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Teoria hindu dos três gunas - René Guenon

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Paganus

Visitante
Do livro 'O simbolismo da Cruz'
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Antes de ir mais longe a propósito do que acaba de ser dito, devemos recordar as indicações que demos sobre a teoria hindú dos três gunas [1]; nossa intenção não é tratar esta teoria completamente, com todas as suas aplicações, mas unicamente apresentar uma noção dela no que se refere ao nosso tema. Estes três gunas são qualidade ou atribuições essenciais, constitutivas e primordiais dos seres considerados em seus diferentes estados de manifestação [2]; não são pois estados, senão condições gerais a que os seres estão submetidos, e pelas quais estão ligados de algum modo [3], e das quais participam segundo proporções indefinidamente variadas, em virtude das quais se repartem hierarquicamente no conjunto dos ''três mundos'' (Tribhuvana), isto é, de todos os graus da Existência Universal.

As três gunas: sattva, a conformidade com a essência pura do Ser (Sat), que é idêntica à luz do Conhecimento (jJâna), simbolizada pela luminosidade das esferas celestes, que representam os estados superiores do ser; rajas, a impulsão, que provoca a expansão do ser em um estado determinado, isto é, o desenvolvimento daquelas possibilidades suas que se situam em um certo nível da Existência; finalmente, tamas, a obscuridade, assimilada à ignorância (avidyâ), raiz tenebrosa do ser considerado em seus estados inferiores. Isto é verdade para todos os estados manifestados do ser, quaisquer que sejam, mas, naturalmente, estas qualidades ou tendências também podem ser consideradas mais particularmente para o estado humano: sattva, tendência ascendente, se refere sempre aos estados superiores, relativamente ao estado particular tomado como base ou como ponto de partida desta repartição hierárquica, e tamas, tendência descendente, aos estados inferiores do ser em relação a este mesmo estado; quanto a rajas, se refere a este último [estado] quando ocupa uma situação intermediária entre os estados superiores e os estados inferiores, e, por conseguinte, definido por uma tedência que não é nem ascendente nem descendente, mas horizontal; e, no caso presente, esse estado é o ''mundo do homem'' (mânava-loka), isto é, o domínio ou o grau ocupado pelo estado humano na Existência Universal. Pode ser vista agora sem esforço a relação de tudo isto com o simbolismo da cruz, seja ao considerá-lo desde o ponto de vista metafísico ou desde o ponto de vista cosmológico, tanto em sua aplicação à ordem ''macrocósmica'' ou à ordem ''microcósmica''. Em todo caso, podemos dizer que rajas corresponde à linha horizontal toda, ou melhor, se consideramos a cruz de três dimensões, ao conjunto das duas linhas que definem o plano horizontal; tamas corresponde à parte inferior da linha vertical, isto é, a que está situada abaixo deste plano horizontal, e sattva corresponde à parte superior desta mesma linha vertical, isto é, a que está situada acima do plano em questão, que divide assim em dois hemisférios superior e inferior a esfera indefinida da qual falamos mais atrás.

Em um texto do Vêda, os três gunas são representados se convertendo um no outro, procedendo segundo uma ordem ascendente: ''Tudo era tamas (na origem da manifestação considerada saindo da indiferenciação primordial de Prakriti). Ele (isto é, o Supremo Brahma) enviou uma mundança, e tamas tomou a cor (isto é, a natureza) [4] derajas (intermediário entre a obscuridade e a luminosidade); e rajas, tendo recebido um novo mandato, revestiu a natureza de sattva''. Se considerarmos a cruz de três dimensões sendo traçada a partir do centro de uma esfera, assim como acabamos de fazê-lo e como teremos de fazer frequentemente no que se segue, a conversão de tamas em rajas pode ser representada descrevendo a metade inferior desta esfera a partir de um polo até o equador, e a de rajas em sattva pode ser representada como descrevendo a metade superior da mesma esferam a partir do equador até o outro polo. O plano do equador, na horizontal, representa então, como dissemos, o domínio da expansão de rajas, enquanto que tamas e sattva tendem respectivamente até os dois polos, extremidades do eixo vertical [5]. Enfim, o ponto a partir de onde se ordena a conversão de tamas em rajas, e, depois, da conversão de rajas em sattva, é o próprio centro da esfera, assim como rapidamente se pode dar conta remetendo-se às considerações expostas no capítulo precedente [6]; no mais, no que se seguirá, teremos a ocasião de explicá-lo de forma ainda mais completa [7].



