Na verdade Fábio, o Cristopher utilizou versões até
bem detalhadas ( mas que nunca foram muito
pormenorizadas -a única versão mais minuciosa era o
Conto perdido do Nauglafring : The Necklace of the
Dwarves ( no The Book of Lost Tales II) que era mais
incompatível ainda) da história da Ruína de Doriath.
O problema é que elas apresentavam uma porção de
incompatibilidades e discrepâncias com elementos que o
Tolkien redefiniu posteriormente ( a natureza dos
anões, a personalidade do Thingol, o poder da Cerca( e
da própria Melian, etc)
Como você agora pode ver, o The Wanderings deveria
ter fornecido a história completa mas ficou inacabado
e, ao contrário do que o Martinez deu a entender, foi
utililizado na redação da Ruína sim. Mas como ele não
possuía outro recurso a solução foi usar textos feitos
quase trinta anos antes para completar a história.
Não obstante esse fato, o que o Martinez escreveu foi
isso reproduzido abaixo.
<<On the other hand, "The Wanderings of Hurin" is an
important extension of the story of Turin and his
father, and it should not have been excluded, raw
though it was in the form in which Christopher found
it (in fact, the published version is very different
from the unedited manuscripts, by Christopher's
explanation). The story of Turin must return to
Doriath, and it does so quite inadequately in the
published Silmarillion because Christopher literally
chopped the end of the story off and fabricated an
entirely new ending.>>
Traduzindo o texto :
<<Por outro lado " As Vagueações de Húrin" é uma
importante extensão da estória de Túrin e seu pai , e
não deveria ter sido excluída ( nota minha: pelo
resumo do Deriel você agora sabem que ela NÃO FOI
EXCLUÍDA) por mais inacabada que estivesse na forma
com que Cristopher a encontrou ( na verdade a versão
publicada é muito diferente dos manuscritos sem
editamento , segundo a explicação do Cristopher).A
estória de Turin deveria retornar à Doriath e ela o
faz tão inadequadamente no Silmarillion publicado
porque Cristopher LITERALMENTE CORTOU FORA O FINAL DA
ESTÓRIA E FABRICOU UM FINAL INTEIRAMENTE NOVO ( o
grifo é meu)>>
Isso é conversa gente: o Cristopher não cortou o final
da história de Doriath O final do The Wanderings não
foi incluído simplesmente porque não existia. ( o
manuscrito se encerra com a chegada dele em
Brethil.daí em diante só há notas e apontamentos.)
O problema é que ele queria provar que o Silmarillion
não seria canônico( o que é fato indiscutível) e para
fazer isso, esquecendo-se ( na melhor das hipóteses
por que, caso contrário, a hipótese restante é que
ele tenha agido assim deliberadamente) que muita gente
não leu o The Wanderings ou outros livros da História
da Terra Média , exagerou os fatos, dando a entender,
para o leitor desavisado, que o Cristopher inventou a
história toda. Isso não é verdade e mais adiante vai
ficar claro o porquê.
Devido ao fato de The Wanderings ser incompleto ,outra
fonte usada pelo Cristopher além dos Anais de
Beleriand do The Shapping ( The Shaping of Middle
Earth, HOME 4 )foram The Earliest Silmarillion e The
Quenta publicados no mesmo livro e a segunda versão
dos Anais presente no The Lost Road.( HOME 5)
Com a sua leitura, fica claro que Da Ruína de Doriath,
como está no Silmarillion é , praticamente, uma
transcrição do conteúdo desses textos ( mais o The
Wanderings of Húrin, ainda que resumido) onde é
narrada a Guerra com os Anões , a subsequente
intervenção de Beren e Lúthien e a Batalha de Sarn
athrad.
As alterações feitas pelas mãos do Cristopher foram
poucas sendo que a história do Dior Elúchil está do
jeitinho que ficou no Silmarillion.As alterações como
eu falei se dão entre Nargothrond e a Batalha de Sarn
Athrad e dificilmente correspondem a uma modificação
completa da trama como ficará demonstrado a seguir.
