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Notícias Tudo é narrativa: A beleza convulsiva, por Tércia Montenegro

Bruce Torres

Let's be alone together.
Tudo é narrativa: A beleza convulsiva
24 de Outubro de 2017 às 14:02

Por Tércia Montenegro

Dentre tantas declarações da história da arte, uma das minhas preferidas é aquela que André Breton deixou no seu livro Nadja: “A beleza, ou será convulsiva, ou não será”. Esse princípio estético condensa o impacto – ou o espanto – imprescindível à condição surreal, mas também, numa escala maior, aponta para o mecanismo que ativa a essência do ato criador.

A convulsividade, em tal caso obviamente metafórico, tanto indica o simples ímpeto do imprevisto, da chama explosiva, do absurdo, quanto pode sugerir um desespero confuso. A realidade, de qualquer maneira, fixa limites e constâncias que podem passar uma ideia de segurança. Quando o surrealista se desvincula destes elementos, o lado sombrio – do desamparo que a liberdade proporciona – também entra em xeque.

Não por acaso, a vida de muitos artistas dessa época parece ter tido componentes trágicos: Frida Kahlo sofreu um acidente que iria marcá-la para sempre; Magritte e Dalí tiveram surtos de depressão; Leonora Carrigton envolveu-se em relacionamentos destrutivos; Giacometti enfrentou a solidão e o exílio, enquanto criava suas figuras anoréxicas; Dora Maar viveu a tortura de ser ao mesmo tempo artista e companheira de Picasso, situação que quase lhe custou a sanidade...

Mas a liberdade era o troféu máximo das vanguardas europeias do início do século XX – mesmo que isso significasse atravessar as fronteiras do desvario. Breton, no seu conhecido Manifesto do Surrealismo, ressaltava: “Não será o temor da loucura que nos forçará a hastear a bandeira da imaginação a meio mastro”. Inclusive o repúdio à condição do louco era questionado: “Cada um sabe, com efeito, que os loucos só devem seu internamento a um pequeno número de atos legalmente repreensíveis, e que, na falta destes atos, sua liberdade (o que se vê de sua liberdade) não estaria em jogo. Que eles sejam, numa medida qualquer, vítimas de sua imaginação, estou pronto a concordar (...), mas o profundo desprendimento de que eles dão testemunho em relação à crítica que lhes fazemos, quiçá aos corretivos diversos que lhes são infligidos, permite supor que eles sentem um grande conforto na imaginação, que eles se comprazem bastante com seu delírio.”

O prazer de ultrapassar barreiras e criar era, voilà, a convulsão surrealista. Para explorar a psique em suas possibilidades mais extravagantes e autênticas, nada foi tão bom quanto o método da escrita automática. Lançar ao papel o que viesse à mente, sem permissão para a autocensura revisionista, significava não apenas produzir com flexibilidade. Significava produzir aquilo que o inconsciente do artista queria. A um só tempo, através desta técnica os surrealistas recusavam as pressões comerciais da arte, elevando o individualismo à potência mais alta, e também estabeleciam um curioso nexo com uma área do conhecimento que começava a se expandir: a psicanálise.

Os livros de Freud, especialmente A interpretação dos sonhos, tiveram um grande impacto na época. O princípio da “isenção da lógica” e do “acesso a uma realidade superior, maravilhosa” parecia garantido pela via do inconsciente. E Freud celebrava um tipo de automatismo pelas associações livres que o paciente podia elaborar, revelando à “atenção flutuante” do psicanalista o que o superego normalmente não lhe permitia admitir. Através de recalques, chistes, sonhos ou atos falhos, elementos do inconsciente emergiriam para a consciência.

A proximidade de interesses fez com que o Surrealismo se declarasse como uma espécie de voz artística da psicanálise, embora o criador desta última não quisesse reconhecer tal diálogo. Ao que consta, um dos mais escandalosos pintores da vanguarda, Salvador Dalí, tentou visitar Freud em Londres, em 1938 – mas o encontro não se revelou frutífero. O “pai da psicanálise” estava bastante debilitado pelo câncer que viria a matá-lo, e se medicava pesadamente. É de se crer, entretanto, que, ainda que Freud gozasse de plena saúde, não iria aceitar a espetacularização de sua teoria sob a irreverência daliniana...

