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Sobre a Poesia Contemporânea

Mavericco

I am fire and air.
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Bem, vou ser bem sucinto: descobri hoje uma entrevista feita em 2010 com o poeta Carlito Azevedo, na ocasião em que ele abria algumas páginas dedicadas à publicação de poesia contemporânea. Já tinha conhecimento das páginas e do autor (o qual considero um dos poetas mais consolidados do Brasil [vide o Monodrama]), mas nunca li essa entrevista...

E como hoje é dia do poeta e toda aquela patacoada patati patacolá, acho que é de extrema pertinência a postagem dessa entrevista que esclarece questões fulcrais para a discussão da poética contemporânea: ela vale a pena? como funciona o processo de leitura do poema? é pra especialistas? quê que tá rolando que eu não entendo essaporra?

Considerando que há pouco a crítica deu mais um de seus chiliques no sentido de que "NOES! O Brasil não produz nada de bom!!!1", mais uma vez reitero a pertinência dessa entrevista.

Enfim.

:joy:

Carlito Azevedo fala sobre nova página de poemas

Responsável por editar a página mensal de poemas "Risco" (cuja primeira edição circula com o caderno deste sábado, 10/04) em parceria com a equipe do Prosa & Verso, o poeta Carlito Azevedo expõe abaixo algumas de suas ideia sem relação à iniciativa e à poesia brasileira contemporânea.

O que você acha da idéia de se publicar poesia em jornal? Por que acha que a imprensa parou de fazer isso?

O que faz toda poesia que realmente interessa é avaliar, em seu momento histórico, quais as possibilidades de felicidade para uma raça que não sabe de onde veio e nem para onde vai, vagando temporariamente por um planeta onde caem raios, a terra treme e o mar, vez por outra, avança imparável em tsunamis devastadoras, e onde, pior que tudo isso junto, o semelhante que o seu coração elegeu para amar pode simplesmente dizer que não lhe ama mais e desaparecer de sua vida. É claro que nenhum poema isolado lhe dará uma resposta sobre isso, nem todos eles juntos, provavelmente. Mas não resta dúvida de que depois que esse mesmo planeta foi visitado por Sófocles, Goethe, Fernando Pessoa, Mário Quintana e Paulo Leminski, por exemplo, ficou mais fácil compreender que, para o homem, mais difícil do que encontrar a felicidade é desistir de encontrar a felicidade, e que o mais desafiante é tornar esse cenário habitável. Os jornais pararam de publicar poesia provavelmente porque o consumo dessa matéria verbal complexa, dessa negação do óbvio, desse elogio do paradoxo, tem outro tempo muito diferente do tempo de consumo de uma notícia urgente. Mas com a variedade de tempos que convivem hoje em um jornal, com seus diferentes cadernos, revistas, suplementos, e com o consequente hábito de se recortar e guardar páginas para leitura mais vagarosa, no tempo certo, também há de haver uma página onde cresça o tempo do poema. Essa concepção aliás é filha da idéia de que o tempo não evolui como uma seta em linha reta, mas cresce como pétalas de uma multiflor. Cada uma em sua direção.

A poesia brasileira contemporânea merece atenção dos leitores?

A música contemporânea merece atenção dos ouvintes? As artes plásticas contemporâneas merecem atenção dos espectadores? O teatro contemporâneo merece atenção da platéia? Como certamente todos estarão de acordo com o fato de o teatro, as artes plásticas, a música e a poesia serem coisas que merecem atenção, creio que a dúvida aí recai sobre a idéia de contemporâneo. O que pode ser traduzido numa pergunta: gostamos de nós? Para julgar uma coisa é preciso observá-la de fora, do exterior, mas como podemos nos observar de fora? Outra questão: será que vemos o que nos cerca como um desafio a ser enfrentado, que estimula a melhor parte de cada um de nós a construir o seu sentido? Ou preferimos negá-lo e assumir a síndrome do paraíso perdido, da época de ouro que não volta mais, lamentando que tudo em volta seja apenas decadência? A dificuldade em se aceitar a arte do presente, como diz o poeta Marcos Siscar, muitas vezes coincide com a incapacidade de lidar com os impasses do presente. Há quem vire as costas para isso e prefira ler apenas os clássicos, o que seria ótimo se tal atitude não nos fizesse desconfiar que “clássico” então vira sinônimo de conforto, segurança, ausência de risco, gosto burguês pela certeza de haver investido o seu dinheiro em um produto de retorno seguro, monumentalização e rentabilidade garantida. Ora, um clássico é todo o contrário disso. Quantos abismos não há em Stendhal, nosso contemporâneo? Felizmente há os que também pensam e desejam a leitura como um encontro às cegas, como um gozo nervoso, que não se sabe nunca se virá, se vai acabar de imediato ou se ficará dormitando sobre cada célula do corpo em uma pequena festa por uma eternidade. E já que falamos em gozo, é sempre bom recordar o crítico Roland Barthes, morto em março de 1980, exatos trinta anos, que já dizia: “é preciso escutar o contemporâneo”. De minha parte, sei que realmente necessito de certo alimento que só me é dado por autores contemporâneos que estão dividindo comigo a dor e a delícia de um tempo muito estranho e fascinante, e todos a seu tempo e à sua maneira o foram. Às vezes saio de uma livraria com o livro de algum autor novo de que nunca ouvi falar, e é como se tivesse sido arrastado por uma piscadela de rua para uma possibilidade de prazer ou desprazer. Muitos dos meus livros preferidos me chegaram assim, por acaso, sem que eu nunca tivesse ouvido falar em tal autor ou autora. E é bom que seja assim.

Às vezes se diz que a poesia atual virou assunto para especialistas/iniciados. O quanto há de verdade nisso?

Um esclarecimento antes, sobre minha resposta anterior. É claro que hoje, como em todos os momentos, há péssimos poetas e prosadores, alguns badaladíssimos e premiadíssimos. Ou talvez não sejam nem péssimos, são desinteressantes, mortos, sem inquietação, acomodados, não correm riscos, não agridem nem agradam. Mas creio que esses entendem o contemporâneo como aceitação das coisas tais como ela foram dispostas pelo mercado, e não como o espaço/tempo de onde partimos para viver a aventura, quase vanguardista, de mostrar que já são passado certas coisas que alguns julgam serem ainda presente. Ainda bem que existem esses abençoados Roberto Bolaño, Adília Lopes, César Aira, Nicanor Parra ou Angélica Freitas. Quanto ao fato de a poesia ter virado uma espécie de seita para iniciados, talvez tenha sido a solução de sobrevivência que ela encontrou ao ser banida da República do Mercado. Sabe-se que tudo o que não apresente uma rentabilidade imediata tende a desaparecer da vitrine. Mas isso é mais uma daquelas coisas que devem virar passado e não ficar emperrando o presente. De todo modo, como editor, creio que minha posição pessoal em relação ao assunto deve ficar clara aqui: me agrada a idéia de um pensamento sofisticado, sutil, mas me desagrada a idéia de texto restrito a iniciados, bem como detesto a idéia de especialistas quando o assunto é literatura. Parafraseando o grande alemão Lichtenberg: quem entende só de Clarice Lispector não entende nem de Clarice Lispector. Defendo o meu amadorismo no assunto até o fim, e admirava imensamente o Haroldo de Campos, que se metia, equipado ou não para isso, em poesia russa, alemã, japonesa, chinesa, yorubá, grega, e se dizia um “desespecialista em fragmentos”. Aliás, boa parte da frustração de uma certa espécie de leitor diante da poesia contemporânea não estará na presunção de que deve ler como “especialista”? Decifrando, interpretando, produzindo comentários “cultos”, em vez de partir para a leitura do poema com a garra do amador, que não investe nenhum narcisismo na operação e por isso mesmo não se sente ludibriado se um poema não lhe toca, apenas compreende que ele e aquele poema não foram feitos um para o outro?

