Com licença,
Yowza.
Ok, voltando ao normal.
Alan Moore não é humano. Eu cheguei a essa conclusão. Supremo - A História do Ano não só revitaliza personagens insípidos e derivativos criados por Rob Liefeld (anticristo), mas principalmente, é algo tão único e revolucionário que eu nem sei por onde começar.
Moore, ao mesmo tempo em que nos apresenta o personagem Supremo e sua vida, faz um estudo da história do Super-Homem (o super-herói básico e o primeiro de todos, o que é a base da narrativa aqui) e da evolução da DC Comics, analisando suas fases mais importantes e as características de cada uma, em contraposição à Era Moderna, numa roupagem satírica e mindfuck, onde tudo tem mais significado do que deixa transparecer à primeira vista.
A própria vida do personagem é uma metáfora para o processo editorial, onde o personagem revitalizado (ou original) é criado (ou recriado) do nada, aguardando que as lacunas do seu passado sejam preenchidas conforme sua cronologia avança. Isso é mostrado de forma tão literal logo no primeiro capítulo, que causa choque e estranheza, e pode chegar a ser considerado ridículo por quem não tem conhecimento suficiente para fazer uma análise mais apurada do que o Moore realmente está querendo dizer ali.
E isso é proposital, sem dúvida. O Moore satiriza tudo e todos nessa história, até a si próprio (vou voltar a falar sobre isso mais tarde), e com certeza o objetivo não é deixar tudo claro para todo mundo. Tanto que as partes do "presente" na história parecem ser desenhadas num estilo-Image exacerbado, quase satírico, e eu não sei se ele instruiu os artistas desses trechos para que o fizessem assim ou se já os escolheu sabendo que eles pussuíam esse estilo. Creio que houve instruções, pois eu conheço o estilo do Joe Bennet (que por acaso é brasileiro), e ele parece bem exagerado (mais do que o normal) nessa história.
Ao passo que as partes do presente na história seguem um estilo icônico dos anos 90, os flashbacks são feitos por outros artistas, seguindo um estilo retrô que mimetiza a época apresentada em cada flashback. O primeiro, que conta a origem do herói, é feito por Keith Giffen e Al Gordon, que abertamente homenageiam Curt Swan (1920-1996, desenhista clássico do Super-Homem). O estilo que Giffen e Gordon usaram é totalmente Era de Ouro, período que começou com a criação do Super-Homem, o que torna óbvio porque foi escolhido por Moore para situar a origem do Supremo.
Mas se a coisa parasse por aí, teríamos apenas uma obra com um recurso estilístico interessante. Moore vai além disso. O texto acompanha a arte, e os flashbacks são escritos como se fossem histórias daquela época. E o mais impressionante, conforme os flashbacks vão avançando, o texto e a arte vai evoluindo, acompanhando a evolução que houve realmente nos quadrinhos do Super-Homem. Referências a todos os acontecimentos, personagens e clichês mais importantes estão lá, cada uma no seu período de origem.
Assim sendo, é óbvio que a Sociedade da Justiça e a Liga da Justiça entram em algum lugar dessa história. E, sim, elas estão lá, ou melhor, versões delas. A Sociedade da Justiça aparece como a primeira equipe de super-heróis criada (o que realmente foi, editorialmente falando), e nessa história ela é chamada de "Os Super-homens aliados da América", que mais tarde se tornam simplesmente "Os Aliados" (fazendo referência à mudança de "Sociedade da Justiça" para "Liga da Justiça"). Mas a equipe não é composta simplesmente por versões satirizadas dos personagens da DC. Ao invés disso, Moore cria personagens que representam o lado ingênuo e muitas vezes ridículo dos personagens da Era de Ouro.
Porém, alguns componentes da equipe não foram criados por Moore. E essa parte eu tenho que colocar como spoiler, porque é uma coisa que você só acaba se ligando no segundo volume.
[spoiler:6e27960754]Certos membros da equipe são personagens do Youngblood, criados pelo mesmo Liefeld que criou o Supremo. Ao colocá-los nos "Super-Homens Aliados da América", e fazendo com que fossem justamente aqueles que continuariam na equipe quando essa mudasse para "Os Aliados", Moore cria um passado para eles, ao mesmo tempo em que joga na cara do Liefeld o quanto os personagens que ele criou são derivativos. Não sei se o Liefeld entendeu a piada, mas eu entendi. Parabéns, Sr. Moore. Ganhou ainda mais respeito de mim, se é que isso é possível. [/spoiler:6e27960754]
Bom, eu falei tudo isso e ainda nem cheguei ao segundo volume (a história tem três volumes de 100 páginas). Mas é porque essa história é assim mesmo, complexa e interessante, e repleta de significado. No final do primeiro volume, por exemplo, Moore insere na história a criação da EC Comics, que foi a maior concorrente da DC nos anos 50. A EC é responsável, entre outras coisas, pela revista MAD e pela saudosa "Tales From The Cript". O jeito como Moore insere a editora na história, e o impacto que ela teve nos quadrinhos da época é brilhante.
