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Tradução melhor que o original?

Haleth

Sweet dreams
Há casos e casos, claro.

Mas, a propósito do post que o Mavericco fez, fiquei descobrindo o The Hollow Men, de T. S. Eliot, a quem desconheço profundamente. A tradução do trecho que me impactou, feita por Ivan Junqueira, é assim:

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussuramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sobra sem cor,
Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam — se o fazem — não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos

Os homens empalhados.

Encontrei uma tradução lusa de João Paulo Feliciano que, pra mim, não é tão rica e bem feita como essa:

Nós somos os homens vazios
Somos os homens de palha
Apoiados uns nos outros
A parte da cabeça cheia de palha. Ai
As nossas vozes foram secas e quando
Juntos sussurramos
São serenas e sem sentido
Como vento em erva seca
Ou pés de ratos sobre vidro partido
Na secura da nossa cave

Molde sem forma, tonalidade sem cor,
Força paralisada, gesto sem movimento;

Os que cruzaram
Com os olhos certeiros, para o outro reino da morte
Lembram-se de nós - quem sabe - não de
Violentas almas perdidas, mas somente
De homens vazios
Homens de palha.

E aqui está o original:

We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats' feet over broken glass
In our dry cellar

Shape without form, shade without colour,
Paralysed force, gesture without motion;

Those who have crossed
With direct eyes, to death's other Kingdom
Remember us -- if at all -- not as lost
Violent souls, but only
As the hollow men
The stuffed men.

Eu que não sei apreciar poesia em inglês e desconheço o contexto literário de Eliot (porque, fato, não sei um nem outro) ou acontece mesmo do tradutor mandar melhor que o - bom - escritor? oO

Ah, as riquezas de cada língua... =)
 
Acho que isso no final depende mais do gosto pessoal :think:

A tradução do Ivan é realmente muito boa; mas existem determinadas coisas que ela não conseguiu passar, como a velocidade do verso do Eliot ou algumas rimas nos finais do verso, como meaningless-grass-glass (observar o trocadilho entre grass-glass); a repetição de men no finalzinho (que existe também no começo); o trocadilho shape-shade na segunda estrofe etc.

(ainda que o Ivan tenha recriado alguns destes efeitos, como a forte aliteração em S no final dos versos: dessecadas-sussurramos-inexpressas; a aliteração em C: secos-cacos [além da excelente sonoridade de: "(...) Relva SeCa / ou péS de RatoS SobRe CaCoS"]; o trocadilho fôrma-forma [ressuscitado parcamente com "força" no verso seguinte]; a rima empalhados-amparados [e cor-vigor, de certo modo] etc)

Acho que essa lógica de tradução melhor que texto original só pode ser aplicada com efeito a textos originais ruins, como um Paulo Coelho da vida. Por mais que o tradutor seja de grande nível (citando um exemplo, Manoel Odorico Mendes), ele dificilmente conseguirá ultrapassar a qualidade do texto original (Virgílio e Homero, no caso do exemplo); mesmo porque este não é nem o objetivo (reparar o texto original como um mecânico ou coisa do tipo).
 
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eu não achei as traduções superiores ao original, não. eu acho que entra mais na área de recepção do que de tradução: o seu conhecimento de mundo influenciando no juízo que fará de um texto. no caso, parte disso é sua relação com a língua estrangeira e com a língua mãe. para mim o texto do eliot é tão lindo em inglês, com uma sonoridade tão poderosa que quase consigo escutá-lo declamando. o junqueira preserva o sentido, mas obviamente acaba abrindo mão em muito dessa sonoridade, do ritmo. só ver o que faz de "Alas!" (\?-?las\), transformando em "Ai de nós".

edit: concordo com o que o mavericco disse:

Acho que essa lógica de tradução melhor que texto original só pode ser aplicada com efeito a textos originais ruins, como um Paulo Coelho da vida. Por mais que o tradutor seja de grande nível (citando um exemplo, Manoel Odorico Mendes), ele dificilmente conseguirá ultrapassar a qualidade do texto original (Virgílio e Homero, no caso do exemplo); mesmo porque este não é nem o objetivo (reparar o texto original como um mecânico ou coisa do tipo).
 