O que te animou a topar essa proposta? O que vai nortear seu trabalho na página?

Essa idéia que defendo do contemporâneo como o lugar não de aceitar passivamente nosso contorno, mas de agir aventurosamente na elaboração de seu sentido, é algo que me leva sempre, diante da existência de opção, a dizer sim, a estar disponível. Por isso editei durante dez anos uma revista de poesia, por isso dirijo coleções de poesia voltadas para a publicação de vozes poéticas estrangeiras pouco divulgadas por aqui e poetas jovens do Brasil. É um grande prazer, pois costumo me divertir muito organizando essas coisas. Quanto à página, a melhor coisa que lhe pode acontecer é ela se revelar metamórfica, em transformação, proteiforme, e não virar uma coisa congelada. O espaço foi dividido entre a produção inédita brasileira, que é mais aquela leitura de risco e desafio, aquela que a gente não sabe onde vai dar, que é feita sem a muleta do já aprovado. E o espaço de tradução, fundamental para o aumento de nosso repertório de poesia em português. Esta seção de tradução deve funcionar, mas não é obrigatório que isso se dê, como aquela leitura que já vem com algum tipo de aval, de segurança, o que, se não quer dizer leitura conformista e conformada, não é nenhum pecado mortal. Não serei monstruoso a ponto de ocultar que é nesta seção que algo em mim se deleitará com mais amplidão. Mas não serei insincero a ponto de negar que é a possibilidade de abrir esse canal de escuta e construção do contemporâneo que justifica o projeto. Ainda penso em, futuramente, tentar gerar no organismo da página uma espécie de rodapé que poderia conter notas sobre poesia, sobre livros lançados, traduções de textos curtos sobre poesia, mini-entrevistas com poetas. Tornar-se um organismo pluricelular é o melhor destino para essa página.

FONTE: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa...o-fala-sobre-nova-pagina-de-poemas-282522.asp
 
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Re: Sobre a poesia contemporânea.

Sobre a poesia brasileira contemporânea, não estou tão por dentro assim, mas duas coisas me incomodaram lendo o Boa Companhia: Poesia, coletânea de poetas contemporâneos do Brasil feita pela Companhia das Letras.

A primeira é a idade dos poetas. Não sei se o quadro em geral é assim, mas pela coletânea, dá a impressão que o pessoal está velho. A maioria é do começo do século XX. O Gullar, por exemplo, nasceu em 1930. Claro que idade não quer dizer nada quanto à qualidade do escrito (em geral, a escrita melhora com a idade, mas...).

A segunda é que os poetas são na maioria funcionários públicos (alguns até chefes de Institutos, Casas Culturais e que tais), tradutores, jornalistas, ganhadores do Jabuti (o que na verdade deve formar a origem dos escritores brasileiros). O José Almino, trabalhou na ONU, formou-se na França, nos Estados Unidos. O Eucanãa Ferraz é (ou era) professor de literatura na UFRJ. Então, claramente, poesia é coisa de elite no Brasil (a elite da elite?) ou de funcionários públicos.

Então não dá para esperar dessa poesia muita crítica ao "sistema" estando todos tão entranhados nele. Supondo que a função do escritor seria essa (o que no Brasil nunca foi, acho). Além disso, a experiência de vida dos autores que a gente pode esperar encontrar nessa poesia não vai ser muito variada, vai? Tanto é que muito dela é poesia auto-referencial, sobre a dificuldade de se fazer poesia, etc, o que pode não interessar aos leitores.

Talvez seja injusto julgar os poetas assim, a qualidade de alguns continua muito boa, claro, e no final é também só um livro (que reflete bastante os interesses da editora), não o todo do que poderia se chamar poesia brasileira contemporânea. Não sei se sua experiência é parecida, Mavericco (e quem mais lê poesia).
 
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Re: Sobre a poesia contemporânea.

Bem, confesso que não li esse Boa Companhia, mas não sei te dizer até que ponto ele dá uma visão efetiva da literatura produzida hoje no Brasil...

Talvez o fato da seleção ter se pautado em autores mais consolidados seja uma opção mesma da publicação. Mas sei o que você quis dizer: querendo ou não, poetas como Gullar não são tão contemporâneos assim. Naturalmente, estão vivos e publicam; mas a espinha dorsal de sua obra já passou, parecem agora estar voltados para a "Consoada" de que diz Manuel Bandeira. No caso do Gullar, nós vemos esse movimento a partir do livro Na vertigem do dia, concretizando-se no Barulhos, acentuando-se no Muitas vozes e desembocando no Em alguma parte alguma.

Mas isso não quer dizer que a poesia do Gullar seja desprezível. Acho que é uma situação parecida com o Drummond de As Impurezas do Branco, em especial no poema "Declaração em juízo", frente à geração mimeógrafo. Por exemplo, o Muitas vozes do Gullar, de 99, é mais crepuscular que o Em alguma parte alguma. Explico: o livro todo é povoado do tema da morte, de despedidas, de rememorações belíssimas de pessoas que já se foram (visto que, de resto, o Gullar escreveu o livro numa época em que sua esposa, seu pai e seu filho morreram). Mas já no próximo livro, o Em alguma parte alguma, de 2010, posso ver um retorno a temas de livros anteriores, como no caso do penúltimo poema do livro ("Volta a Santiago do Chile"), onde ele volta aos locais de onde escreveu grande parte do Dentro da noite veloz ou o Poema sujo, ou no simples fato dele continuar a sequência do "Bananas Podres" iniciada no Barulhos. Ou então ele criando uma poesia que aponta novos caminhos, como o de uma poesia mesclada de informações científicas (vide o "A Estrela").

Enfim. Acho que abri um hiato meio grande. Não sei se deu pra chegar onde eu queria, mas a ideia continua sendo a mesma: esses poetas mais de idade são, querendo ou não, sobreviventes. Eles falam e não falam da situação contemporânea...

Agora quanto à crítica de instituições, não acho que tenha algo haver. Isso pode ser de fato um entrave para uma poesia mais revolucionária, ou mesmo uma panfletária, e o Drummond trabalhou essa ambiguidade com grande força em livros como Sentimento do mundo ou A Rosa do Povo. Veja-se, por exemplos, aqueles versos famosos de "Confidência de Itabirano":

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Creio que é perfeitamente possível que o poeta viva dentro do sistema e consiga criticar o sistema. Mesmo porque, de certo modo, até onde eu saiba, nenhum desses poetas contemporâneos tanto da coletânea quanto dos que porventura entrem na análise e que eu conheço fazem parte da elite. Possuem renome, é certo, mas agora fazer parte da elite são outros quinhentos. Se pudesse citar Drummond de novo, citaria o "Elegia 1938", onde ele trata mais calmamente desse tema de estar dentro do sistema e subvertê-lo. Mesmo porque, de resto, é preciso que se esteja incluso no sistema para que se possa subvertê-lo.

Quanto à poesia metalinguística, isso que você falou de "poesia auto-referencial, sobre a dificuldade de se fazer poesia, etc", esse foi um mal, de fato. Com o embate já arrefecido das tendências que desembocaram no século XXI, a saber, o Concretismo e a Poesia Marginal, e o subsequente esvaziamento ideológico da sociedade, a poesia ficou um pouco sem chão. O concretismo estava datado; a poesia marginal não tinha sentido... daí muitos poetas dessa época travarem um discurso metalinguístico, de se voltarem ao fazer da poesia e indagar sua valia num fim da história.