Isto é igualmente aplicável tanto ao conjunto de graus da Existência Universal quanto ao dos estados de um ser qualquer; há sempre uma perfeita correspondência entre estes dois casos, posto que cada estado de um ser, com toda a extensão de que é suscetível (e que é indefinida), se desenvolve em um grau determindado da Existência. Ademais, podem ser feitas algumas aplicações mais particulares disto, concretamente, na ordem cosmológica, à esfera dos elementos; mas, como a teoria dos elementos não entra no nosso presente tema, é preferível reservar tudo que concerne a ela para outro esudo, em que nos proponhamos tratar das condições da existência corporal.

[1] Ver Introducción general al estudio de las doctrinas hindúes, pág. 244, ed. francesa, e El Hombre y su devenir según el Vêdânta, cap. IV.

[2] Os três gunas são com efeito inerentes à própria Prakriti, que é a ''raiz'' (mûla) da manifestação universal; além do mais, estão em perfeito equilíbrio em sua indiferenciação primordial, e toda manifestação representa uma ruptura desse equilíbrio.

[3] Em sua acepção ordinária e literal, a palavra guna significa ''corda''; do mesmo modo, os termos bandha e pâsha, que significam propriamente ''laço'', se aplicam a todas as condições particulares e limitativas da existência (upâdhis), que definem mais especialmente tal ou qual estado ou modo de manifestação. É importante dizer, não obstante, que a denominação guna se aplica mais particularmente à corda de um arco; assim pois, sob um certo aspecto ao menos, expressaria a idéia de ''tensão'' em diversos graus, de onde, por analogia, a de ''qualificação''; mas quiçá é menos a idéia de ''tensão'' que a de ''tendência'' que é importante ver aqui, idéia que lhe está aparentada como as palavras mesmas indicam, e que é a que responde mais exatamente à definição dos três gunas.

[4] A palavra varna, que significa propriamente ''cor'', e por generalização ''qualidade'', se emprega analogicamente para designar a natureza ou a essência de um princípio ou de um ser; daí deriva também seu uso no sentido de ''casta'', porque a constituição das castas, considerada em sua razão profunda, traduz essencialmente a diverdade das naturezas próprias aos diferentes indivíduos humanos (ver Introducción general al estudio de las doctrinas hindúes, 3ª parte, capítulo VI). Além do mais, no que concerne aos três gunas, eles são representados efetivamente por cores simbólicas: tamas pelo negro, rajas pelo vermelho e sattva pelo branco (Chândogya Upanishad, 6º Prapâthaka, 3º Khanda, shruti 1; cf. Autoridad espiritual y poder temporal, pág. 53, ed. francesa).

[5] Este simbolismo nos parece esclarecer e justificar suficientemente a imagem da ''corda do arco'' que, como já dissemos, se encontra implícita no significado do termo guna.

[6] É a este papel do Princípio, no mundo e em cada ser, a que se refere a expressão de ''ordenador interno'' (antar-yâmi); ele dirige todas as coisas desde o interior, residindo ele mesmo no ponto mais interior de todos, que é o centro (ver El Hombre y su devenir según el Vêdânta, capítulo XIV).

[7] Sobre este mesmo texto, considerado como um esquema da organização dos ''três mundos'' em correspondência com os três gunas, ver El Esoterismo de Dante, capítulo VI.
 

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