

Os dois irmãos e o sacerdote finalmente deixaram o calabouço que permeava aqueles chãos. Saíram do monastério, e o religioso viu que seus camponeses e fazendeiros ainda eram reféns dos cavaleiros. Podia sentir a ira em seus ossos velhos, mas ela andava de mãos dadas com a impotência.

-Capitão! – Rugiu Sir Royce, erguendo o punho cerrado e chamando o chefe de sua guarda. – Quero que entre no monastério com mais cinco homens e siga por um caminho do quarto do sacerdote... Há um complexo de túneis – O nobre contou então toda a história, em tom reservado, para que os presentes não ouvissem, mas para todos era notória a cara de espanto do capitão. Ao término, disse. – Leve tudo. Não deixe uma moeda sobrando.

O sacerdote podia ser velho, doente e quase cego, mas seus ouvidos estavam ainda muito aguçados. As ordens de Sir Royce soaram-lhe claras como a noite que nessa hora morria e dava origem a uma manhã vermelha. “Leve tudo”, dissera ele. “Não passava de um patife!”.

Foi aí que Royce caminhou até o irmão e cochichou-lhe algo no ouvido. Sir Grayce reagiu, a princípio surpreso, mas depois foi levado à razão pela vontade de seu irmão. Os dois trocaram alguns poucos sussurros, e Sir Royce então dirigiu-se ao centro daquele monte sem árvores. Lá tomou o estandarte do Alce prateado das mãos do porta-bandeira e fincou-o na terra fofa, recém-arada pelos pobres cativos.

- Matem a todos! – Ordenou. – Desçam suas espadas sob os pescoços desses infelizes. Eles conspiram contra a coroa de nosso amado Cedric. Matem a todos! Por Cedric! – Nisso, ergueu alto o gume de sua lâmina e descarregou um golpe brutal sobre a coluna de um lavrador que estava ao seu lado, trêmulo de medo. O homem gemeu com a estocada, e permaneceu dando espasmos na grama, mas Sir Royce surpreendeu-se pelo fato de que após tal golpe o sujeito ainda respirasse. O nobre então agachou-se para perto do verdureiro, que estremecia com a costela quebrada. O sangue escorria vermelho por sua boca. – Vá. Fuja. – Falou, em escárnio. – Diga a todos que o Alce esteve aqui. Espalhe essa notícia onde estiver. Será esse o pagamento por sua vida.

O pobre fazendeiro ergueu o restante de suas forças e correu, fugindo. A cavalaria assistia tudo aos risos. Já o sacerdote via a tudo, perplexo. “Como poderiam ser tão cruéis?” “Se houvesse justiça divina, algo teria de acontecer”. Mas nada aconteceu, a as achas d’armas e lanças dos soldados de Sir Royce e Sir Grayce derramaram sangue na grama verde do monastério, e então o sacerdote, às lágrimas, percebeu que só lhe restava seu templo rachado e uns poucos fiéis desnorteados. Juntou suas últimas esperanças e foi ter com os irmãos. – Como podem? Como podem?! – As lágrimas escoraram-lhe involuntárias pela face enrugada. – Aqueles homens eram trabalhadores comuns! Pobres servidores da coroa, que suavam o ano todo para pagar os impostos desse rei poltrão! Como viveremos sem dinheiro? Como?! – Já não apelava à razão. Tinham enfiado uma estaca muito profunda em seu coração, e ele não mais guardava prudência pela vida. - Enquanto ao monastério? – Perguntou, num último apelo inaudível de desespero.

-Queimem. – Respondeu Sir Royce, como se tivesse esquecido-se de dar uma derradeira ordem antes de abandonar aquela chacina de corvos.

E assim, Sir Grayce Thegan e Sir Royce Thegan abandonaram o monte sem árvores, que agora chamuscava no horizonte, tingido de vermelho, e fedia ao odor da morte, onde o Alce jazia fincado, bem alto no céu, tremeluzindo ao vento.


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O Casório

Estavam todos à mesa. Ninguém faltara ao chamado de Sir Walter, que fizera questão de convidar quem vivesse em volta ou ao longo de suas terras. Há semanas batedores percorriam os quatro cantos de Pradolírios espalhando as boas novas. Seus afilhados, e também protegidos, casar-se-iam naquela tarde, e ele, que os tinha quase como filhos, não pouparia esforços para agradar seus parentes e fazer uma festa que marcasse a história de sua descendência.

