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Sonia

Vail Martins

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Sonia



O pai entrou no quarto trazendo um pequeno castiçal aceso. Sonia fingia que dormia e seu coração estava aos pulos enquanto mantinha os olhos fechados. A respiração, rápida e apreensiva, no entanto, era difícil de moderar para que parecesse a de alguém entregue ao sono profundo. A situação chegava a ser sufocante.
Como fazia todas as noites, o pai ficou em silêncio a observá-la. Antes de sair, tocou levemente o rosto de Sonia. Ela achou que não iria conseguir mais continuar o fingimento. Mas ao toque da mão do pai o coração dela se acalmou, mas logo em seguida se encheu de tristeza pelo que ela faria seu pai passar nos tempos incertos que viriam.
Mesmo de olhos fechados percebeu a luz se afastando. Ouviu quando o pai sussurrou.

_ Durma bem, minha princesa.

Sonia escutou a porta fechar suavemente. Havia lágrimas descendo de seus olhos, silenciosas.

_Desculpe-me, pai, sussurrou.

Sonia levantou. Abriu a janela e a pulou. Correu, no inicio lenta e cautelosamente depois rápida, mas sempre silenciosa como a amazona que era. Atravessou o imenso gramado que separava o Castelo Farine do inicio da mata. Sob a luz da imensa lua não foi difícil encontrar o local onde escondera seus pertences.

Rápida e mecanicamente, tirou a camisola e vestiu as peças da veste de amazona. A pesada roupa de couro e metal precisava ser vestida e encaixada numa certa e exata ordem que Sonia aprendera há anos. A última peça foi a espada que roubara de seu pai naquela mesma tarde.

Feito isto Sonia deu um assobio, em resposta ouviu um distante cavalgar que se aproximava rapidamente. Era Raio, o cavalo de seu pai. Ele chegou, majestoso, impetuoso, o macho dominante da raça de cavalos mais veloz, destemida e valente que existe. Sonia o havia deixado livre no final da tarde, para que neste momento estivesse pronto para a jornada.

_Hoje, Raio, não servirá a meu pai _ Sonia afagava-o enquanto vestia, nele também, armadura e proteções. _ Ele, quando te viu, se apaixonou. Desfez-se de uma fortuna para ter você. Hoje Raio, e nos próximos dias, terá chance de provar o seu valor e se mereceu a boa vida que meu pai te deu.

Noite adentro cavalgaram. Atravessaram a mata e chegaram até a divisa das terras do domínio, que eram vastas. Neste limite, entraram pelo Bosque da Neblina. Estava frio.

Raio ia veloz e o vento gelado arrancava lágrimas à força dos olhos de Sonia. Suas roupas estavam molhadas pelo orvalho, mas ela sentia o calor do cavalo aquecê-la e o pulsar forte do coração do animal. As árvores eram baixas e o caminho sinuoso. Mesmo na escuridão continuaram cavalgando velozmente. Sentiram como se fossem uma só águia voando baixo pela mata, desviando dos galhos, subindo montes e descendo rápido pelas ravinas.

Quando chegaram ao Rio Prateado já era manhã. Raio estava ofegante e sua respiração liberava uma nuvem de vapor quente. Um homem os esperava na margem com uma embarcação.

_ Droga! Você está com o cavalo de seu pai... E a espada! Isso não estava no trato que fizemos! Se já era ruim dar passagem a você rio abaixo, seu pai certamente me matará agora!

_Pare de choramingar, balseiro. O seu preço foi pago e a carga que levo é da minha conta apenas. _ disse Sonia espalhando uma camada de feno no convés e, atrelando Raio ao pequeno mastro, fazendo com que deitasse. _Mas acalme-se, meu pai não saberá...

A balsa descia o rio, seria uma longa viagem. Não foi barata, custara parte significativa de seus presentes de quinze anos. Não apenas pelo percurso, mas também pela discrição que precisava.

A noite Sonia juntava um monte de feno para acomodar-se. Dormia rapidamente. Era um alivio ter sua consciência puxada para fora daquele corpo dolorido.

Viu-se na cidadela Farine, estava num dos festivais anuais de verão.

_Mãe, todas as crianças estão indo brincar, me deixe ir também.