Mas tenha atenção: esse foi um mal que, quando muito, fez parte até no máximo da primeira década do século XXI. Nota-se claramente que nesta segunda década a poesia apresenta veios de escape para tal tendência assim como a sociedade já vem apresentando alguns movimentos contrários ao esvaziamento ideológico (a Primavera Árabe está aí, certo?). E mesmo no caso daqueles poetas que se questionam sobre o fazer poético, como o Gullar em grande parte do Em alguma parte alguma, esse questionamento não tem mais como fundo um cenário apocalíptico, mas um cenário comum, um cenário em construção. A metalinguística é agora apenas UMA das tendências. Apenas isso. Em determinada parte do Em alguma parte alguma, Gullar fala que a construção do poema é fazer do não dito dito (o contrário de fazer o dito não dito). Por si só, essa expressão é algo.

Por exemplo, o Fabrício Corsaletti tem um poema já antológico, o Seu Nome, onde ele parece fazer um caminho inverso: isto é, ao invés de questionar, como o faria um poeta da década passada, a funcionalidade da poesia em dizer o nome da amada, ele cerca o nome dessa mesma amada de uma série de contradições, de negações (ou de definições a atestar sua incompetência pessoal) que acabam dizendo muito do nome dessa mesma mulher. Ou, antes, não dizem nada, porque já disseram tudo, à guisa de como ele termina: "talvez eu não seja um poeta a altura do seu nome / por via das dúvidas vou acabar o poema sem dizer explicitamente o seu nome".

Por fim, esse livro é de 2003. Poetas como a Angélica de Freitas ainda não haviam entrado na parada. Ou mesmo um Fabrício Carpinejar, um Fabrício Corsaletti, um Ricardo Domeneck ou uma coleção como a falecida (?) Ás de Colete. Isso pra não falar que o Eucanaã Ferraz dessa época não é mais o de hoje em dia, por exemplo (cito ele pois ele é uma das vozes mais ativas hoje em dia).
 
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Re: Sobre a poesia contemporânea.

Talvez o fato da seleção ter se pautado em autores mais consolidados seja uma opção mesma da publicação. Mas sei o que você quis dizer: querendo ou não, poetas como Gullar não são tão contemporâneos assim. Naturalmente, estão vivos e publicam; mas a espinha dorsal de sua obra já passou, parecem agora estar voltados para a "Consoada" de que diz Manuel Bandeira. No caso do Gullar, nós vemos esse movimento a partir do livro Na vertigem do dia, concretizando-se no Barulhos, acentuando-se no Muitas vozes e desembocando no Em alguma parte alguma.

Mas isso não quer dizer que a poesia do Gullar seja desprezível. Acho que é uma situação parecida com o Drummond de As Impurezas do Branco, em especial no poema "Declaração em juízo", frente à geração mimeógrafo. Por exemplo, o Muitas vozes do Gullar, de 99, é mais crepuscular que o Em alguma parte alguma. Explico: o livro todo é povoado do tema da morte, de despedidas, de rememorações belíssimas de pessoas que já se foram (visto que, de resto, o Gullar escreveu o livro numa época em que sua esposa, seu pai e seu filho morreram). Mas já no próximo livro, o Em alguma parte alguma, de 2010, posso ver um retorno a temas de livros anteriores, como no caso do penúltimo poema do livro ("Volta a Santiago do Chile"), onde ele volta aos locais de onde escreveu grande parte do Dentro da noite veloz ou o Poema sujo, ou no simples fato dele continuar a sequência do "Bananas Podres" iniciada no Barulhos. Ou então ele criando uma poesia que aponta novos caminhos, como o de uma poesia mesclada de informações científicas (vide o "A Estrela").

Enfim. Acho que abri um hiato meio grande. Não sei se deu pra chegar onde eu queria, mas a ideia continua sendo a mesma: esses poetas mais de idade são, querendo ou não, sobreviventes. Eles falam e não falam da situação contemporânea...
Pois é, foi exatamente isso que quis dizer. Não é que a poesia seja ruim, longe disso, mas a percepção de alguém com 80 anos acerca do "contemporâneo", do que se passa no mundo hoje, será necessariamente diferente da de alguém com 20, 30. Pela própria formação da pessoa, pelo que ela viveu, enfim.

Agora quanto à crítica de instituições, não acho que tenha algo haver. Isso pode ser de fato um entrave para uma poesia mais revolucionária, ou mesmo uma panfletária, e o Drummond trabalhou essa ambiguidade com grande força em livros como Sentimento do mundo ou A Rosa do Povo. Veja-se, por exemplos, aqueles versos famosos de "Confidência de Itabirano":


Creio que é perfeitamente possível que o poeta viva dentro do sistema e consiga criticar o sistema. Mesmo porque, de certo modo, até onde eu saiba, nenhum desses poetas contemporâneos tanto da coletânea quanto dos que porventura entrem na análise e que eu conheço fazem parte da elite. Possuem renome, é certo, mas agora fazer parte da elite são outros quinhentos. Se pudesse citar Drummond de novo, citaria o "Elegia 1938", onde ele trata mais calmamente desse tema de estar dentro do sistema e subvertê-lo. Mesmo porque, de resto, é preciso que se esteja incluso no sistema para que se possa subvertê-lo.
Quando falei, elite, quis dizer no sentido de intelectual (mas não queria usar a palavra) não necessariamente financeira. No sentido de ter acesso a conhecimento, de ter tido educação formal privilegiada, coisas assim. Também estava pensando em Drummond na hora que escrevi. Essa relação do escritor (e da arte em geral) com a realidade sócio-econômica é meio complicada no Capitalismo e talvez insolúvel, né? Mas é que acho complicado também o ignorar completo da realidade em um país como o Brasil pelos poetas da coletânea, por exemplo.

Dá para fazer poesia impunemente em um país com 14 milhões de analfabetos? Como vai ser essa poesia? A quem fala um poeta que se formou na França, nos Estados Unidos e que é embaixador, nesse país, com essa realidade? Até, em um nível mais básico, a quem fala a poesia lançada em edições de luxo? (Poesia no Brasil é cara) O que leva um poeta a fazer a escolha por esse tipo de publicação?

E só caí nessas perguntas pelo que é citado na entrevista de que "a poesia atual virou assunto para especialistas/iniciados" o que também nos remete ao assunto da metalinguagem, que para mim é a resposta: a poesia que ignora a realidade é em grande parte (e necessariamente?) metalinguística, senão hermética também (como muitos poemas da coletânea, de novo), o que não quer dizer ruim (mas...). Faz algum sentido perguntar essas coisas?

Quanto à poesia metalinguística, isso que você falou de "poesia auto-referencial, sobre a dificuldade de se fazer poesia, etc", esse foi um mal, de fato. Com o embate já arrefecido das tendências que desembocaram no século XXI, a saber, o Concretismo e a Poesia Marginal, e o subsequente esvaziamento ideológico da sociedade, a poesia ficou um pouco sem chão. O concretismo estava datado; a poesia marginal não tinha sentido... daí muitos poetas dessa época travarem um discurso metalinguístico, de se voltarem ao fazer da poesia e indagar sua valia num fim da história.

Mas tenha atenção: esse foi um mal que, quando muito, fez parte até no máximo da primeira década do século XXI. Nota-se claramente que nesta segunda década a poesia apresenta veios de escape para tal tendência assim como a sociedade já vem apresentando alguns movimentos contrários ao esvaziamento ideológico (a Primavera Árabe está aí, certo?). E mesmo no caso daqueles poetas que se questionam sobre o fazer poético, como o Gullar em grande parte do Em alguma parte alguma, esse questionamento não tem mais como fundo um cenário apocalíptico, mas um cenário comum, um cenário em construção. A metalinguística é agora apenas UMA das tendências. Apenas isso. Em determinada parte do Em alguma parte alguma, Gullar fala que a construção do poema é fazer do não dito dito (o contrário de fazer o dito não dito). Por si só, essa expressão é algo.