Não se sabiam quantos novilhos tinham sido lançados ao fogo. O cozinheiro, que não dormia há três dias, para apetecer a fome do povo precisou abater todo o rebanho que o velho padre juntara para si ao longo de sua vida. As pessoas chegavam ao casarão dos Trian às carradas e esfomeadas. Entravam às vintenas e logo se acomodavam em algum lugar confortável, esperando por comida. Os legumes plantados para o próximo inverno foram todos colhidos para serem servidos de aperitivo, mas mal chegavam às mesas e já eram devorados, desaparecendo cerrados pelas bocarras famintas da plebe.

A cerimônia ocorria no salão principal, onde uma mesa de cem lugares abrigava os convidados de honra. Sir Walter vinha à cabeceira, com Vivian ao lado. Seus filhos, Ethan e Roderick completavam o altar dos senhores de Pradolírios, de onde podiam ver tudo o que se passava nos corredores de pedra do casarão. O povo observava ansioso pelo momento que o jovem desposaria a dama. Em meio aquela bebedeira, ouvia-se o barulho de risos, o tilintar de taças de vidro, e o latido de cachorros que esmolavam um ou dois ossos de comida. O salão estava lotado, e até caminhar era difícil, mas muitos aguardavam do lado de fora da residência, pois simplesmente faltara espaço para acomodá-los. Porém, estavam sempre a par do que ocorria no casório, pois os sons da festança escapuliam pelas esparsas frestas de cimento das paredes, e bem sabiam eles que as comemorações não se reteriam à casa de Sir Walter. As multidões iam sair, às centenas, e celebrar por toda a noite, e quem vivesse sob as posses dos Trian não pregaria os olhos por dois dias. Pelo menos era o que diziam.

O fato foi que o casamento seguiu-se. Ao som de vários músicos, abriram-se os portões do grande salão, para a entrada do noivo e da noiva, lado a lado. Edon Trian carregava o brasão de sua casa, a Torre Chamuscada, enquanto sua amada o acompanhava erguendo a bandeirola de sua família, o Grifo Cintilante. Ambos caminhavam no mesmo ritmo, sorrindo, rindo e acenando para os parentes que reconheciam aos montes. Todos no salão silenciaram ao ver o semblante dos dois. Todos também os observavam; uns com alegria, outros com admiração, e um deles com o peito estufado de orgulho: Sir Walter Trian assistia ao casório, altivo, e não continha a expressão de jubilo.

Mas um dentre todos do grande salão observava aquilo com tristeza e agouro. Os olhos de Ethan acompanhavam todos os passos de seu primo. Ele via a alegria em seu rosto, e via também a espada presa à sua cintura. Edon trajava roupas de linho, dignas de um senhor, e agora formava uma imagem distante daquela que o jovem Trian tinha em sua cabeça. Eles não mais passariam tardes juntos, conversando, batendo-se no pátio ou exercitando seus cavalos. Edon provavelmente iria se mudar para o castelo dos pais de Esmeline. Lá ele reinaria como um senhor, quando o velho duque morresse. Ethan bem sabia que o homem não tivera filhos homens, apenas sua pequena e preciosa donzela. “Será que um dia irei eu?” Pensava consigo mesmo, e quando olhava para o lado via o pequeno Roderick lambuzar-se com o molho da carne, e então percebia que esta realidade ainda estava muito distante. Pensava em quando se tornaria o senhor de Pradolírios, ou quando seu pai iria levá-lo para ver o palácio do rei, no distante oeste, como lhe prometera. Uma voz retumbante e firme, que reverberou pelas paredes espessas do grande salão o resgatou de seus devaneios e o trouxe para a realidade.

- Sir Edon Trian, pela benção de Walter Trian, que o acolheu quando o destino fora cruel, e Vivian Trian, que cuidou de você como filho próprio. Erga-se. – Falou o sacerdote, enquanto ordenava dois de seus assistentes a guardarem os estandartes das casas. Trajava vestes douradas, muito trabalhadas, e sua barba longa e espessa descia até seus ombros, o que chamou a atenção de Ethan. “Curioso” Pensou ele, mas novamente fora trago à tona pela voz do velho padre.

- Condessa Esmeline Bordelle, pela benção do Duque de Bordelle e a Condessa de Bordelle, sob os olhos de seus ancestrais. Erga-se. – Proclamou, enquanto noivo e noiva postavam-se lado a lado em um pequeno altar improvisado que fora montado perto da cadeira de Sir Walter.

