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Um conto de horror

Memória

Já nem sei quanto tempo que estou vagando perdido nesta névoa
maldita. Não durmo, não tenho fome, sede, frio ou necessidades
fisiológicas normais, embora eu tenha noção que muito tempo se passou
desde que entrei neste labirinto sem paredes.

Às vezes me sinto cansado...Não um cansaço físico ou mental –
é algo diferente, como um desespero inútil ou crença de que tudo isso
não seja mais que um pesadelo. Vez ou outra, eu vejo distantes luzes
difusas se dispersarem nas finas partículas que me envolvem. Em
algumas ocasiões eu sou capaz de jurar que vejo vultos que fogem de
mim desaparecendo como espectros fugidios. Minhas memórias estão se
perdendo em algum profundo abismo de minha mente; lentamente,
desesperadamente, inexoravelmente...

Sei, mais ou menos, quem sou, o que fazia e como vim parar
nessa silenciosa bruma. As minhas duas primeiras lembranças, pouco me
importam mais, mas procuro relembrar incessantemente os meus últimos
passos fora desta prisão infernal, na esperança de descobrir uma
saída deste gasoso confinamento.

Eu estava indo encontrar alguns amigos (ou parentes, não
estou bem certo...) em uma fazenda nas proximidades da minha cidade.
Lembro-me da estrada de asfalto, em que dirigia solitário à noite,
iluminada pelo farol alto de meu automóvel. Não sei se me confundo,
mas, em certo trecho do caminho, havia um carro com pisca-alertas
ligado, parado à beira da estrada. Havia pessoas ao lado do automóvel
sinalizando com as mãos pedidos de socorro. Não parei (disto eu tenho
certeza). Segui em frente olhando o carro parado pelo retrovisor
central do meu veículo. Uma aguda buzina à frente. Meu carro seguia
na contra-mão no mesmo sentido de uma grande carreta em alta
velocidade. Desviei.

Depois me vem a imagem de uma precária estradinha de terra
que seguia íngreme uma negra montanha. Devia estar frio e em altitude
elevada, pois foi nesta estradinha que vi a cerrada neblina. Diminuí
a minha velocidade e usei faróis baixos. De tempos em tempos a névoa
fazia uma sonolenta dança na frente do carro, me permitindo ver o
caminho. Houve uma batida? Creio que sim. Recordo-me de descer e ir
ver o que acontecera, desligando o veículo com os faróis ainda acesos.

Assim, abri a porta do carro e, banhado pela neblina, segui
até a frente do carro. Não sei se vi algo ou alguma coisa... a
próxima coisa que me lembro foi de ter tentado, com pressa, ligar o
carro sem conseguir dar a partida. Mais dança da névoa. Toc, toc
toc... Uma batida preguiçosa e cadenciada na janela à minha esquerda.
Batendo com o dedo médio no vidro, um velho negro de cabelos e barbas
brancas com um sorriso amarelado e o espantoso: Olhos completamente
negros. Negros! Não havia escleróticas brancas ou íris castanhas,
azuis ou cor natural. Negro, todo negro... – "Xô entrá mi zin fio..."-
Dizia o velho com voz suave e vacilantemente senil. – "Abre a porta
pro véio mi zin fio!".

Minhas mãos saíram do apoio do volante como que agindo por
conta própria, indo em direção à tranca para abri-la quando ouvi,
vindo atrás de mim, uma voz de criança (menina eu acho... mas voz de
criança não tem sexo) – "Abre não tio... Ele qué pegá nós dois!".
Como em um pesadelo (se é que este não o seja) virei lenta e
penosamente para ver o que estava no banco do passageiro de meu
carro: uma menina aparentando 10 anos de idade com um boneco em seus
braços. Seu vestidinho de babados branco estava salpicado de sangue
que jorrava como um regato de seu rosto. O que restara de seu crânio,
exibia uma calota esmagada à direita; órbita vazia à esquerda e um
grande rasgo na face, que se estendia da mandíbula à orelha esquerda,
transparecendo um jocoso sorriso avermelhado.

Se eu senti medo? Repugnância? Nada... Senti simplesmente uma
perplexidade idiota diante do inacreditável. Acho que fiquei mais
chocado com o boneco que a menina-defunta trazia ao colo: Parecia ser
eu! Houve um átimo de tempo de silêncio tenso, até que o negro
começou a rir. Rir como um louco, um demônio; como alguém que ouvira
a melhor piada do mundo: Eu era a piada? O velho caiu ao chão e não
pude vê-lo. Pensei em abrir a porta para ver, correr, sei lá... A
menininha ensangüentada começava a cantarolar uma cantiga infantil
que eu conhecia bem, o que evitou por um momento que abrisse a porta.
Acho que foi nessa hora que comecei a sentir um indescritível pânico
(ou pelo o menos o sinto agora ao lembrar o fato), pois comecei,
inutilmente, a tentar a ignição do carro novamente. – "Moço, canta
comigo... num dexa o coisa entrar aqui não"- disse a menininha em uma
voz infantil caricata. Meu Deus! Me lembro! Agora me lembro!

O velho negro apareceu na frente do meu carro envolto pela
espessa névoa. Arrastava-se sob o capô do carro como uma cobra
peçonhenta enquanto repetia – "Abra a porta mi zin fio... eu só quero
ela! Abre a porta seu fidaputa! Abre! Abre merda!"- O carro balançava
loucamente enquanto o velho esmurrava repetidamente o parabrisas do
meu carro; lambia o vidro como quem lambe um doce, deixando marcas
nojentas de baba pelo vidro. A menina cantava ainda, não parecendo se
importar com a grotesca cena que eu presenciava. Eu já não podia
suportar mais nada. Gritei como um louco, salivando abundantemente;
Gritei com cara de desafio cara a cara com o velho de olhos
diabólicos, separado dele por uma fina lâmina de vidro temperado;
Gritei mais alto que o cântico sinistro da criança morta no banco de
passageiros; Gritei até perder os sentidos...

Acordei nesta neblina vagando perdido no mar etéreo. Não vi
meu carro, o velho ou a menina. Parece que cada vez que tento me
recordar de como vim parar aqui na bruma, eu lembro de algo a mais em
detrimento de alguma memória pessoal. Já não sei se tinha filhos, se
eu era casado, meu sobrenome... Não me lembro nem se vale a pena sair
daqui para viver como um homem sem memória. Já nem sei quanto tempo
que estou vagando perdido nesta névoa maldita. Não durmo, não tenho
fome, sede, frio ou necessidades fisiológicas normais, embora eu
tenha noção que muito tempo se passou desde que entrei neste
labirinto sem paredes.

FIM
 
Eu adoro esse tipo de historia... :)
Muito legal...massss isso eh de sua autoria, certo?? acho q o lugar certo para publicar eh o clube dos escritores :wink:
 
Eu adoro esse tipo de historia... :)
Muito legal...massss isso eh de sua autoria, certo??

Não... não é da autoria deste senhor. Este conto foi escrito por mim em 1995 e encontra-se registrado na BPN. Como o autor do post não se identificou como o verdadeiro autor medidas judiciais não serão tomadas.
 
Não... não é da autoria deste senhor. Este conto foi escrito por mim em 1995 e encontra-se registrado na BPN. Como o autor do post não se identificou como o verdadeiro autor medidas judiciais não serão tomadas.

Opa! E eu tinha colocado lá que "gostei". :dente:

Se é você o autor, Daniel, parabéns.
 

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