De qualquer maneira, a ideia de uma conversa entre o criador da psicanálise e o mais icônico dos surrealistas inspirou o dramaturgo britânico Terry Johnson a escrever o texto Histeria. A comédia ganhou em 2016 adaptação brasileira no teatro Tuca, com tradução e direção de Jô Soares e os atores Cassio Scapin e Pedro Paulo Rangel nos papéis principais. O traço humorístico desta produção não causa estranheza: o próprio Freud havia demonstrado que a comicidade tem importante papel na economia psíquica – e, por outro lado, a vanguarda surreal alavancou o humor absurdo.

A escrita automática, por si, já lançava a possibilidade de gerar o non sense, situação em que palavras ou expressões não têm sentido ou significado, ou indicam condutas ou ações tolas. Enquanto possibilidade expressiva, o Teatro do Absurdo teve em Alfred Jarry o seu precursor, com a peça Ubu Rei, que estreou em 1896. Alfred Jarry chegou a criar um mundo às avessas — o mundo da Patofísica, que invertia conceitos da física e metafísica, rejeitando a realidade vigente. Até hoje, em sua homenagem, o Collège de Pataphysique, na França, declara-se como uma “sociedade dedicada a pesquisas sábias e inúteis” e tem como figuras de inspiração Boris Vian, Marcel Duchamp, Raymond Queneau e James Joyce, dentre outros.

Todo procedimento de absurdidade e fuga do real gera o riso, ainda que intencionalmente esse não seja o primeiro objetivo. Henri Bergson recorda que o que faz rir é uma situação inesperada, “um tipo de absurdo realizado de forma concreta”. Enquanto estética das “belas convulsões” e dos sonhos individuais, portanto, o Surrealismo pendula entre a denúncia anárquica de um tempo e a esperança que existe no humor e no fazer da arte. Por esses componentes, afirma-se como tendência válida para além de cercas cronológicas – razão pela qual ainda hoje encontramos quem, seja através do método criador, seja através da postura existencial, esteja filiado a uma tendência surreal.

Numa medida extensa, qualquer forma de ver o lado oculto das coisas (ou a ficção da representação) recupera o Surrealismo em suas reflexões fundadoras. Talvez esse movimento possa mesmo ser entendido para além de sua época, como uma estratégia – com inúmeras gradações – que o ser humano encontrou de salvar-se pelo deslocamento, escapando rumo ao inusitado.

* * * * *
Tércia Montenegro é escritora e fotógrafa, autora do romance Turismo para cegos (Companhia das Letras, 2015).

Fonte: http://www.blogdacompanhia.com.br/conteudos/visualizar/Tudo-e-narrativa-A-beleza-convulsiva
 
Eu tinha uns artigos de patafísica mas meu PC foi formatado e se foram. Sobre impacto na beleza em um mundo em depressão coloco alguns apontes meus.

A depressão em artistas é ilustrada bem no modo como George McDonald recomendava escrever fantasia. Que se a pessoa estivesse perdida em um conto de fadas ela escolhia a primeira coisa que se movesse em uma direção e daí então passaria a segui-la e dessa primeira escolha se desenrolaria o tema da história. Ou seja, alto risco e alto potencial para bem ou para mal (incluindo morte).

Quando Tolkien aproveita o material de fantasia daquele escritor através do personagem Gollum ele se inspira no livro As Minas do Rei Salomão para descrever o perfil de alguém deprimido.

Na bíblia Salomão representa o princípio do declínio de Israel em que riquezas são retiradas do chão por escravos e pessoas alienadas, isoladas e consumidas pela depressão, suicídio, alcoolismo (depressor do sistema nervoso) e outras doenças. De fato, a indústria da mineração é no mundo uma das recordistas de depressão.

Psicólogos que atendem em áreas de mineração encontram pessoas muitos distantes de amigos, da família, longe de contato humano (as minas ficam longe dos centros povoados e civilizados) fadadas a trabalharem com algo inanimado (pedras), sob risco de substâncias tóxicas (que deprimem o sistema nervoso) e muitas vezes sendo levadas à loucura (elas piram nos alojamentos das empresas). Ainda, a pessoa mergulha nas sombras por dias e enfrenta medo, saudade, fome...