_Sonia, não fica bem uma menina ficar brincando com os meninos por ai como se fosse um deles. Sobretudo uma princesa como você.

Sonia se lembra de ter olhado para seu pai, dos olhos gentis e das mãos fortes que a pegaram pela cintura e a jogaram bem alto, enquanto ria. Mesmo dormindo, nos lábios projetou-se a sombra de um sorriso leve.

_Eva Sabe que Sonia não será uma mulher como a que você é. Negar isso e tentar mudá-la só vai fazê-la sofrer e, ainda assim, fracassará. Deixe-a.

Satisfeita, se embrenhou no festival. Abria caminho por entre as capas e vestidos como se estivesse numa floresta de tecidos. Algum tempo depois participou de uma competição onde ganhou um arco e algumas flechas. Sem poder esperar até que retornassem ao castelo, se escondeu da multidão e entrou na mata. Quando não mais podia ouvir a música, fixou sua boneca no tronco de uma árvore e mirou. Antes, porém, que pudesse atirar, ouviu uma risada:

_ Há... há... Se for o que quer, não irá acertar a boneca _ disse um garoto que se aproximava. _ Olhe, suas mãos tremem.

Era um garoto um pouco mais velho que Sonia, tinha a pele bronzeada e os olhos negros. Ela não o conhecia. Enquanto se aproximava, sorrindo, o andar solto e descontraído que não via nas pessoas dali, Sonia achou que ele era a criatura mais linda que jamais tinha visto.

_ Meu nome é Alfonse. E o seu?

_Sonia. Você veio para o festival?

_Não. Não tenho autorização para ir_ disse Alfonse contrariado._ Mas vamos, deixe-me ensiná-la a atirar uma flecha como um verdadeiro arqueiro.

_ Está bem.

_Mas sua boneca pode não gostar _ riu novamente um sorriso que emudeceu Sonia e ela fez apenas um sinal com a cabeça concordando.

Ela nem viu quando a flecha acertou um dos botões que seriam os olhos da boneca, mas por outro lado, cada movimento do rapaz para ela parecia inusitado e incrível.

Depois disso Sonia não brincou mais com bonecas. Ela encontrou Alfonse mais vezes e com os anos esse bem-estar, quando o via, se tornou necessidade. Isso perdurou mesmo depois de saber que Alfonse era primogênito Herlano, senhores de uma cidade rival, inimigos mortais dos Farine desde épocas remotas.

Sonia foi transportada para a sacada da torre de seu castelo. O próximo sonho era uma visão de tudo o de pior que podia acontecer. Tão real, que bem poderia ser uma predição do que estava por vir. Alfonse entrava pelos portões comandando uma terrível turba. Estava coberto de sangue, pois enfrentara e vencera o exército de seu pai, trazia na ponta da lança a cabeça sem vida do vencido Senhor Farine. Sonia, ao ver aquilo, gritou com tanto desespero que emudeceu o exército por instantes o inimigo.

Alfonse adiantou-se:

_ Eu, Alfonso Herlanos, vim requerer o que agora é meu por direito. Este reino... E você Sonia,_ gritou apontando para a torre em que ela estava _ que será o espólio mais valioso desta guerra. A turba invadiu, uivando como animais, o castelo desprotegido. Sonia se desesperou, olhou para os lados. Logo estariam ali. Achou uma adaga e, sem hesitação, cravou-a no próprio peito...

Sonia acordou com seu próprio grito. Percorreu as mãos pelo corpo, mas não havia sangue. Tinha esse sonho todas as noites.

_ Shhhnn... Quieta menina. Estamos quase no fim da travessia combinada. Este trecho em que estamos é conhecido como Labirinto do Silêncio. Tomemos cuidado para não atrair nenhuma criatura maligna _disse o balseiro. _ O rio aqui toma diversos caminhos e a névoa é eterna, apenas um caminho nos leva adiante. Mas está tudo bem. Coma um pouco_ apontando um saco com carne seca e pão.

Sonia não conseguia ver nada além do barco, só névoa. Aquele era o décimo quinto dia de viagem e o final da travessia estava perto, mas não a viagem.

Por pior que ficassem as coisas não desistiria, pensou Sonia, se aquilo que sonhara for de fato uma previsão, faria de tudo para evitar que ocorresse. Custasse o que custasse. Não permitiria que seu pai e o homem que amava travassem guerra até a morte.