- Hoje, estamos aqui, pela graça de deus todo poderoso, para firmar um compromisso que unirá as famílias dos Trian e Bordelle. Edon e Esmeline serão a prova de que os laços matrimoniais ainda permeiam fortes, e hão de habitar esse mundo como marido e mulher, até o dia de vossas mortes. – Proferiu, e suas mãos agora deslizavam pelas testas de ambos, esfregando um unguento pastoso, ungindo e protegendo o futuro casal.

Ethan não queria estar ali. Seu quarto era bem mais confortável. Não fosse a obrigação imposta pelo pai, ele estaria agora dormindo, ou cavalgando ao lado das águas do Riacho Nevasca. “Roderick que fique. Eu não!” Pensava, mas nada podia fazer. Era um menino de 12 anos, “quase um homem”, dizia para si mesmo, e não devia se submeter à vontade de ninguém. O senhor seu pai já devia saber que ele não obedeceria facilmente. Ver Edon ali, casando-se, assumindo uma posição que o garoto sempre desejara ter, ao menos em seus sonhos, era torturantemente doloroso. “Ele agora seria Sir Edon...” Refletia, e imaginava também o nome de Sir Ethan, cavalgando pelos campos do mundo sem fim, carregando em uma das mãos a espada da justiça e em sua canhota o escudo da clemência. Novamente fora trago à realidade, mas dessa vez pelos olhos atentos da multidão.

Todos aguardavam o momento derradeiro, onde iriam levantar as taças e em uma só tragada ingerir toda a bebida que conseguissem. Nessa hora, até mesmo os empregados, que desdobravam-se para suprir a mesa com comida e deixá-la sempre farta, cessaram as atividades, e silenciosos observaram o que ocorria no altar.

O sacerdote falara mais algumas palavras. Olhara para Esmeline, e a abençoara. O mesmo fez com o Edon, e ordenou que os dois se erguessem. Por um instante o grande salão emudeceu. Até mesmo os chiados chorosos dos cachorros cessaram. Sir Walter e Vivian assistiam a tudo, atentos. Até Roderick dirigiu os pequenos olhos castanhos para a longa barba do padre, que agora estava em pé, segurando um difuso bastão em sua mão esquerda.
- Eu os declaro, marido e mulher! – Disse, para o espanto de Ethan, que vira todos erguerem as taças bem alto e gritarem saudações aos mais novos cônjuges. O pai não o permitia beber, mas naquele dia ele pudera tomar uma ou duas taças, e isso demonstrava o quão Sir Walter se importava com a festa de seus afilhados.

-Viva Edon e Esmeline! – Gritara um dos vassalos de Pradolírios, e um coro de vozes o acompanhou em uníssono. Todos agora embriagavam-se como se aquele fosse o último dia de suas vidas, e nem mesmo as finas normas do grande salão contiveram a alegria do povo.

Ethan quis estar bem longe. Quem dera pudesse cavalgar por fora do casarão, e ver toda aquela gente, aguardando para celebrar com os mais ricos, e já celebrando ao mesmo tempo. “Inusitado.” Essa palavra martelava sua cabeça o tempo todo. Ele queria estar lá fora, e eles queriam estar lá dentro. Precisava sair dali e pegar um pouco de ar. Ethan Trian não era um menino qualquer. Era filho de um grande senhor, e um dia governaria supremo por todas as terras de Sir Walter. Como herdeiro, sempre fora criado com as mais altas regalias, e Vivian não deixava-lhe faltar nada. Mas ele sentia algo estranho. Queria mais espaço. Mais espaço para correr, mais espaço para espairecer. E no casamento de seu primo, ele resolveu que demandaria aquele espaço do pai.

Não hesitou em abandonar a cadeira acolchoada em que estava sentado. O pequeno Roderick mal notou sua ausência, mas sua mãe prontamente vira que o menino dava as costas ao salão e esgueirava-se pelo corredor dos fundos. Bastara dar dois cutucões em Walter para fazê-lo entender o que se passava. O nobre ficara zangado, furioso, mas nada podia estragar aquele dia especial. Gunter, um de seus empregados, fora encarregado de procurar seu herdeiro.
Pobre Gunter. Custaria para achar seu senhor Ethan. Enquanto a festa e o casamento ocorriam, e todos celebravam contentes, o coitado do carpinteiro metia-se em caminhos tortuosos à procura do menino. Sujara-se todo enfiando a cabeça em buracos escuros onde o jovem poderia se esconder. Rasgara as calças metendo-se nas espinhentas árvores dos jardins de Vivian, e já havia visitado o estábulo, a estalagem e o ferreiro quando finalmente encontrara o jovem Trian trepado em um salgueiro qualquer, à espera de algo.