A depressão destrói primariamente a capacidade de concentração e a memória. O impacto das palavras e da mensagem seja uma mensagem verbal seja o cheiro da chuva ou a cor de um rio não alcançam o deprimido. A pessoa deprimida perde contato com o meio e também perde a experiência espiritual e religiosa. O desligamento com o ambiente a torna vulnerável a acidentes, ela produzirá mal entendidos e brigas com amigos e parentes por não se concentrar nas mensagens e estímulos externos. Ao atravessar uma rua corre risco de atropelamento por não estar "ligada".

A depressão reduz a imunidade do organismo e impede as oportunidades de "mortificação do corpo" que propiciam a disciplina e equilíbrio. Aquilo que para uma pessoa normal significa auto estima para o deprimido é interpretado como "complexo de superioridade" (o deprimido vive em extremos e acusar os outros de se acharem melhores). Aquilo que para uma pessoa é sensibilidade para o deprimido é crendice e cegueira.

A depressão pode vir pela doença, pela fome não apenas de comida mas pela fome de estímulos (emoções), pela falta de nutrientes, pelo excesso de tecnologia que vicia em endorfinas e dopamina (o gamer que se desliga do ambiente e fica com aquela cara de bobo por passar tempo demais ali), pela falta de pessoas com quem interagir. Ela pode vir depois de um dia de trabalho porque cansaço e dores no corpo também deprimem.

Sabendo disso tem um livro do Nilton Bonder, Fronteiras da Inteligência, que ele usa quando palestra em grandes empresas sobre como tem ocorrido o desemprego no mundo e que está relacionado ao mau uso do riso e do humor.

Enquanto estamos à beira da quarta revolução industrial ele comenta quando a pessoa se forma na faculdade, faz escola profissionalizante ou aprende com o pai ele está no primeiro nível de profissionalização, o nível do Conhecimento.

O técnico está no nível d conhecimento e a qualquer momento poderá perder o emprego para um robô ou máquina.

O segundo nível é o do gerente. O gerente, além do conhecimento, assume parte da responsabilidade e dá propósito ao conhecimento. Esse profissional está no nível da Compreensão. Também o gerente eventualmente pode ser substituído por um robô.

O chefe do gerente, seja ele dono de empresa ou político trabalha no nível da Intuição. Ele precisa ter instinto de sobrevivência, compreensão e conhecimento. É o caso do bilionário que tem um "faro" para dinheiro. A partir desse nível a máquina não alcança porque ela não internaliza a experiência do mundo.

O nível seguinte é ainda mais difícil de se alcançar. Essas pessoas políticos e empresários se consultam com juízes ou líderes espirituais para aconselhamento porque eles estão no nível da Reverência (diferente da irreverência). Depois que a pessoa coloca em dúvida o conhecimento, a compreensão, a intuição e a própria dúvida, diante do espelho, ela começa a delinear o que é eterno e o que é temporário.

Conhecimento - Compreensão - Intuição - Reverência

No ocidente, o estado atual da reverência é lastimável. A recuperação da capacidade de concentração e da memória são pré requisitos para se considerar a opinião sobre beleza uma vez que deprimido, na fase da mania, se torna luxuoso na apreciação e vazio no conteúdo se revestindo de sarcasmo que esconde algum abuso passado. É o tipo de coisa que aparece em resenhas ou diretores de cinema deprimidos. De vez em quando sai um filme que é na verdade é nada além do trabalho de um esquizofrênico.

Algumas pessoas consegue corrigir o problema em cursos de concentração e memória, psicólogo, indo a igreja (tempo de meditação é treino de concentração), etc... Mas outras, mesmo com substâncias precisam sempre se policiar.

Tudo isso era enfrentado pelos artistas e autores mais antigos (século 19, etc...). Penso que esse aspecto da reconstrução do significado da experiência original se afasta do mundo atual aonde a simples presença de excesso de estímulos produz depressão e banalização da beleza.
 
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