Chegando ao pé do Vale Rochoso, o máximo que poderiam avançar de Barco, Sonia e Raio começaram a viagem. Subiam montes e percorriam vales que se tornavam montanhas. Testemunharam quando a névoa deu lugar a neve. Eles atravessaram as Montanhas Azuis pelo caminho mais curto, e menos seguro, com pausas apenas para comer e descansar.

Dias depois chegaram aos Charcos, um tipo de brejo lamacento que parecia não ter fim. Lá puxava Raio pelas rédeas quase todo o caminho. Algumas vezes ele atolava na lama, em outras era Sonia que afundava até a altura da cintura.

Passaram-se sete dias desde que deixaram a barca quando chegaram ao limite da escuridão, uma terra praticamente desconhecida. Era um lugar de escuridão permanente, um ponto além do qual o sol raramente subia além da linha do horizonte, provocando um crepúsculo permanente. O sol já não era um confiável ponto de orientação e Sonia se guiava pelas estrelas sempre presentes.

Aquela terra desolada era relatada apenas vagamente em alguns mapas e eram comuns lendas sobre a região, contadas há gerações e conhecidas em vários reinos.

Depois de alguns dias avançando, a noite já era completa, mas naquele lugar jamais amanheceria.

Enquanto viajava Sonia tentava manter a mente ocupada, tirar o foco da mente do cansaço que tomava seu corpo.

Lembrava das palavras do velho viajante que encontrara, já há quase um ano, perto da estrada que leva para a cidadela.

Era um velho de aparência cansada e encardida e, na boca, faltavam-lhe os dentes. Suas roupas eram uns trapos de cor indecifrável. Estava sentado no alto de uma rocha enquanto observava, ao longe, os passantes na estrada logo adiante. Quando Sonia o viu no alto daquela rocha, ficou curiosa.

O nome dele era Aldus e não tinha rumo certo. Disse que apenas viajava de um lugar para o outro, ia e vinha sem maiores motivações. Ele era uma pessoa magnífica e cheia de histórias, e conversaram muito tempo. Parecia que tinha andado por todos os lugares. Sonia deu para ele um pouco de pão de manteiga e carne seca.

_ Obrigado menina. Mas como farei para te pagar? Sabe que não tenho dinheiro.

_ Não é necessário, não me fará falta.

_Não é bom um homem ficar aceitando favores sem dar nada em troca.

_ Não se preocupe, ninguém saberá _ Sonia sorriu._ Esta estrada é praticamente deserta. Mas se quiser fazer algo, pode me contar algumas de suas aventuras .

_ Bom... Posso te contar de quando viajei à Terra da escuridão a mando do imperador Alexei...

Sonia riu:

_ Ah! Quero uma verdadeira. Todo mundo sabe que o primeiro imperador morreu há centenas de anos.

_Mas é verdade _ disse enquanto comia.

_O senhor com certeza é velho já... Mas está se superestimando.

_ Quer saber quantos anos tenho?_ disse Aldus sussurrando. _Tenho 327 anos.

Sonia deu uma grande gargalhada:

_ E é até engraçado...

_ Tem razão. Quem iria querer viver tanto?

_ Esse foi meu erro, de fato. _ Aldus tinha o olhar em um ponto indefinido._ Desejei vida eterna, na ocasião tinha 70 anos e fui atendido. Serei eternamente um velho.

O velho contou que há muito tempo atrás em um Império que já não existe mais era um dos generais de confiança. O imperador Alexei conquistou tudo que se havia na época para conquistar. Mas percebeu que todo o império que construíra estava fadado ao fracasso simplesmente por que, sendo mortal, como todos os homens são, morreria e o império se estilhaçaria nas mãos de aventureiros, exploradores e sanguessugas.

Temendo isso o Alexei incumbiu a Aldus, então chefe da guarda e servo de extrema confiança, uma tarefa. Haveria Aldus de percorrer todo o país, todo o velho continente, terras já esquecidas ou a serem descobertas, procuraria magos e feiticeiros, desde curandeiros aos novos médicos e xamãs. Faria essa jornada mesmo que durasse toda a sua vida _ na ocasião em que começou a busca Aldus tinha apenas vinte anos _ procurando uma maneira, fosse ela qual fosse, de prolongar, ou até mesmo de conceder vida eterna ao Imperador.