Por exemplo, o Fabrício Corsaletti tem um poema já antológico, o Seu Nome, onde ele parece fazer um caminho inverso: isto é, ao invés de questionar, como o faria um poeta da década passada, a funcionalidade da poesia em dizer o nome da amada, ele cerca o nome dessa mesma amada de uma série de contradições, de negações (ou de definições a atestar sua incompetência pessoal) que acabam dizendo muito do nome dessa mesma mulher. Ou, antes, não dizem nada, porque já disseram tudo, à guisa de como ele termina: "talvez eu não seja um poeta a altura do seu nome / por via das dúvidas vou acabar o poema sem dizer explicitamente o seu nome".

Por fim, esse livro é de 2003. Poetas como a Angélica de Freitas ainda não haviam entrado na parada. Ou mesmo um Fabrício Carpinejar, um Fabrício Corsaletti, um Ricardo Domeneck ou uma coleção como a falecida (?) Ás de Colete. Isso pra não falar que o Eucanaã Ferraz dessa época não é mais o de hoje em dia, por exemplo (cito ele pois ele é uma das vozes mais ativas hoje em dia).

Não sei se começamos a escapar do esvaziamento ideológico (nem sou otimista quanto à Primavera Árabe). Infelizmente, eu sou cético quanto a mudanças sociais positivas, mas talvez você tenha razão, claro (também sou cético quanto ao meu ceticismo). Só que (ou por isso mesmo) a metalinguagem me parece uma tendência ainda forte. O Paulo Henriques Britto, lançou o Formas do Nada, ano passado, e o Francisco Alvim, o O metro nenhum em 2011, né? (só li alguns poemas do primeiro (muito bons aliás), mas ele me pareceu bem metalinguístico a começar pelo título). E você já deu uma olhada no Sentimental do Eucanaã Ferraz? Embora possa ser sim, uma das tendências, aliás como parece ser na arte contemporânea toda.
 
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Re: Sobre a poesia contemporânea.

Dá para fazer poesia impunemente em um país com 14 milhões de analfabetos? Como vai ser essa poesia? A quem fala um poeta que se formou na França, nos Estados Unidos e que é embaixador, nesse país, com essa realidade? Até, em um nível mais básico, a quem fala a poesia lançada em edições de luxo? (Poesia no Brasil é cara) O que leva um poeta a fazer a escolha por esse tipo de publicação?

Bem, não sei dizer se consigo responder a essas perguntas... Elas não deixam de serem pertinentes (e amplas!). As duas primeiras acabam acometendo diretamente no analfabetismo de fato ou no funcional do brasileiro, o que redunda num problema de educação mais amplo e que não envolve apenas a poesia (a poesia é o ápice dessa situação). Não sei nem mesmo dizer se a poesia consegue resolver ou dar um jeito nisso (ou se ela deve dar um jeito), não sei dizer até quanto ela pode se debruçar sobre isso. Afinal, fazer poesia como fazer literatura é uma atitude que nunca alcançará essa impunidade, bastando lembrar o Oswald de Andrade que dizia: "No meu tempo, eu escrevia para um país de analfabetos". É algo que incomoda, é verdade, mas essa é uma questão que está além do alcance literário (ou está num campo indireto dele: a literatura não muda o mundo, mas muda o homem).

A questão do poeta que se formou na França etc: no final, ele acaba falando com seus leitores. É uma resposta simplista, não nego, mas no mundo conectado em que vivemos (bem clichê isso) é perfeitamente plausível que um Ricardo Domeneck, que morou durante muito tempo na Alemanha, faça poesia e batalhe pela poesia nacional. A noção de espaço nunca dependeu exatamente do espaço, bastando notar os inúmeros casos de exílio ao longo da literatura (como o Joyce que se auto-exilou de Dublin em 1904 e ainda assim escreveu o Ulysses, ou o bom e velho Gonçalves Dias). O que os avanços contemporâneos trouxeram para a literatura foi a possibilidade desse autor, fora de um contexto físico nacional, tanto escrever para os leitores daquele país como até mesmo se inteirar com a realidade desse país.

Agora, sobre as edições de luxo, aí eu vou pedir exemplos aos universitários :P

Pra ser sincero, não acho poesia algo tão caro assim no Brasil... Veja o "Toda Poesia" do Leminski: 46 dilmas. Pela obra poética completa de um poeta... é algo bem barato. Claro que existem os exageros, como a Cosac cobrar 45 dilmas por um livrinho de 64 páginas com 15, sei lá, poemas do Kaváfis. Mas a Cosac é careira etc (se bem que o "Um útero" da Angélica de Freitas, p.ex., custa 28 dilmas, o que é barato).

E só caí nessas perguntas pelo que é citado na entrevista de que "a poesia atual virou assunto para especialistas/iniciados" o que também nos remete ao assunto da metalinguagem, que para mim é a resposta: a poesia que ignora a realidade é em grande parte (e necessariamente?) metalinguística, senão hermética também (como muitos poemas da coletânea, de novo), o que não quer dizer ruim (mas...). Faz algum sentido perguntar essas coisas?

Mas será que ela nega essa realidade? A poesia metalinguística nada mais é que uma poesia que analisa sua própria linguagem, seus instrumentos. Mas essa discussão da metalinguagem na poesia contemporânea acaba sempre vindo de uma reflexão das razões e do panorama passado que levou esse poeta a essa análise. Antecipando um pouco, veja o "Sonetilho de verão" do Paulo Henriques Britto:

Traído pelas palavras.
O mundo não tem conserto.
Meu coração se agonia.
Minha alma se escalavra.
Meu corpo não liga não.
A idéia resiste ao verso,
o verso recusa a rima,
a rima afronta a razão
e a razão desatina.
Desejo manda lembranças.

O poema não deu certo.
A vida não deu em nada.
Não há deus. Não há esperança.
Amanhã deve dar praia.

E, já respondendo em parte sua pergunta, o Paulo Henriques Britto tem de fato uma poesia pautada na metalinguagem. Talvez isso decorra da sua formação como tradutor... Mas a metalinguagem do Britto, no decorrer da sua obra, foi ganhando esse fundo, foi mudando o papel de parede de modo que nós não podemos dizer que é poesia puramente metalinguística. A língua é uma coisa que, a rigor, não existe, mas algo que se manifesta (aquilo que o Sassure falou de parole e langue). O poeta questiona essa manifestação, essa língua na boca do povo e na mão do poeta, em especial esta última, de modo que ele acaba questionando também toda uma realidade. Questiona a composição do poema, mas não apenas ela voltada a si, mas, por exemplo, a conotações que você se referiu mais cedo: a quem? por quê?

Tem um artigo bem interessante sobre isso: Memória e metalinguagem em Cais de Alberto Martins, da Fabiane Renata Borsato, onde destaco o finalzinho:

Cais caracteriza-se por textos altamente metalinguísticos narrados por vozes preocupadas com o ato compositivo. É possível afirmar que a poesia de Martins não é objeto, mas sujeito que o enunciador deseja e espera tornar objetal ao percorrê-la e observá-la de ângulos diversos e tridimensionais. O enunciador não se predispõe a recebê-la de modo passivo, mas afirma que o poema é espaço de discussão dos limites e obstáculos ao fazer, de descoberta de novas frestas por onde olhar. Esta parece ser atitude recorrente na poesia brasileira contemporânea que, mediante tradições literárias plurais e complexas, adota múltiplas perspectivas de diversificação do olhar e das possibilidades criativas.

Agora sobre o Eucanaã Ferraz, eu cheguei a ler grande parte do Sentimental... Mas confesso que ainda não tenho uma opinião formada. Achei o livro um pouco fraco, mas se você me perguntar por quê, não vou saber responder.
 
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Re: Sobre a poesia contemporânea.