- Meu senhor, a noite já cai e Sir Edon já termina seu casamento. O senhor seu pai ordena que retorne para o grande salão e tome seu lugar de direito no altar de honra, e ao lado dele. – Falou, um pouco ofegante, e com furor em sua entonação, muito bem camuflado.

-Diga a ele que irei mais tarde. Estou cansado e desejo repousar. – Falou Ethan, dando pouca ou nenhuma atenção ao carpinteiro. Nem se quer dera-se o trabalho de olhar para o sujeito.

- Em cima de uma árvore senhor? – Indagou o homem, perspicaz. Poderia muito bem forçar o jovem nobre a retornar para a celebração, e assim iria comemorar junto com os outros, mas isso o renderia muitos problemas. O melhor seria convencer o garoto a retornar.

Ethan notara o sarcasmo do serviçal, mas nada fizera. Ele não se importava se seu pai o queria ao lado naquele momento. Só desejava poder estar longe de Edon, o mais distante que pudesse. Se estivesse com um cavalo por perto iria até a vila vizinha de Bragavelha, fazer lá qualquer coisa e tentar se divertir um pouco. – Em cima de uma árvore. – Falou, por fim.

Desafortunado Gunter. Provavelmente todos a que conhecia, o cozinheiro, o mensageiro, a lavadeira e os plantadores; todos estariam se empanturrando de comida e saciando a sede com os melhores vinhos das vinícolas de Sir Walter. Sempre sobrava para o carpinteiro. Era ele que estava agora tentando pôr bom senso na cabeça do menino Trian. “Até mesmo Roderick era mais obediente.” Pensava. “Que diabos!”.

- Saia daqui antes que caiam frutas em sua cabeça, Gunter. Retorne ao meu pai e conte tudo sobre minha teimosia. Não omita nada... – Falou Ethan, e dessa vez era sua voz que carregava ironia.

Mas o pobre carpinteiro sabia que não poderia retornar. Não se sua missão tivesse falhado. Sir Walter mandaria enfiar sua cabeça num espeto e colocá-la-ia bem alto na Torre Chamuscada. Mas ele ainda tinha algumas esperanças de convencer o jovem Ethan. Sabia da paixão do menino por cavalos. Quem sabe, se a razão ainda não tivesse abandonado completamente a mente do garoto, ele concordasse em retornar para o casarão, se antes cavalgasse um pouco sobre alguma montaria? Bragavelha não era assim tão longe. “Não! Isso é asneira!” Pensava o louco Gunter, porém nada mais lhe restava a fazer. Era retornar ou cavalgar.

- Sabe, se o senhor regressar para o casamento, eu prometo que cavalgarei o dia inteiro em sua companhia, até a cidade de Bragavelha, se assim desejar. – Falara o carpinteiro, com voz maliciosa, e notara que finalmente atraíra a atenção de seu soberano.

- Como assim? – Indagara Ethan. Deu-se de ombros, pensativo. – Cavalgar para Bragavelha?

“Isso Gunter, isso!” Falava o homem para si mesmo. Finalmente conseguira o que queria. – Sim, sim, claro meu senhor... – Confirmava com a cabeça. Se retornassem agora ele ainda teria muito tempo para se embriagar.

O jovem Trian refletira por alguns instantes. Quem saberia o que ele poderia encontrar em Bragavelha? Muitas coisas, certamente, mas retornar para a festa de Edon e Esmeline era algo que não desejava. Agora a árvore não parecia um lugar tão adequado assim para descansar. Ele queria mesmo era sentar no lombo de um corcel e sair em disparada, trotando e sentindo o vento na face jovem.

- Certo, – Falou, e Gunter abriu um sorriso de orelha a orelha. – mas primeiro tenho de ver os cavalos. Você sabe, inspecionar as montarias...

O carpinteiro mal entendera as palavras. “Certo, ele disse.” Pensava. Já podia sentir o gosto da cerveja borbulhando em sua garganta. Ah, como era amante das leveduras. Naquela suntuosa festa ele com certeza provaria mais tipos de bebida do que poderia contar, e a única coisa que se entrepunha entre ele e o coma alcóolico era um cavalo qualquer, que conseguiria em uma rápida visita ao estábulo.