Sem permissão para voltar até que a tarefa estivesse completa, Aldus viu os anos passando nesta jornada. Encontrou muitas maravilhas e horrores, mas nada que satisfizesse a ambição do Imperador. Nunca desistiu. E, quando já era um homem velho, percebeu que deixara de receber o dinheiro que lhe era enviado regularmente para o pagamento das despesas da busca. Estava no rastro da ultima pista, a última que tentaria. Soube por um pergaminho antigo que havia um lugar, além do Rio Prateado e do Labirinto do Silêncio, além do Vale Rochoso, da Zona do Crepúsculo e adentrando a zona morta da noite eterna em que vivia um ser mágico e antigo. Esse ser podia conceder qualquer desejo que lhe fosse feito. Depois de longa viagem e sofrimento, agravados pela idade avançada, Aldus encontrou o tal ser. E fez então, o pedido em nome do Imperador.

“ O nome que dizes é de um homem que já não existe. Está morto, e não é possível dar vida eterna a alguém que já não vive. Mas o pedido está feito e o prêmio é teu “_respondeu a besta.

Desde então Aldus tem 70 anos.

Sonia estava pasma. Aldus falava tão empolgado que parecia ter vivido tudo aquilo. Mas não poderia, era fantástico demais.

Aldus era orgulhoso e percebendo a relutância da menina tirou da roupa um medalhão. Era de bronze e nele havia a esfinge de um homem e, na parte posterior, a frase em relevo: “Aldus, meu fiel servo, deve ter passagem livre em todas as terras do Império e tratado como emissário da vontade Imperial- Capital Imperial – Alexei - Ano VI”. O medalhão era autêntico.

Sonia mantinha a mente fixa nestes pensamentos quando, ao levantar os olhos, viu adiante se erguer um pico enorme que se perdia nas alturas, adentrando as nuvens. Era tão alta a montanha que o cume ainda era iluminado pelo sol que para ela em terra, estava invisível abaixo da linha do horizonte. Era aquele o lugar. Era exatamente como Aldus a descrevera. Era impossível haver outro lugar tão inacreditável como aquele a sua frente.

_ É aqui Raio! Conseguimos! Conseguimos!!!_

Sonia gritava de alegria enquanto Raio, como que compartilhando a emoção cavalgava velozmente a planície rochosa, mais uma vez fazendo jus ao nome, em direção à base da montanha.

Chegando à base perambularam contornando a enorme massa de pedra, até encontrar um caminho para iniciar a subida. Acharam uma pequena trilha estreita e quase vertical.

Antes de seguir viagem, Sonia comeu o máximo que pode, sabia que precisava do máximo de energia para a escalada. Vasculhou o céu enquanto comia a procura de nuvens de chuva ou neve, mas o céu daquele lugar incomum era totalmente indecifrável.

_ É amigo... _afagando o cavalo _ Daqui para frente farei o caminho sozinha. Rezo para que, se demorar demais, você tenha bom senso e tente voltar à nossa terra sozinho, ou, se não conseguir, que pelo menos encontre uma outra em que possa ser feliz.

Depois de se despedir de Raio, Sonia começou a subida, a maior parte do peso desnecessário foi deixado no acampamento. O vento era forte e várias vezes Sonia quase foi jogada da fora trilha. Havia além da queda livre, o perigo das pedras soltas que caiam da parte alta da montanha perigosamente. Horas depois estava na altura das nuvens.

Era exaustiva a subida e depois de algum tempo Sonia estava acima das nuvens. Ao olhar para baixo a terra desaparecera sob um manto negro que passava vagarosamente. Ela tentava não olhar, pois provocava vertigem.

O dia foi ficando mais claro à medida que Sonia subia e se aproximava da face iluminada da Montanha, parecia que estava amanhecendo. Ela estava muito alto.

Há tempos não sentia o sol, no entanto a luz não tinha calor e a claridade, mesmo fraca, feriu seus olhos devido ao período prolongado em que esteve naquele reino de escuridão. Quando olhou ao redor, Sonia se sentiu numa ilha de luz cercada por um mar de escuridão.