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Meio que pra bater na mesma tecla, mas achei um texto muito legal lá no Rascunho sobre o novo livro de poemas do Britto, Formas do Nada, com um comentário sobre a poesia metalinguística bem bacana. O texto é o A possibilidade de dizer, do Luiz Guilherme Barbosa, e eu destaco esta passagem:

Numa espécie de redução ao absurdo, tudo parece se resumir, na poesia de Paulo Henriques Britto, à diferença e à proximidade entre os lugares de fala do poeta e do leitor. É como se o leitor estivesse prestes a assumir o posto do poeta — daí a multiplicação de convites, anúncios, cumprimentos, cumplicidades dirigidos a você ou tu. Pois mesmo quando não é explícito, o poeta parece tratar de poesia, como nessa estrofe de Tarde:

É um beco sem saída,
mas sempre é melhor que a rua:
mais estreito. Acolhedor.
Vem, entra. A casa é tua.


Assim, a metalinguagem ronda os poemas do novo livro — assim como os dos livros anteriores —, mas agora alguma coisa parece ter se modificado. Desde o primeiro poema de Formas do nada, o problema da metalinguagem se coloca, ao final de um soneto:

Tudo resulta apenas neste dístico:
Ninguém busca a dor, e sim seu oposto,
e todo consolo é metalingüístico.


Essa imagem chama a atenção porque ancora na experiência um procedimento — a metalinguagem — que não raro é considerado, de maneira irônica, como falta de assunto. Se associarmos os aspectos formais e temáticos abordados, podemos dizer que esses poemas propõem-se a estabelecer um estado de exceção da poesia, seja pelo jogo de rimas e ritmos, seja pelo tenso lugar de fala do poeta e seu recurso à metalinguagem.

Mais no finzinho o autor diz:

A poesia faz falar. E é este o campo de experimentação de Paulo Henriques: pôr em tensão poesia e fala, de maneira a produzir efeitos do poema.

O que acaba sendo um complemento à investigação metalinguística que o Britto empreendeu ao longo de sua trajetória.

Outro texto em que pude encontrar uma passagem interessante sobre a metalinguagem é este, Negativo e ornamental: um poema de Carlito Azevedo em seus problemas, do Vinicius Dantas e da Iumna Maria Simon, em que, analisando um poema do Carlito Azevedo, os autores acabam por fazer uma crítica a uma tendência já clássica da poesia metalinguística:

A autorreferencialidade, rebaixada a elemento entre outros de ourivesaria, obviamente perdeu o teor crítico — metalinguagem passa a significar produção de ilusão encadeada, mera componente de uma maquinaria neoesteticista de efeitos, sem compromisso de revelar os elementos materiais da figuração. Não mais exerce a função de criticar seu veículo e refletir sobre o fazer poético, pois agora compõe a retórica da imagem (ou da metáfora), valendo por um espetáculo verbal e conceitualmente prolífico de figuras e paramentações sem fim. A tônica deixou de ser posta na desmontagem das imagens, ou nas interrupções autorreflexivas, porquanto a metalinguagem tornou-se instrumento para a produção de beleza dentro do programa esteticista do poema — programa que se formula, como em muita arte contemporânea, com os recursos sabotadores e críticos da beleza, os mesmos da vanguarda e da poesia moderna. Negatividade ornamental, pois.
 
Re: Sobre a poesia contemporânea.

Mavericco, não sei se você já viu um texto de Paulo Scott (não conhecia o autor) sobre poesia contemporânea que saiu no blog da Companhia agora no final de abril. Chama-se Uma procura.

Tem essa parte de um comentário aqui do Paulo Henriques Britto que acho bom destacar:
"A forma mais utilizada pelos poetas novos é um verso livre diferente daquele que encontramos em Mário de Andrade ou Manuel Bandeira, mais próximo do praticado por Oswald: versos curtos, com pouca pontuação e muito enjambement. As duas temáticas mais praticadas são as contingências do eu e a própria criação poética", registra Paulo Henriques Britto sem deixar de alertar quanto à presença das questões identitárias do gênero feminino, das etnias minoritárias, das opções sexuais.
Ele dá ainda umas outras características da poesia contemporânea no Brasil: hiper-realidade, inexistência de um movimento etc. E ele acha que estão acontecendo "transformações relevantes de maneira sutil" na poesia (quanto a isso não sei muito). O post serve também para quem quer conhecer mais por trazer vários nomes.
 
Re: Sobre a poesia contemporânea.

Conheço uma poesia contemporânea ótima da Vanilce Pessoa.

 
Última edição por um moderador:
O Paulo Franchetti publicou um texto legal na Sibila sobre poesia e crítica contemporânea: http://sibila.com.br/critica/poesia-contemporanea-e-critica-de-poesia/9696
Acho que ele é um dos poucos comentaristas da Sibila que eu realmente me animo em ler...

O Franchetti bate muito na tecla de que talvez a questão da emoção está mesmo ausente ou muito apagada no discurso crítico atual sobre poesia, apesar de que nesse texto ele não fala muito disso. Tem muitas passagens interessantes, mas, pra ficar com uma:

Por isso mesmo, o domínio da poesia é central para a definição do literário. À prosa, atualmente, reserva-se outro tipo de discussão. Sua importância econômica tende a dissolver as questões literárias em questões de gosto e, em última análise, de mercado. Já a poesia permanece o lugar dos agrupamentos, polêmicas, disputas pelo nome e pelo direito de existir. E a prova é que todos os debates relevantes, no campo literário brasileiro nas últimas décadas, têm se dado à volta da poesia e não em torno do romance ou do seu parente pobre, no mercado, o conto.

(...)

Como também o é o hábito generalizado das orelhas, prefácios e posfácios (e, de vez em quando, tudo isso junto!) assinados por acadêmicos reconhecidos em livros de poemas de iniciantes ou veteranos – o que, note-se, acontece com muito menos frequência no caso de romances e livros de contos.

(...)

O novo, nesse quadro, é uma conquista difícil. Sendo a ruptura, a contraposição, a pedra de toque de praticamente todos os discursos históricos novecentistas, e havendo agora espaço para qualquer contraposição e sendo enorme o leque das formas de contraposição já institucionalizadas, não é fácil encontrar aquilo que é de fato novo nesta época de hiperconsciência histórica, isto é: um texto que se apresente tão liberto quanto possível da tentativa de prever e preparar a reação dos públicos especializados ou de trazer como uma bandeira erguida (em procedimentos poéticos ostensivos, declarações, notas e demais aparato paratextual) as reivindicações de inserção nesta ou naquela tradição que se reputa válida.

Ele tem outros textos sobre essa questão: História e Crítica Literária Hoje, Notas sobre poesia e crítica de poesia, Crítica hoje, Pós-tudo: a poesia brasileira depois de João Cabral [Remix], Considerações sobre alguma poesia contemporânea, Poesia e Técnica: Poesia Concreta.

Desse último, destaco:

Ao lado dos videoclipes de música, por exemplo, caracterizados pela sua enorme rapidez, e das anônimas animações das páginas da internet, o poema concreto padece simultaneamente da precariedade dos meios e recursos técnicos (o que é uma condição fatal, pois, sendo poema, pretende perdurar na sua forma “artística” de realização) e do deslocamento do sentido que essa precariedade opera sobre o seu próprio cerne, isto é, o seu caráter de vanguarda, de objeto situado no futuro, de modo a organizar a percepção do presente.

Na época da disseminação da visualidade digital, a Poesia Concreta não consegue reproduzir a aliança entre técnica literária de vanguarda e técnica tecnológica de ponta. Em algum momento, essa aliança se configurou como possível. Hoje, ao que tudo indica, já não é. E a própria Poesia Concreta aparece, cada vez mais, não como a negação do humanismo – tal como ela se via e como a viam os contemporâneos –, mas justamente, pelo contrário, como um dos últimos suspiros do humanismo utópico, um momento de esplendor otimista da modernidade que findava.