Gunter assentiu com a cabeça, já correndo em direção aos estábulos, mas antes de perder o jovem Ethan de vista, pôde escutá-lo ordenar “Traga o seu também! Quero ver se você conseguirá ou não me acompanhar amanhã.”
Lá foi-se o carpinteiro, fazendo serviço que não era seu e pagando todos as suas promessas, e enquanto ele desdobrava-se para realizar o desejo de seus dois senhores, no casarão dos Trian a festança acontecia.

Edon agora dançava em meio a uma pista espiralada. Esmeline, sua bela, acompanhava-o a cada passo, e os dois sibilavam ao comando dos acordes musicais desdourados pelos músicos empolgados. Outros casais os rodeavam, e juntos formavam uma orquestra funâmbula, bailando alegre, foliando, sendo regida com maestria pelos recém-casados.

Até mesmo Sir Walter e Vivian juntaram-se ao reboliço. Roderick vinha logo atrás, dançando consigo mesmo, pulando e aproveitando uma noite como nunca vira em sua vida. As babás, coitadas, desdobravam-se para acompanhar o passo do garoto, mas logo viram-se elas mesmas rebolando e cantando sob a luz das estrelas que agora harpeavam no céu.

- Viva! – Gritou um sujeito, meio bêbado, e muitos outros “vivas” seguiram-se ao dele.

- Que os Trian e os Bordelle para sempre permaneçam unidos! – Gritara outro, dessa vez mais sóbrio, e todos concordaram alegremente com aquele bom presságio. Nunca o Grifo abandonaria sua Torre, e essa frase se fez presente na boca do povo.

O céu estava claro e limpo, com a luz das estrelas coruscando no distante vazio. Não fizera dois dias que uma chuva torrencial descera em fúria sobre aqueles campos verdes, e a grama ainda alagava-se com a água que não havia diluído, mas a essa água juntavam-se a cerveja e o vinho, o rum e o álcool, que caíam aos montes das taças dos embriagados convidados de Sir Walter.

Até mesmo a santidade, o padre, se dera o luxo de lubrificar a garganta com um ou dois tragos. A música crescia cada vez mais alto. O ritmo dos sons que permeavam o ar era agora descontrolado, frenético. Muitos afogavam as mágoas, outros comemoravam as vitórias, mas tudo isso cessou, num só instante, quando um sujeito, um simples verdureiro, apareceu no pátio do casarão de Sir Walter.

Da sua boca saia o sangue rubro dos agredidos. Suas vestes estavam surradas, moídas e meladas pela lama. Ele montava um pangaré esfomeado, que provavelmente encontrara em andanças ou fugindo pelas florestas.
“Um proscrito” Pensara Walter, mas ele estava redondamente enganado. Sua guarda já estava a postos quando ouviram um pequeno suplício inaudível.

- Água... – Sussurrou o homem, enquanto tentava descer de sua montaria. Suas pernas falharam e o fizeram cair. – Água, por favor. – Implorava agora ele, enquanto arrastava-se no chão, e ninguém ao menos demonstrava vontade de o ajudar.

-Pelos deuses alguém dê água para este homem! – Urrou Sir Walter, encolerizado. Pensava no que poderia ser aquilo. Um ladrão, dificilmente. Um camponês, talvez, mas por que ele trajava-se feito o mais reles mendigo, e de sua boca saía sangue? Aquilo sim, poderia estragar seu dia.
Dois criados correram então para acudir o sujeito. Deram-lhe goles d’água, e o ergueram em pé. Era o bastante para ele. Ninguém gostava de ajudar um proscrito. Ninguém.

O homem então abriu as pálpebras com esforço. Pôde ver a festa, o casório que acontecia, e seus olhos analisaram todo o povo que agora o encarava friamente. Sentiu o cheiro da cerveja. Viu o rosto dos recém-casados, espantados. Viu os empregados que assistiam assustados. Contemplou as espadadas dos homens do senhor de Pradolírios, e percebeu que ali estava um nobre. Seu olhar então passou a procurar o soberano, até que chocou-se com o rosto de Sir Walter Trian, e os dois se enfrentaram, calados e imutáveis como uma rocha. Isso até que o pobre andarilho caiu de bruços novamente no chão, mas dessa vez pode erguer-se sozinho, e dessa vez ele tinha algo a dizer.

- Meu senhor Trian... – Falou, e a voz rouca e sofrida era atrapalhada pelas golfadas de sangue que mareavam sua boca. – Fomos atacados. Por todo lugar eles queimaram, mataram, estupraram e destruíram. Nossas colheitas, nossas casas, nossos filhos. Não fizeram cativos... – Fora interrompido, pois sua dor era grande demais. Forte demais.