Dois dias depois era Sonia estava esgotada. Sua mente era nada mais que um imenso vazio tamanho era o cansaço. Continuava a subida puramente guiada pelos instintos. A trilha acabara e agora ela contava apenas com a força das mãos e pernas continuar subindo. Devido ao sol que se intensificava quanto o mais subia, não tinha frio, no entanto sua comida acabara e ela dormia pouco e mal.

Num certo momento, ao estender o braço procurando um ponto para se apoiar, encontrou apenas um vazio. Puxou seu corpo para cima e viu que estava na borda da muralha de um imenso castelo esculpido na rocha da montanha. Era imensamente maior que o castelo que o pai dela possuía.

Ela desceu da muralha e bebeu água numa fonte que havia no pátio.

Desembainhou espada e entrou por um corredor muito alto e largo, provavelmente, pensou, era possível que um navio inteiro coubesse naquele vão. No final do corredor se abria uma vasta câmara. Apesar da apreensão, Sonia já sabia o que esperar encontrar, Aldus a prevenira.

Ao entrar na câmara Sonia via exatamente a imagem que Aldus descreveu. Um enorme dragão cinza no meio do salão deitado em um monte de pedras que seriam o seu ninho. O dragão acompanhava cada movimento de Sonia. O silêncio era total.

Aquele era o ultimo Rei Dragão, o último da espécie. Aldus contara que há muito, muito tempo atrás, houve uma guerra entre os dragões e os homens que dizimou toda a espécie. Apenas restou aquele dragão. Perdendo a sanidade ele permanecia cuidando de seu último ovo, na esperança que um dia chocasse, coisa que nunca aconteceria.

Apesar de seu tamanho descomunal, aquele dragão, testemunha de incontáveis atrocidades que os homens provocaram aos de sua espécie, jamais ousaria afrontar um homem novamente. Nos temia e por isso era manipulável.

Sonia se expôs na luz que entrava pelas janelas, ficando bem visível. Lentamente caminhou em direção ao dragão, os olhos fixos nele. Ele permaneceu imóvel, os olhos vermelhos acompanhava a amazona enquanto se aproximava. Apesar de manter a expressão fria de um assassino, Sonia começou a duvidar se conseguiria enganar a fera, sentimento mais forte a cada passo que dava. A criatura permanecia imóvel. Quando Sonia tirou a espada da bainha, fazendo com que o atrito do metal zunisse e ecoasse no imenso salão, ouviu claramente em sua cabeça uma voz suave, nitidamente feminina:

_Viajante, seja bem vinda. Meu nome é Triodor e esses são os domínios dos dragões. São raros visitantes aqui, mas terás toda a hospitalidade.

A voz em sua cabeça era franca, tentava ser acolhedora, mas havia nela um sabor inconfundível: medo. Sonia não deu resposta, apenas continuou caminhando lenta e decida em direção ao ninho. A apenas um passo do dragão parou, os olhos impassíveis. Apertou com mais força o cabo da espada.

_ Abaixe sua espada viajante. Não nos machuque, _ a voz voltou a inundar a mente de Sonia _ esse não é um lugar para travarem-se lutas. Como disse, esteja certa que tem a hospitalidade de minha casa.

_ De você eu não quero nada, fera. _ disse Sonia, a voz dura, o hálito exalando uma maldade absoluta, mas fingida _ Vim buscar seu ovo.

Ouvindo isso, o enorme dragão, se afastou abruptamente, aterrorizado.

_Não... Por favor... Não posso. Ele é o herdeiro de todo este reino alado. Um dia... Um dia liderará os dragões na guerra contra os da sua espécie.

Neste momento Sonia teve certeza que Aldus estava certo, aquele dragão perdera a razão. Triodor, dono de um poder terrível que já não mais conhecia, implorava piedade a uma garota em nome de uma guerra que já acabara a tanto tempo que ninguém mais lembrava.

__ Ovos de dragões são muito apreciados na minha terra. _ mentiu _ Me dê, ou o tomarei. _ fez brandir a espada teatralmente.

_ Ouça, Amazona, poupe meu ovo. Rogo-lhe um acordo. Posso lhe conceder qualquer outra coisa que desejar em troca apenas da sua piedade.