E que não deixa de ser uma discussão válida: sempre se pergunta se o livro digital isso, aquilo, aquiloutro, mas é interessante notar como na poesia (não sei direito na prosa), em especial uma poesia contemporânea que teoricamente estaria permeada dos veios da poesia concreta, parece simplesmente "esnobar" uma possibilidade de se imiscuir de recursos áudiovisuais (mas de se notar que quando falo em "poesia", falo na poesia mainstream, pois a poesia que o homem comum produz na internet constantemente usa-se de imagens, vídeos, animações etc, bastando citar como exemplo as publicações no site Recanto das Letras).

E, em relação à poesia digital, continuo com mais duas indicações de ensaios do Franchetti: Poesia digital e Crise do verso.
 
O Paulo Franchetti publicou um texto legal na Sibila sobre poesia e crítica contemporânea: http://sibila.com.br/critica/poesia-contemporanea-e-critica-de-poesia/9696
Acho que ele é um dos poucos comentaristas da Sibila que eu realmente me animo em ler...

O Franchetti bate muito na tecla de que talvez a questão da emoção está mesmo ausente ou muito apagada no discurso crítico atual sobre poesia, apesar de que nesse texto ele não fala muito disso. Tem muitas passagens interessantes, mas, pra ficar com uma:



Ele tem outros textos sobre essa questão: História e Crítica Literária Hoje, Notas sobre poesia e crítica de poesia, Crítica hoje, Pós-tudo: a poesia brasileira depois de João Cabral [Remix], Considerações sobre alguma poesia contemporânea, Poesia e Técnica: Poesia Concreta.

Desse último, destaco:



E que não deixa de ser uma discussão válida: sempre se pergunta se o livro digital isso, aquilo, aquiloutro, mas é interessante notar como na poesia (não sei direito na prosa), em especial uma poesia contemporânea que teoricamente estaria permeada dos veios da poesia concreta, parece simplesmente "esnobar" uma possibilidade de se imiscuir de recursos áudiovisuais (mas de se notar que quando falo em "poesia", falo na poesia mainstream, pois a poesia que o homem comum produz na internet constantemente usa-se de imagens, vídeos, animações etc, bastando citar como exemplo as publicações no site Recanto das Letras).

E, em relação à poesia digital, continuo com mais duas indicações de ensaios do Franchetti: Poesia digital e Crise do verso.

É bem por aí... E em outros meios isso tem sido visto também. Eu lembro que esse ano eu comprei o dvd da versão nova do animê Evangelion 2.0 e o que se vê é que os personagens foram separados do seu significado, tornando-se caixas de papel vazias (piores que animais) em relação a obra original. A superfície do produto está mais polida do que nunca mas o material humano e poético que havia no trabalho dos anos 90 ficou horrível (e pelo que contam piorou no filme 3.0). Foram retiradas as cenas de tensão real e de percepção psicológica de detalhes eliminando o que havia de identificação emocional restando apenas a estética extrema desprovida do prazer ou desprazer que o leitor tinha na obra.

Os produtos estão saindo para quem não consegue digerir (tipo nivelamento por baixo).

É como se a poesia enfrentasse a sedução de uma era dissociada e sub-cognitiva. Na música aparecem diarréias sonoras que vampirizam inspiração em desarmonias atuais como os estouros súbitos do rush dos engarrafamentos de trânsito e da degradação do potencial humano.
 
Última edição:
Muitas coisas para comentar, Mavericco. Por exemplo, não sei do que ele está falando quando fala das disputas entre poetas. Isso existe ainda hoje? Eu não soube de nada recente. Também não vejo toda essa influência dos Concretistas e do João Cabral de Melo Neto na poesia contemporânea brasileira. Você vê?

Uma coisa importante que ele pergunta é quem são os leitores de poesia hoje. E esse trecho de Notas sobre poesia e crítica de poesia, achei importante:

Um livro de poemas sucesso de crítica e público é mais raro. Ou porque o público seja escasso, ou porque a eleição pelo público não especializado lance desde logo um traço de suspeita sobre o valor real. Tudo se passa, de fato, como se o julgamento sobre a poesia estivesse sempre fora do alcance do leitor, ainda quando este seja um leitor culto ou mesmo especializado em literatura. Em muitos círculos influentes (e também na vulgata acadêmica e para-acadêmica) à poesia se reserva atualmente, como um mantra, a ideia de que deve ser contra. Não somente “finalidade sem fim”, como na formulação clássica, nem apenas inútil, como na formulação decadentista, mas ativamente contrária ao leitor não especializado. Uma poesia que, na verdade, precisa da recusa do leitor vangloria-se de ser capaz de absorver os seus movimentos de rejeição num quadro teórico refinado, em que o fantasma do anacronismo involuntário campeia ao lado da desconfiança de qualquer adesão. Nos idos do século XX, esse movimento se justificava como antecipação do futuro e confiança no papel das elites (e da docilidade ou despreparo das massas): “a massa ainda comerá do biscoito fino que fabrico”, dizia Oswald de Andrade. Mas agora, quando não só o futuro da poesia, mas inclusive o seu presente aparecem frequentemente sob ameaça, como escapar da negação como forma meramente reativa, além de solipsista?

O afastamento do público e da crítica, por outro lado, se compensa pelo público hiperespecializado, e por isso mesmo restrito. O público eleito pelo poeta, situado ou na sua entourage imediata ou ainda por nascer. E o argumento que se ergue é o da substituição da quantidade pela qualidade. Como se o movimento circular pudesse bastar-se como defesa contra o desinteresse externo, do qual precisa, porém, como adversário e justificativa. Sem o desinteresse do público – ou sem o interesse do público por outro discurso, que será acusado, por isso mesmo, de anacrônico, populista ou facilitador – não há como afirmar a singularidade, a atualidade e, palavra mágica dos tempos, o rigor.
Essa visão da poesia "contra" eu também demonstrei ali em cima e me parece que a origem dela está no Baudelaire pelas minhas últimas leituras, representante da posição romântica do poeta contra a sociedade (e vice-versa). Parece que toda a poesia desde Baudelaire compartilhava desse preconceito dele.

Ainda dá para comentar mais. Depois volto.
 
É bem por aí... E em outros meios isso tem sido visto também. Eu lembro que esse ano eu comprei o dvd da versão nova do animê Evangelion 2.0 e o que se vê é que os personagens foram separados do seu significado, tornando-se caixas de papel vazias (piores que animais) em relação a obra original. A superfície do produto está mais polida do que nunca mas o material humano e poético que havia no trabalho dos anos 90 ficou horrível (e pelo que contam piorou no filme 3.0). Foram retiradas as cenas de tensão real e de percepção psicológica de detalhes eliminando o que havia de identificação emocional restando apenas a estética extrema desprovida do prazer ou desprazer que o leitor tinha na obra.

Os produtos estão saindo para quem não consegue digerir (tipo nivelamento por baixo).

É como se a poesia enfrentasse a sedução de uma era dissociada e sub-cognitiva. Na música aparecem diarréias sonoras que vampirizam inspiração em desarmonias atuais como os estouros súbitos do rush dos engarrafamentos de trânsito e da degradação do potencial humano.

Acho que como a poesia não vende muito, essa banalização que você disse afeta e não afeta a poesia. Afeta a poesia, por exemplo, nas músicas que comumente vemos sendo tocadas por aí (elas não deixam de ser poesia), mas a poesia que é publicada em livro, sacramentada, dificilmente tem essas conotações, esse escopo.

Mas aí nós já vamos estar entrando num campo mais efetivamente musical... E, por mais que um Camaro Amarelo nivele a coisa por baixo, não acho que esse tipo de letra diga respeito à poesia que é produzida e nem mesmo à qualidade musical da obra em-si (pois me parece um contrassenso que julguemos a qualidade de uma música por sua letra).

É como se a letra musical estivesse num plano paralelo... Não sei. Confesso que, por mais que já tenha parado pra pensar nisso, sempre emperro (e acho que você nem estava se referindo a isso, né?).