Em resumo, esses textos contavam a história da
seguinte maneira ( as modificações e os motivos por
detrás delas ficarão óbvias com uma posterior
comparação com o Silmarillion):
Húrin não foi sozinho até Nargothrond mas reuniu um
bando de foras da lei consigo ( reunidos em Brethil)
Lá chegando eles roubam o tesouro que havia sido
apoderado por Mim, o anão e remanescentes do seu povo,
A Maldição sobre o tesouro de Nargothrond é lançada
por Mim no momento da sua morte ( Mim aparecia aí pela
primeira vez, ele não participa na primeira versão da
história do Túrin).
Praticamente todo o bando de Húrin morre vítima da
maldição e ele chega sozinho até Doriath
Thingol avisado de que o tesouro está desquarnecido
manda levá-lo para Doriath ( uma coisa meio palha :
como Húrin poderia escarnecer do Thingol sendo que ,
no fim das contas não foi ele que levou coisa alguma
para Doriath? O próprio Cristopher comenta isso.)
.Húrin culpa Thingol pela desgraça do Túrin e parte de
Doriath( sem perceber que tinha sido manipulado) após
o que rumores dizem que ele se encontra com Morwen
antes de morrer.
Thingol, sob a influência simultânea da maldição do
ouro e da sedução do silmaril, manda fazer o
Nauglamir( o Nauglamir ainda não existia como o
Tolkien mais tarde decidiu) contratando anões
joalheiros de Belegost e/ou Nogrod. Os anões são
atraídos pelo Tesouro( o anões eram uma raça má no
Lost Tales e vestígios dessa concepção estão nesses
textos posteriores ) e clamam a sua posse uma vez que
foi roubado de Mim e do seu povo( que fora exterminado
pelos elfos). Eles e Thingol discutem e ele os expulsa
de Doriath sem a remuneração estipulada.
Os anões invadem Doriath com a ajuda de elfos
gananciosos (?) do Reino Escondido e conseguem matar
Thingol que estava numa boa ,caçando na Floresta
depois de ter humilhado os anões ( isso é praticamente
igual à versão do Lost Tales) . O Thingol primitivo
era uma peça rara ,conseguia ser tão popular a ponto
de ser traído por elfos em Doriath mesmo aconselhado
pela sua mega mulher ,( elfos esses que eram capazes
de fazer um exército inteiro de anões ultrapassar a
Cerca de Melian (?)mesmo com os vigias atentos*,) e
ainda fica pensando que os anões iam deixar barato o
calote, indo passear numa nice na floresta enquanto
seu lobo não vinha ( afinal, quem sabe, pensava ele,
o lobo já tinha vindo, he, he, he, he
)
(* o Cristopher achou que isso era um absurdo e eu
concordo com ele: foi um artifício simples demais ( "a
too simple device") para justificar a transposição da
Cerca e incompatível com a visão que oTolkien fez dela
mais tarde)
Como dá pra ver pessoal, desse jeito a história não
podia ficar, o próprio Tolkien se fosse preparar a
história para publicação iria perceber que tinha muita
coisa absurda e teria feito modificações antes de
fazê-lo.
Infelizmente, essas alterações tiveram de ser feitas
pela mão do Cristopher e do Guy Kay mas vejam só ( aí
vêm as alterações) bolar que o Thingol teria sido
morto pelos joalheiros ainda em Menegroth, que a sua
perseguição ( a dos joalheiros homicidas) e
subsequente massacre na floresta pelos elfos seria o
estopim da guerra denunciado pelos sobreviventes em
Nogrod, e que, ao atacar Doriath, o exército anão de
Nogrod JÁ TERIA encontrado O Reino Escondido sem a
proteção de Melian( uma vez que ela, desgostosa, já
teria partido para Valinor), realmente foram soluções
lógicas, compatíveis com a ambientação e com a
caracterização dos personagens e raças envolvidos.