Calculadamente Sonia inventou um olhar de interesse, estimulando a fera.

_ O que quer dizer?

_ Posso conceder-lhe o que desejar, para mim quase tudo é possível. Em troca peço que vá embora e nunca mais volte.

Sonia observou Triodor no enorme ninho de pedras, diante do qual ela era insignificante. Os olhos vermelhos dele, apreensivos, procuravam desesperadamente no olhar frio da amazona indícios se aquele seria um trato que a agradasse. Sentiu imensa pena da criatura. Gigante e poderoso, mas subjugado há eras, Triodor era obrigado, uma ou duas vezes por século, a tratados mesquinhos com aventureiros gananciosos. Todos eles homens, todos eles inimigos mortais que ceifaram o seu povo. Tudo isso em troca de um ovo morto. Um ovo que nunca chocaria, mas que mantinha acesa no coração da criatura a esperança de ter seu povo renascido. Sentiu vergonha.

_ Que seja _ abaixou a espada _ Ouça, existem dois reinos, um se chama Farine, o outro Herlanos, quero que haja irmandade e amizade eterna entre eles.

_ É isso o que quer, Amazona?

_ Sim.

_ Entende que não posso mudar a mentalidade ou o espírito dos homens? Apenas crio condições para que seu desejo possa se realizar.

A espada foi embainhada.

_ Sim. Entendo.

O dragão fechou os olhos. Quando os abriu novamente a voz de Triodor ecoou na cabeça de Sonia.

_Está feito. Fornecerei uma passagem segura e rápida para fora daqui. Suba em mim, lhe levarei a base da montanha.

O dragão se afastou do ninho. De sua boca lançou uma chama viscosa ao redor do ovo vermelho opaco, provavelmente para mantê-lo aquecido na sua ausência. Sonia subiu no dragão e teve que fazer muita força para manter-se quando ele começou a bater as asas criando fortes rajadas de vento.

Saindo do castelo era inacreditável a altitude em que estavam. O sol no horizonte emergia do caudaloso mar de nuvens escuras que se estendia em todas as direções. Fora o esvoaçar do dragão havia um silêncio absoluto.

Triodor começou então uma descida vertiginosa. Voava tão rápido que Sonia mal conseguia abrir os olhos. O sol foi desaparecendo no horizonte e o dia escurecendo. Atravessaram as nuvens tão rápido que quase não as viu e quando chegaram ao solo a noite era completa.

Ali, suspensos na escuridão, apenas os olhos vermelhos do dragão eram visíveis.

_Deve saber, humana, que feito o trato, não é mais bem vinda aqui.

_Triodor, disse que não mudaria a mentalidade dos homens para conseguir o que pedi. O que acontecerá?

O dragão começou a bater as asas novamente, levantava vôo em direção ao céu escuro.

_ É sabido, até entre os dragões, que nada melhor para fazer nascer, tal como pediu, irmandade e amizade, mesmo entre inimigos, que a adversidade. Quando o desespero for grande o suficiente para fazer-se esquecer inimizades antigas, o laço que surgir não poderá mais ser quebrado. É isso o que proporcionarei: a adversidade.

_ Como assim? Explique-se!

O dragão, já no ar mantinha ainda os olhos fixos em Sonia e respondeu.

_Há uma fera antiga, _ continuou Triodor, já a grande altura_ extremamente poderosa, que até a nós dragões foi difícil subjugar. Eu a libertei. Ela percorrerá estes reinos até que a necessidade de sobrevivência faça sua parte no coração dos homens, unindo-os.

_ Não! Não foi isso que pedi! Está tentando me enganar. Desfaça!!! _ gritou Sonia, estava atônita. O dragão desaparecia na escuridão levando consigo a promessa de destruição e morte generalizada. Isto tudo para proporcionar aquilo que ela, Sonia, desejara.

_ Sim... Está certa. Não foi isso que pediu, mas como disse este é apenas o meio de proporcionar seu desejo. Já está feito. E meu nome é Triodor, não preciso enganar.

Sonia gritava, tirou a espada e ameaçou a fera, ordenou que voltasse. Não ouvia mais o esvoaçar das asas ou mesmo a voz do dragão em sua mente.

Sonia se deixou desmoronar no chão e chorou.
 

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