A obsessão desnecessária de Túlio
por Thiago Arantes, blogueiro do ESPN.com.br
Túlio Humberto Pereira da Costa foi meu primeiro grande herói no futebol. Na Goiânia dos anos 1980 as opções eram parcas, mas não foi por só isso que elegi aquele camisa 9 de cabelos longos e rosto juvenil como ídolo da minha infância. Com a camisa verde escura - às vezes branca - do Goiás, Túlio me levou ao Serra Dourada uma dúzia de vezes.
Parece pouco, mas foi o suficiente.
No grande jogo de futebol da minha infância, um Goiás 4 x 3 Atlético Mineiro, pelas quartas de final da Copa do Brasil de 1990, Túlio foi de tudo um pouco. Foi artilheiro, como sempre, ao abrir o placar logo aos 5 minutos do primeiro tempo; foi decisivo, ao marcar de pênalti o quarto gol, que deu a vitória ao Goiás. Foi genial, como poucas vezes, ao tentar um gol do meio campo, no início da segunda etapa. A bola bateu na trave e foi para fora.
O Goiás de 1989. Túlio é o jovem cabeludo
Um ano antes, na Copa América, Maradona havia protagonizado lance parecido no Maracanã. Vinte anos antes, em 1970, Pelé fizera o mesmo contra a Tchecoslováquia, na Copa do Mundo. Ali, aos 7 anos de idade, diante de um estádio lotado, que pulsava vestido de verde, não tive dúvidas. Túlio era uma versão melhorada de Pelé e Maradona. Juntos.
Mas a admiração não começou ali. Em 1989, Túlio havia colocado o Goiás no mapa do futebol nacional com a artilharia do Campeonato Brasileiro. Nas contas do clube, em 1990 ele já se aproximava dos 100 gols.
Túlio chegou à seleção dois meses depois daquele jogo épico contra o Atlético Mineiro. Jogou em um 0 a 0 contra o Chile e na vitória por 2 a 1 sobre a Tchecoslováquia, no Serra Dourada. Depois, foi vendido para o Sion, da Suíça, na maior transação do futebol goiano até então.
Em tempos sem internet, era difícil saber o que meu atacante favorito fazia nos gramados europeus. Mas, por essas coincidências da vida, uma colega de escola morava no mesmo prédio em que vivia a família de Túlio, em Goiânia. Toda segunda-feira, antes de começar a aula, ela passava o relatório. Sion 2 x 0 Basel, um gols dele. Na semana seguinte, em uma quinta-feira, outra notícia: Copa dos Campeões da Europa, Sion 3 x 1 Tavriya Simferopol (ela levou o nome anotado em um papelzinho!), dois gols dele.
E assim, Túlio estava sempre por perto. Um dia, minha colega chegou com uma foto dele, vestindo a camisa do Sion, autografada. Guardei nas minhas coisas, mas os anos se passaram e nunca mais encontrei.
Com o passar dos anos, também, fui deixando de encontrar aquele Túlio que me fazia convencer meu pai, torcedor de Santos e Goiânia, a tomar um ônibus lotado para ir assistir a um Goiás x qualquer time no Serra Dourada.
E um dia, Túlio voltou. Mas voltou outro. Os gols e o oportunismo continuavam lá, agora a serviço do Botafogo. A camisa passou a ser a 7, pedido de um patrocinador. E, nas entrevistas, surgia uma personagem diferente. Túlio passou a exercer com muito fervor o lado piadista, fanfarrão, marqueteiro.
Não era o Túlio que conheci, mas tudo bem, talvez o frio da Suíça tenha mexido com a cabeça do eterno artilheiro.
O que não mudou, definitivamente, foi a habilidade de se posicionar dentro da área, de concluir, de fazer gols. Túlio virou ídolo no Botafogo. Dizem (e o coração não me permite concordar) que ele jogou mais no clube carioca do que no Goiás. Túlio voltou à seleção, fez 3 gols em um amistoso contra o Valencia, fez gol ajeitando a bola com a mão contra a Argentina, virou vilão ao perder pênalti na final contra o Uruguai.
O atacante que eu vi nascer estava no topo do futebol brasileiro. E era legal vê-lo por ali, na verdade.
Túlio foi campeão brasileiro pelo Botafogo - com direito a um gol da vitória por 1 a 0 sobre o Goiás, no Serra Dourada. Ele estava no auge em todos os aspectos. Fazia gols, falava muito e criava polêmicas. Se possível, tudo ao mesmo tempo. Como no gol de calcanhar contra a Universidad Católica, em 1996.
Depois vieram o Corinthians, onde foi artilheiro mesmo ficando no banco, o Vitória, de novo o Botafogo, o Fluminense, o Cruzeiro.
Veio o Vila Nova, em 1999, quando ele disse que era o jogador melancia, "verde por fora e vermelho por dentro". Muitos torcedores do Goiás jamais perdoaram Túlio.
Depois, passagens por São Caetano, de novo o Botafogo, mais uma vez o Vila Nova. E, contratado pelo Sport, Túlio disse que mudaria o nome para "Túlio Mara-Ilha". No mesmo dia, a negociação falhou e ele parou no Santa Cruz. "Sou o Túlio Mara-Santa".
Virou Túlio Mara-qualquercoisa.
Túlio na volta ao Botafogo: carinho independe do milésimo gol
O herói da minha infância havia se perdido na personagem. E, com pouco mais de 500 gols no currículo, cismou que teria de buscar o milésimo a qualquer custo.
Peregrinou por clubes da Hungria, Arábia Saudita e Bolívia. Pelas divisões inferiores do futebol goiano, carioca, paulista. Como a "Caravana Rolidei", do filme Bye, Bye, Brasil, rodou o país em busca de quem ainda se interessasse por seu trabalho. E fez gols, às vezes a conta-gotas, sempre pensando no número, na obsessão, no milésimo.
Túlio não tem 1000 gols. E se fizer mais 100 ou 200, ainda não terá.
O que ele tem é uma obsessão. Talvez para não sumir da mídia, talvez para tentar se colocar em um grupo ao qual ele simplesmente não pertence.
Só que Túlio não precisa ter 1000 gols para ser lembrado e reverenciado. Ele é um dos grandes ídolos da história do Botafogo - o time de Garrincha, Quarentinha, Gérson, Zagallo. É, também e ainda que a contragosto de muitos, um dos grandes jogadores da história do Goiás. Tem história na seleção, é ídolo na Suíça e recebido com carinho em pelo menos metade dos estados do Brasil.
Túlio não precisa ser Túlio Mil Gols, Túlio Maravilha, Mara-Ilha, Mara-Santa ou Mara-qualquercoisa.
Basta ser Túlio Humberto Pereira da Costa, o atacante do meu time de todos os tempos. Seja com 200, 400 ou 600 gols.
Fonte:
http://www.campanhas.mobi/mobile/espn/blg-col-noticiaip.php?id_bc=278324