Além do mais, ele usou isso como uma oportunidade de
fazer o Pastores das árvores mencionados previamente (
o Tolkien criou os ents muito tardiamente) aparecerem
de alguma forma na Quenta Silmarillion( tirando o
capítulo em que foram criados).
E o Cristopher Tolkien ao que parece não teve
escolha a não ser usar as versões de HOME 4 e 5 porque
a parte "Beleriandica" da última versão do
Silmarillion não forneceu dados adicionais sobre a
Ruína de Doriath ( The Wanderings deveria ter feito
isso mas infelizmente não fez ,ficou inconclusa).
Pessoalmente, eu acho a narração da conversa de Húrin
e Thingol em Doriath uma coisa linda mesmo que, ao que
tudo indica, ela não tenha sido escrita pelo Tolkien
mas sim pelo Guy Kay ( que é um escritor inglês de
Fantasia)segundo o que o Cristopher disse num trecho
citado no ensaio do Gil-galad.
This story was not lightly or easily conceived, but
was the outcome of long experimentation among
alternative conceptions. IN THIS WORK GUY KAY TOOK A
MAJOR PART, AND THE CHAPTER THAT I FINALLY WROTE OWES
MUCH TO MY DISCUSSIONS WITH HIM. ( grifo meu)
No fim das contas Húrin percebe que fora usado por
Morgoth e entrega o colar sem escárnio depois de fitar
os olhos de Melian, a maia. ( o quanto disso foi
baseado nas notas do final do The Wanderings,
Deriel?)
"Aceita pois o Colar dos Anões como uma dádiva de
alguém que não tem nada e como uma lembrança de Húrin
de Dor-Lómin" (...)
Um final digno de um herói da grandeza de Húrin ( eu
gostei do fato de que ele vê a luz no final e que a
influência de Melkor sobre ele é expurgada em
Doriath), em minha opinião .
E a morte do Thingol, que nunca ficou lá essas
coisas, também ficou legal para mim ( no Lost Tales
ela nem é descrita , há uma descrição muito da hora do
modo como Thingol foi para a Caçada ( feita para
comemorar a caçada a Carcharoth) mas depois o que se
fala é do anão Naugladûr invadindo a sala do trono de
Menegroth para escarnecer de Melian ( que lá e chamada
Gwendeling ) enquanto ela conversava com um elfo
traidor um tal de Ufedhin, já carregando a cabeça de
Tinwelint ( Thingol) e o colar no pescoço dele. E a
Gwendeling só foge para alertar Beren e Lúthien ( que
diferença da Maia cujo poder rechaçaria ( na versão
posterior Ungoliant "envolta num terror de trevas" das
cercanias de Doriath, não é?).
Espero que esse sumário tenha ajudado a esclarecer o
problema da Ruína de Doriath (espero que um dia todo
mundo aqui no Brasil possa tirar as conclusões por
conta própria qdo e se os livros saírem aqui/.Até
então cuidado com as generalizações ( que são sempre
perigosas ) e com textos que possuem o intento de
persuadir a par do mister de informar.
--- Fabio Bettega <
bettega@...> escreveu: >
> Bom, do que eu entendi daquele capitulo do HoME 11
> e do que eu
> lembro do Silmarillion (preciso reler pelo menos a
> Queda de Doriath),
> posso dizer que:
>
> - o capitulo é extremamente confuso. Não existe um
> texto linear e
> sim uma coleção de rascunhos, ideias, testes e
> correcoes. Era algo
> bem primario
>
> - pelos comentarios percebe-se claramente que
> Tolkien estava
> bastante preocupado em conectar a historia do
> Nauglamir que estava em
> Nargothrond a Thingol
>
> - aparentemente Chistopher praticamente escreveu o
> capitulo, a
> aprtir de rascunhos linhas gerais e outros detalhes
> deixados por
> Tolkien, infelizmente; Alias, por isso que a morte
> de Thingol parece
> tão besta... pq basicamente nada tinha sido escrito
> sobre ela.
>
> Vou dar uma relida no Silmarillion e amanha coloco
> alguns impressoes
> mais exatas.