Muitas coisas para comentar, Mavericco. Por exemplo, não sei do que ele está falando quando fala das disputas entre poetas. Isso existe ainda hoje? Eu não soube de nada recente. Também não vejo toda essa influência dos Concretistas e do João Cabral de Melo Neto na poesia contemporânea brasileira. Você vê?

Uma coisa importante que ele pergunta é quem são os leitores de poesia hoje. E esse trecho de Notas sobre poesia e crítica de poesia, achei importante:


Essa visão da poesia "contra" eu também demonstrei ali em cima e me parece que a origem dela está no Baudelaire pelas minhas últimas leituras, representante da posição romântica do poeta contra a sociedade (e vice-versa). Parece que toda a poesia desde Baudelaire compartilhava desse preconceito dele.

Ainda dá para comentar mais. Depois volto.

Então, também não estou sabendo de nenhuma treta editorial. Mas como o Franchetti conhece bem a coisa, visto que ele está inserido nesse mundo editorial...

A influência cabralina e concretista na literatura contemporânea é melhor vista na relação objetiva para com a escrita do poema que esses autores empreendiam. O que, não raro, caía na poesia metalinguística. E aí nós voltaríamos pro começo do tópico, em que expus minha perspectiva de que a poesia da primeira década deste século era de fato uma poesia com forte influência objetivista, era uma poesia fortemente metalinguística.

Mas a poesia dessa segunda década já mostra rupturas. Por exemplo, o Franchetti fala muito que a poesia passou a ser objetivada demais, a sentimentalidade, a emoção passou a ser posta em segundo plano. O Alberto Martins tem uma peça, Uma Noite em Cinco Atos, que retrata artisticamente essa mesma falta na poesia contemporânea. Mas seria uma falta entre aspas, pois, ao mesmo tempo que temos poetas claramente de influência cabralina ou mesmo concretista, como o recém-lançado pela Cosac, o Mário Alex Rosa, ou mesmo o Carlito Azevedo mais fortemente no começo de sua produção; enfim, por mais que esse tipo de coisa tenha existido, é interessante ver uma tremenda mudança quando já olhamos pra poetisas como Bruna Beber ou Alice Sant'anna, isso cai por terra, pois elas são bem subjetivas. Agora, o resgate deixa de ser tão cabralino e subjetivista para ser, por exemplo, o resgate duma Ana Cristina César.

E é aí que eu acho que o trabalho de Angélica de Freitas é importante nesse sentido, pois ela pegou a poesia objetiva e aloprou com a coisa, incutiu uma forma subjetiva e humorística de tratá-la que está ampliando muito o espaço da poesia contemporânea (seja de fato, seja tematicamente [por exemplo, note que muitas editoras começaram 2013 abrindo sessões e coleções especiais pra publicar poesia contemporânea]).

E quanto à passagem citada, é, concordo muito com o Franchetti e contigo. Essa coisa do Baudelaire de chamar o leitor de hipócrita já não rola mais...

Nothing will come of nothing, diria Lear. Se a poesia não se articular em formar leitores, não adianta patavinas procurar pela grande obra que salvará a poesia da crise... E eu gosto sempre de bater nessa tecla: a crise da poesia contemporânea é uma crise de leitores. Por mais que a qualidade da literatura seja ruim (como existem ene objeções a serem feitas disso daí), uma coisa é certa: quem diz que essa poesia é ruim são pouquíssimos leitores, não raro tendenciosos, não raro sectários.
 
Encontrei um artigo do Antonio Miranda, Letra de música é poesia?, que ajuda a ampliar a discussão sobre tema que anteriormente tratei ao quotar o Neoghoster Aika. Na verdade, nunca desconfiei que letra de música não fosse poesia; mas continuo mantendo uma posição em cima do muro ao dizer que a letra de música diz e não diz muito da realidade da poesia contemporânea. Queria encontrar um artigo que o Paulo Henriques Britto citou nessa entrevista, onde o autor diz que muitos poetas hoje em dia não estão produzindo pra literatura contemporânea, mas pra música mesmo (o artigo é um que ele cita contra-argumentando essa coisa de que tem muito poeta ruim hoje em dia, quando na verdade sempre houve).

Preguiça de assistir de novo :$

Seja como for, outro artigo bem legal é esse do Renato Rezende, A cegueira da cisma - poesia brasileira contemporânea e sua crítica. Destaco:

Apesar de potente, variada e abundante, a poesia brasileira contemporânea, ou pelo menos uma parte significativa dela, carece de lugar e de trânsito social, como se não tivesse valor cultural, como se não instigasse interesse e diálogo, como se falasse de algo alheio a nós; ou seja, como se a possibilidade de sua leitura tenha se tornado opaca, insolúvel, inassimilável. Muitas e entrelaçadas podem ser as razões para isso, num país que por muito tempo demonstrou ter uma forte tradição poética:[1] as dificuldades de escoamento e circulação da produção escrita,[2] numa época de primazia da imagem;[3] o natural esgotamento das linguagens experimentais do modernismo;[4] o abandono do projeto de construção de uma identidade nacional;[5] o estabelecimento de políticas públicas para as artes alinhadas à cultura de massa e aos ditames de mercado;[6] etc. Seja como for, ao contrário do ocorrido nas artes visuais (a partir do retorno à pintura da geração 80), no cinema (com a retomada dos anos 90) e na literatura de ficção (com a temática urbana ganhando ênfase e visibilidade a partir da antologia Geração 90: manuscritos de computador, organizada por Nelson de Oliveira) – gêneros artísticos cujos exercícios críticos superaram dilemas e contradições fermentadas durante os anos de chumbo da ditadura – a poesia continua presa em cismas – ou falsos cismas – que a paralisam. É importante ressaltar, no entanto, que essa paralisia é da crítica, e não da produção poética.[7] Incapaz de compreender a poesia contemporânea, a crítica – muitas vezes exercida pelos próprios poetas,[8] instigados pela necessidade de elucidar a natureza do impasse – tem produzido dezenas de textos, mais ou menos felizes e elucidadores, na tentativa de digerir o passado para fruir o presente. Este texto, escrito por um poeta que pretende se manter fora da academia, soma-se a esse esforço.

(...)

Talvez seja útil para a resolução desse nó notar que é um equívoco pensar a Poesia Marginal como contraponto à experimentação concretista.

(...)

Estreitar a poesia brasileira em uma cisma entre Concretismo e Poesia Marginal não é apenas um equívoco, é uma redução que comprova a cegueira da crítica para as próprias questões que levanta e que gostaria de superar. (...) O que não podemos permitir é reduzir a vasta galáxia da poesia brasileira contemporânea a um pequeno sistema solar, de onde sentimos que não conseguimos sair, mantendo nas trevas poetas de riquezas insondáveis. A crítica da poesia precisa estar à altura de um país que se pretende plural, inclusivo e democrático.

O ensaio do Siscar é esse aqui.

P.S.: Achei o artigo. É ess'aqui: O lugar do poeta e da poesia hoje, por Paulo Henriques Britto.