É, eu notei os trocadilhos (embora não os consiga apreciar, rs), mas não sei se seria possível algo semelhante em português.

O que me levou a fazer essa pergunta é que, em geral, a tradução só nos desperta para ler o original em dois casos: ou quando é muito boa ou quando é muito má. E essa me deu muita curiosidade de ver como é o original porque fiquei encantada com a estrutura, etc. et al, e pensei "putz, o original deve ser deslumbrante!" Aí fui ver e nem curti tanto... ¬¬ Mas tenho minhas limitações já mencionadas, diga-se.

(E também pq pela primeira vez me interessou esse negócio de tradução em literatura - até hoje eu só fazia muita questão disso com a Bíblia, nunca passou pela minha cabeça que com outros livros seria assim também. :doh: . Até porque se eu tivesse lido a outra tradução, nem teria gostado com a mesma intensidade. Isso faz a gnt ter medo! Imagina quanta coisa não já perdi por ter lido traduções esquisitas...! ohno)
 
Manu M. disse:
(E também pq pela primeira vez me interessou esse negócio de tradução em literatura - até hoje eu só fazia muita questão disso com a Bíblia, nunca passou pela minha cabeça que com outros livros seria assim também. :doh: . Até porque se eu tivesse lido a outra tradução, nem teria gostado com a mesma intensidade. Isso faz a gnt ter medo! Imagina quanta coisa não já perdi por ter lido traduções esquisitas...! ohno)

né? tem livro que até hj estou para reler por causa disso. e adoraria saber mais línguas para ler outros no original. pq sempre tem algo que se perde ao se traduzir, e às vezes o tradutor acaba imprimindo sua própria leitura do texto na tradução, o que já seria um "segundo" texto que chega nas suas mãos.

sério, isso me deixa nervosa >< tanto que eu tendo muito mais para os autores em língua inglesa, pq aí posso ler no original sem problemas. ou pelo menos consigo identificar os problemas quando leio a tradução hehe
 
Tradução pra mim sempre será algo muito profundo e que jamais pode ser visto igual a uma ciência exata onde o número 31 na base decimal, traduzido em hexadecimal é "1F" e se traduzido para binário será "11111" e sempre tendo esses resultados em cada base sem admitir nenhuma outra equivalência. Tudo seria muito prático se os idiomas funcionassem igual a matemática.

Na tradução de texto mais formal já existe algumas discrepâncias, mas no literário a imersão, a experiência e a personalidade do tradutor entram em cena mais do que nunca, pois é preciso não apenas converter um código em outro e sim olhar outros fatores como contexto histórico (quanto mais antiga a publicação, mais complicado tende a ficar), o contexto literário, enfim tentar entrar em sintonia máxima possível com a forma de pensar do autor na época em que foi escrito.

Não sou de afirmar se uma determinada tradução ficou melhor que o original, mas que certamente não é igual, isso é.
 
Não sou de afirmar se uma determinada tradução ficou melhor que o original, mas que certamente não é igual, isso é.
É isso aí, há muitas maneiras de se traduzir algo. Se você der uma olhadinha nas traduções de A Odisseia vai ver que são muito diferentes, mesmo o texto original sendo o mesmo. É claro que o sentido continua o mesmo, mas é impossível expressar a mesma coisa da mesma forma em um idioma que não é o original.
Existe uma história de que o Gabriel García Márquez achava a tradução em inglês de Cem Anos de Solidão melhor do que o original que ele escreveu em espanhol, mas não sei se isso é verdade ou se é só um boato.
 