Eu me concentrei nos flashbacks até agora, não entregando muito o jogo sobre o que acontece no presente da história. Não se enganem, essas partes são igualmente interessantes, e o realismo delas contrasta tanto com os flashbacks como as histórias de hoje em dia contrastam com as histórias das Eras de Ouro e de Prata. O próprio personagem acha estranho o modo como as memórias dele parecem "coloridas e supersimplificadas, da maneira como as coisas pareciam quando eu era jovem ( )".
Vamos falar um pouco do presente, então. Jogando a sutileza no ventilador, Moore deu ao Supremo uma identidade secreta onde ele é um artista de quadrinhos. Sim, isso mesmo. A identidade secreta do Supremo é um desenhista americano, que desenha um super-herói que é roteirizado por um escritor inglês ( ) que é simplesmente insuportável e só quer saber de matar os personagens ( ) e colocar referências literárias nos momentos mais impróprios ( ).
Aí eu cheguei na parte onde o Moore satiriza a si mesmo. Não só a si mesmo, ele faz referência à invasão de escritores ingleses nos quadrinhos americanos, que já vêm acontecendo há algum tempo, e que foi responsável pelo tom cínico das histórias atuais.
Muitas das partes mais engraçadas da história têm o roteirista inglês envolvido, inclusive um momento no volume II onde...
[spoiler:6e27960754]... atingido por radiação, o roteirista começa a se multiplicar exponencialmente, tornando-se basicamente um padrão fractal feito de braços, o que é uma clara referência ao próprio Moore e seu estado prolixo atual, onde ele escreve um número absurdo de títulos ao mesmo tempo, talvez mais do que seja bom para a própria saúde. [/spoiler:6e27960754]
Bem, agora chega. Eu quero que vocês comprem. Leiam. Vale muito a pena. Corram atrás. Alucinadamente.
É sério.
P.S.: como eu já disse, são 3 volumes de 100 páginas, em formato americano e cada um custa em torno de 30 reais. É publicado pela Brainstore, o que significa que você não vai achar em bancas comuns, mas faça o possível e o impossível pra conseguir. Viaje pra outro estado, se preciso. Sua vida depende disso.
Yowza.
Ok, voltando ao normal.
Alan Moore não é humano. Eu cheguei a essa conclusão. Supremo - A História do Ano não só revitaliza personagens insípidos e derivativos criados por Rob Liefeld (anticristo), mas principalmente, é algo tão único e revolucionário que eu nem sei por onde começar.
Moore, ao mesmo tempo em que nos apresenta o personagem Supremo e sua vida, faz um estudo da história do Super-Homem (o super-herói básico e o primeiro de todos, o que é a base da narrativa aqui) e da evolução da DC Comics, analisando suas fases mais importantes e as características de cada uma, em contraposição à Era Moderna, numa roupagem satírica e mindfuck, onde tudo tem mais significado do que deixa transparecer à primeira vista.
A própria vida do personagem é uma metáfora para o processo editorial, onde o personagem revitalizado (ou original) é criado (ou recriado) do nada, aguardando que as lacunas do seu passado sejam preenchidas conforme sua cronologia avança. Isso é mostrado de forma tão literal logo no primeiro capítulo, que causa choque e estranheza, e pode chegar a ser considerado ridículo por quem não tem conhecimento suficiente para fazer uma análise mais apurada do que o Moore realmente está querendo dizer ali.
E isso é proposital, sem dúvida. O Moore satiriza tudo e todos nessa história, até a si próprio (vou voltar a falar sobre isso mais tarde), e com certeza o objetivo não é deixar tudo claro para todo mundo. Tanto que as partes do "presente" na história parecem ser desenhadas num estilo-Image exacerbado, quase satírico, e eu não sei se ele instruiu os artistas desses trechos para que o fizessem assim ou se já os escolheu sabendo que eles pussuíam esse estilo. Creio que houve instruções, pois eu conheço o estilo do Joe Bennet (que por acaso é brasileiro), e ele parece bem exagerado (mais do que o normal) nessa história.
Ao passo que as partes do presente na história seguem um estilo icônico dos anos 90, os flashbacks são feitos por outros artistas, seguindo um estilo retrô que mimetiza a época apresentada em cada flashback. O primeiro, que conta a origem do herói, é feito por Keith Giffen e Al Gordon, que abertamente homenageiam Curt Swan (1920-1996, desenhista clássico do Super-Homem). O estilo que Giffen e Gordon usaram é totalmente Era de Ouro, período que começou com a criação do Super-Homem, o que torna óbvio porque foi escolhido por Moore para situar a origem do Supremo.