De repente Sir Walter percebeu o que acontecia, e não podia acreditar. “Quem ousaria? Quem!?” Pensava, gritando consigo mesmo. Ele tentava perguntar algo mais, mas palavras faltaram à sua boca. Queria sentir o cabo da espada, e brandir sua arma contra qualquer alvo, em qualquer direção. Tentou por um instante raciocinar, lembrar-se de algo, até que por fim questionou, com uma só palavra. – Quem?

- O Alce... O Alce de Lorde Eamon veio com suas espadas, e lanças e ferro e fogo. Eles passaram por vossos domínios, rasgando a terra, cortando e matando vossos filhos e leais servos. Minha casa... – Nessa hora ele silenciou. Não aguentava, mas sabia que tinha de dar seu recado. Era a última coisa que iria fazer em vida. – Minha casa jaz em ruínas, despedaçada, assim como minha família. Eles não temem o senhor nem a deus. Saquearam monastérios e vilas, e por onde passaram fizeram justiça com suas espadas. Bragavelha meu senhor, não existe mais...

Todos assistiam a tudo, petrificados. Bragavelha era ali do lado. Quem poderia saber se aqueles inquisidores não se atreveriam a atacar a própria Torre Chamuscada? Sir Walter Trian estava vermelho, em fúria. Suas mãos tateavam atrás do cabo da espada, que ele havia esquecido no leito, naquele dia. Edon podia ver a fúria do tio e padrinho. Podia sentir a raiva que fluía do rosto austero de Walter.

- Meu senhor... – Disse, por fim, entregando-se ao chão novamente, em espasmos de dor e sofrimento. Implorou então, num último suplício vindo do mais simples dos camponeses. – Vingue-nos. – Foi aí que seu corpo caiu desfalecido, para nunca mais se mover.

Sir Walter então foi até ele, ajoelhou-se e nada falou. Agarrou as mãos daquele homem, que agora morria em sofrimento, e falou-lhe palavras de paz e tranquilidade, acompanhadas com uma última promessa antes do fim. – Vingarei. – Disse , fechando os olhos e orando aos céus.

E enquanto os nobres permaneciam estarrecidos, Gunter retornava para aquele velho salgueiro. Não viu nada daquilo, pois o estábulo era bem distante da residência dos Trian, mas sabia que a música havia cessado, ou ao menos diminuído. “Talvez fosse algum discurso de um fidalgo importante...” Pensava, principalmente para não perder as esperanças de que a festa ainda continuava.

Ethan aguardava impaciente no pé da árvore. Quando viu os animais correu ao encontro do carpinteiro.

- Você fez bem Gunter. – Falou, em tom aprova
tivo. – Prometo que quando retornarmos eu irei presenteá-lo com qualquer coisa de valor.

“Quando retornarmos?” Pensou o carpinteiro, mas sua mente não fora rápido o suficiente. Em instantes o jovem Ethan montara um dos cavalos, e agora exercitava o animal, levando-o para longe.

-Meu senhor! Meu senhor, para onde você vai? – Urrou Gunter, o desafortunado Gunter. Se Sir Walter soubesse que o carpinteiro havia perdido seu herdeiro com certeza iria espetar sua cabeça e colocá-la bem no alto da Torre Chamuscada.

- Bragavelha Gunter! Alcance-me, se puder! – Falou, e esporeou a montaria em disparada, correndo feito o próprio vento e descendo a pequena colina onde se encontravam os dois.

“Por deus!” Pensava o carpinteiro, mas as palavras também saíam de sua boca. “Por deus. Por deus!” Repetia, enquanto montava no outro cavalo e perseguia o jovem Ethan. – Meu jovem, espere! Seu pai matará a nós dois se formos para Bragavelha. – Gritava em vão, enquanto o jovem Trian abria uma larga e perigosa distância entre ambos.

Ethan corria, e corria muito bem. Na sua idade, já montava como os melhores homens de seu pai, e isso o deixava orgulhoso como um rei. Ele agora voava, com os cabelos escuros esvoaçando ao vento, e olhava para trás, administrando a distância entre ele e seu fiel perseguidor. “Que bela noite.” Pensou, enquanto tomava as rédeas firmes de seu corcel e galopava pela estrada que levava à Bragavelha. “Que bela noite...”
 

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