A mensagem original está fadada a lutar contra o desvirtuamento. No caso da tradução é até possível alguns profissionais se tornarem suficientemente bons para lerem a motivação que vai por trás da pena levantando a possibilidade de melhorar ou realçar a ideia do autor. Mas se possível o ideal seria manter até mesmo a intenção dúbia ou a falta de clareza do autor do trabalho se assim estiver na obra. Do contrário o tradutor entraria no papel de co-autoria que seria outra tarefa.

Para se cobrar um padrão mínimo, seguindo normas gramaticais e de tradução, o certo é o leitor também se tornar alguém ciente de que as mensagens originais sofrem um "dumbing down" quando são alteradas para publicação. É um mal natural da comunicação (transmissão) e se convive com ele.
 
Em textos muito antigos, de um lado pode ser até bom o tradutor converter usando termos totalmente atuais que facilitem a compreensão (já imaginaram uma Bíblia em português totalmente assim com termos bem atuais?), mas por outro a alma histórica do texto original fica comprometida. Então é sempre um dilema querer fazer uma coisa sem deixar de fazer outra.
 
Em textos muito antigos, de um lado pode ser até bom o tradutor converter usando termos totalmente atuais que facilitem a compreensão (já imaginaram uma Bíblia em português totalmente assim com termos bem atuais?), mas por outro a alma histórica do texto original fica comprometida. Então é sempre um dilema querer fazer uma coisa sem deixar de fazer outra.
Existe Bíblia com termos atuais. Há dois tipos principais de tradução bíblica: formal equivalence e dynamical equivalence. Na formal equivalence o texto é traduzido palavra por palavra o máximo possível, já na dynamical equivalence são usadas frases atuais com sentido equivalente ao original.
Exemplo: amai-vos uns aos outros com amor entranhável (literalmente, com as entranhas, com as tripas). Essa expressão significa amai-vos uns aos outros com todas as forças, ou seja, de todo o coração.
Um exemplo de Bíblia em português que usa o método word-for-word (formal equivalence) é a famosa tradução de João Ferreira de Almeida (conhecida simplesmente como Versão Almeida), e um exemplo de tradução thought-for-thought (dynamic equivalence) seria a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (geralmente chamada de NTLH).

E realmente, como você disse, se é uma tradução usando equivalência formal você ganha em precisão mas perde em legibilidade pois acaba sendo uma leitura mais densa, pois muitas expressões antigas já não são mais usadas ou não existem em nosso idioma. Já as traduções de equivalência dinâmica por sua vez são fáceis de ler, mas não é uma tradução palavra por palavra e, portanto, perde-se algumas sutilezas presentes no texto original.
 
Existe Bíblia com termos atuais. Há dois tipos principais de tradução bíblica: formal equivalence e dynamical equivalence. Na formal equivalence o texto é traduzido palavra por palavra o máximo possível, já na dynamical equivalence são usadas frases atuais com sentido equivalente ao original.
Exemplo: amai-vos uns aos outros com amor entranhável (literalmente, com as entranhas, com as tripas). Essa expressão significa amai-vos uns aos outros com todas as forças, ou seja, de todo o coração.
Um exemplo de Bíblia em português que usa o método word-for-word (formal equivalence) é a famosa tradução de João Ferreira de Almeida (conhecida simplesmente como Versão Almeida), e um exemplo de tradução thought-for-thought (dynamic equivalence) seria a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (geralmente chamada de NTLH).

E realmente, como você disse, se é uma tradução usando equivalência formal você ganha em precisão mas perde em legibilidade pois acaba sendo uma leitura mais densa, pois muitas expressões antigas já não são mais usadas ou não existem em nosso idioma. Já as traduções de equivalência dinâmica por sua vez são fáceis de ler, mas não é uma tradução palavra por palavra e, portanto, perde-se algumas sutilezas presentes no texto original.

Legal. Eu nunca fui atrás, mas é bom saber.
 

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