Mas se a coisa parasse por aí, teríamos apenas uma obra com um recurso estilístico interessante. Moore vai além disso. O texto acompanha a arte, e os flashbacks são escritos como se fossem histórias daquela época. E o mais impressionante, conforme os flashbacks vão avançando, o texto e a arte vai evoluindo, acompanhando a evolução que houve realmente nos quadrinhos do Super-Homem. Referências a todos os acontecimentos, personagens e clichês mais importantes estão lá, cada uma no seu período de origem.
Assim sendo, é óbvio que a Sociedade da Justiça e a Liga da Justiça entram em algum lugar dessa história. E, sim, elas estão lá, ou melhor, versões delas. A Sociedade da Justiça aparece como a primeira equipe de super-heróis criada (o que realmente foi, editorialmente falando), e nessa história ela é chamada de "Os Super-homens aliados da América", que mais tarde se tornam simplesmente "Os Aliados" (fazendo referência à mudança de "Sociedade da Justiça" para "Liga da Justiça"). Mas a equipe não é composta simplesmente por versões satirizadas dos personagens da DC. Ao invés disso, Moore cria personagens que representam o lado ingênuo e muitas vezes ridículo dos personagens da Era de Ouro.
Porém, alguns componentes da equipe não foram criados por Moore. E essa parte eu tenho que colocar como spoiler, porque é uma coisa que você só acaba se ligando no segundo volume.
[spoiler:6e27960754]Certos membros da equipe são personagens do Youngblood, criados pelo mesmo Liefeld que criou o Supremo. Ao colocá-los nos "Super-Homens Aliados da América", e fazendo com que fossem justamente aqueles que continuariam na equipe quando essa mudasse para "Os Aliados", Moore cria um passado para eles, ao mesmo tempo em que joga na cara do Liefeld o quanto os personagens que ele criou são derivativos. Não sei se o Liefeld entendeu a piada, mas eu entendi. Parabéns, Sr. Moore. Ganhou ainda mais respeito de mim, se é que isso é possível. [/spoiler:6e27960754]
Bom, eu falei tudo isso e ainda nem cheguei ao segundo volume (a história tem três volumes de 100 páginas). Mas é porque essa história é assim mesmo, complexa e interessante, e repleta de significado. No final do primeiro volume, por exemplo, Moore insere na história a criação da EC Comics, que foi a maior concorrente da DC nos anos 50. A EC é responsável, entre outras coisas, pela revista MAD e pela saudosa "Tales From The Cript". O jeito como Moore insere a editora na história, e o impacto que ela teve nos quadrinhos da época é brilhante.
Eu me concentrei nos flashbacks até agora, não entregando muito o jogo sobre o que acontece no presente da história. Não se enganem, essas partes são igualmente interessantes, e o realismo delas contrasta tanto com os flashbacks como as histórias de hoje em dia contrastam com as histórias das Eras de Ouro e de Prata. O próprio personagem acha estranho o modo como as memórias dele parecem "coloridas e supersimplificadas, da maneira como as coisas pareciam quando eu era jovem ( )".
Vamos falar um pouco do presente, então. Jogando a sutileza no ventilador, Moore deu ao Supremo uma identidade secreta onde ele é um artista de quadrinhos. Sim, isso mesmo. A identidade secreta do Supremo é um desenhista americano, que desenha um super-herói que é roteirizado por um escritor inglês ( ) que é simplesmente insuportável e só quer saber de matar os personagens ( ) e colocar referências literárias nos momentos mais impróprios ( ).
Aí eu cheguei na parte onde o Moore satiriza a si mesmo. Não só a si mesmo, ele faz referência à invasão de escritores ingleses nos quadrinhos americanos, que já vêm acontecendo há algum tempo, e que foi responsável pelo tom cínico das histórias atuais.
Muitas das partes mais engraçadas da história têm o roteirista inglês envolvido, inclusive um momento no volume II onde...
[spoiler:6e27960754]... atingido por radiação, o roteirista começa a se multiplicar exponencialmente, tornando-se basicamente um padrão fractal feito de braços, o que é uma clara referência ao próprio Moore e seu estado prolixo atual, onde ele escreve um número absurdo de títulos ao mesmo tempo, talvez mais do que seja bom para a própria saúde. [/spoiler:6e27960754]
Bem, agora chega. Eu quero que vocês comprem. Leiam. Vale muito a pena. Corram atrás. Alucinadamente.
É sério.
P.S.: como eu já disse, são 3 volumes de 100 páginas, em formato americano e cada um custa em torno de 30 reais. É publicado pela Brainstore, o que significa que você não vai achar em bancas comuns, mas faça o possível e o impossível pra conseguir. Viaje pra outro estado, se preciso. Sua vida depende disso.