Destaco (é, praticamente destaquei o texto todo :dente: ):

Quanto à situação da arte e da poesia em particular, o diagnóstico apresentado parte de um fato incontestável: a partir do final da Segunda Guerra Mundial, aproximadamente, ocorreu uma mudança de paradigma na esfera da arte. Como já observaram diversos autores, entre eles Octavio Paz e Matei Calinescu, alguns conceitos que ocupavam posição central na arte ocidental desde a segunda metade do século XIX — conceitos tais como vanguarda, revolução estética, experimentalismo, progresso ou evolução no âmbito artístico — perderam a credibilidade. (...) No caso da poesia brasileira, desde o início dos anos setenta não se tem notícia de um movimento com propostas, manifestos, programas e aparato teórico sustentando uma produção poética que se pretenda radicalmente inovadora. Porém o autor do texto parece indicar, com sua pergunta retórica: “Mas que criação real pode renunciar à transformação?”, que o fim do paradigma vanguardista implica o fim das transformações em arte, a estagnação completa. Ora, transformação em arte sempre houve, muito antes do surgimento do paradigma vanguardista, e continuará a existir muito depois de ter ele caducado. (...) Podemos ter certeza de que a poesia que se produzirá no final do atual século será bem diferente da que está sendo escrita agora; a poesia, tal como as outras artes, continuará em constante mudança. A diferença é que, a partir de um certo momento, deixou de ter validade uma determinada maneira de conceber a transformação artística: o conceito de revolução, desencadeada por movimentos autoconscientes, com manifestos, programas comuns, palavras de ordem, dissidências e eventuais excomunhões. Não damos mais crédito à figura messiânica do artista que julga romper com todo o passado por um ato de vontade e lançar as bases do que deverá ser a arte do futuro. A imagem hipertrofiada do artista como demiurgo, um ser capaz de revolucionar a humanidade com o poder de sua arte, é uma idéia de origem romântica que não é mais levada a sério pela maioria das pessoas que encara a arte com seriedade — ainda que no senso comum os velhos estereótipos do gênio artístico continuem em voga.

(...) [Essa parte aqui vai pro Neoghoster =p ]

Uma delas seria “a conformidade da poesia com uma dimensão mediana de produção”, com a conseqüência perda do que haveria de essencialmente “perigoso, desarrazoado ou arrebatador” nela. Em primeiro lugar, o que significa dizer que a poesia se conforma com a mediania? Se o autor quer dizer que a maioria dos poetas se conforma com a mediania, não há como discordar da afirmação: é precisamente essa a definição de “mediano”. Só que isso não é uma característica exclusiva do nosso tempo. Em qualquer época, a maioria esmagadora dos praticantes de uma arte se limita a diluir as propostas novas dos momentos anteriores, enquanto apenas uns poucos lançam as sementes do que virá a ser arte do momento subseqüente.

(...)

Examinemos agora a afirmação de que a poesia teria perdido o que nela há de “perigoso, desarrazoado ou arrebatador”. Quanto ao poder de desarrazoar ou arrebatar, ao longo da história alternam-se momentos em que o lado dionisíaco da arte é exaltado e momentos em que se dá mais ênfase ao aspecto apolíneo. Para exemplificar com a poesia inglesa, e simplificando bastante uma situação que na verdade é bem mais complexa, o momento dionisíaco dos metafísicos foi seguido pelo apolíneo de Pope, que por sua vez deu lugar ao momento dionisíaco de Blake. (...) Quanto ao momento atual brasileiro, eu diria que temos um quadro de muita diversidade, em que convivem poetas com uma postura mais apolínea e clássica, que concebem a poesia acima de tudo como artesanato verbal e intelectual, e poetas que ainda insistem na articulação entre poesia e vida proposta pelos românticos e reafirmada por algumas vanguardas.

(...)

Outro ponto destacado no texto é o de que a produção da poesia está cada vez mais abundante, mais prolixa, e que isso seria algo mau. Novamente, é importante separar os valores absolutos dos relativos. Em termos absolutos, não há dúvida de que a produção poética hoje é muito maior do que em qualquer momento anterior, já que tanto a população do mundo quanto a proporção de pessoas alfabetizadas são muitíssimo maiores do que antes. Mas em termos relativos creio que essa afirmação não se sustenta. (...) Hoje, porém, o escritor que produz poesia pertence a uma minoria no mundo das letras. Na atualidade, a poesia é muito menos popular entre os leitores do que era no século XIX, entre outros motivos porque a indústria de música popular absorveu boa parte do mercado de consumo de poesia. Assim, embora haja de fato muitos poetas em atividade hoje, não me parece acertado ver a prolixidade poética como uma característica do nosso tempo. Mas mesmo que o atual momento fosse caracterizado por uma produção de poesia relativamente maior do que antes, seria isso algo pernicioso? Quando uma arte é praticada por um grande número de pessoas, necessariamente a maior parte da produção será medíocre; mas é justamente essa massa de produtores medíocres que vai gerar um solo propício para o aparecimento de artistas destacados.

(...)

Resumindo minha posição: não vejo o século XX como um século particularmente catastrófico. A história da humanidade sempre foi uma sucessão de catástrofes, que naturalmente aumentam em escala à medida que a população do mundo cresce de modo exponencial. Não vejo no passado da poesia, nem no da arte, nem no da humanidade, nenhum período áureo que agora esteja perdido de modo irremediável. O que singulariza o momento atual é o fim do conceito de vanguarda, que vigorou por pouco mais de cinqüenta anos, do final do século XIX a meados do século XX; mas a poesia e as outras artes sempre estiveram em constante transformação, desde muito antes do surgimento do futurismo e do surrealismo, e sem dúvida continuarão a se transformar, apesar do ocaso da idéia de vanguarda. Não há sentido em temer pelo futuro da transformação artística; a arte, desde que viva, necessariamente se transforma. Mas para que uma arte esteja viva, é importante que haja um grande número de praticantes dela. E sob esse aspecto, a proliferação de poetas hoje em dia é algo saudável. É natural que a produção da imensa maioria seja mediana: é este o próprio sentido da palavra “mediano”. Mas é dessa maioria mediana que vão se destacar os poetas que a posteridade verá como os mais representativos do nosso tempo.

Por fim, gostaria de comentar o próprio título do texto, “Poesia em tempo de guerra e banalidade”. Terá havido algum período histórico que não fosse marcado pela guerra e pela banalidade? Já vimos que seria ingenuidade supor que houve na história da humanidade um tempo caracterizado pela paz. Não seria igualmente ingênuo imaginar que numa determinada época — o Renascimento, por exemplo — a vida estivesse liberta da banalidade, e todas as pessoas passassem todo o tempo criando e apreciando obras geniais, uma profusão de Miguel Ângelos e Da Vincis? Ora, a banalidade caracteriza a quase totalidade da existência humana. Todos os seres humanos, inclusive os artistas, passam a maior parte de suas vidas ocupados com atividades banais, e a grande maioria das pessoas vive e morre sem jamais sequer conceber outro tipo de existência. Em cada geração, são poucas as pessoas que sentem algum anseio por ir além da esfera da banalidade cotidiana, e mesmo entre essas a grande maioria se contenta com imitações e diluições — arranjos melosos de temas de Chopin e Tchaikóvski, reproduções baratas da “Última ceia”, o kitsch em suas mil e uma formas. Apenas uma minoria muito pequena não se satisfaz com o medíocre e o banal, e se dedica à tarefa de aprender a desfrutar os prazeres difíceis da grande arte. Assim foi no passado, assim é no presente, e muito provavelmente assim continuará sendo no futuro. O predomínio do banal e do medíocre não é uma anomalia da atualidade, um sinal de decadência de nosso tempo, e sim um aspecto básico da condição humana, demasiadamente humana.

Eu só faria algumas considerações sobre quando ele diz que o quadro é muito variado... Na verdade, se olharmos mais detidamente, vamos ver que o quadro poético contemporâneo não é tããããããão variado assim... Eu tinha aqui comigo um artigo que falava sobre isso, mas encontrá-lo é-me praticamente impossível. Postei-o no facebook mas não sei como ver todas as minhas publicações D:

A parte da música que falei é essa:

Na atualidade, a poesia é muito menos popular entre os leitores do que era no século XIX, entre outros motivos porque a indústria de música popular absorveu boa parte do mercado de consumo de poesia.
 
Última edição:
Exatamente, essa impressão que você captou foi a minha intenção, eu estava contando com o lado universal da poesia.

Só para eu não perder a baliza:

1.
the art of rhythmical composition, written or spoken, for exciting pleasure by beautiful, imaginative, or elevated thoughts.

http://dictionary.reference.com/browse/poetry

Característica do que toca, eleva, encanta. Forma especial de linguagem, mais dirigida à imaginação e à sensibilidade do que ao raciocínio. Em vez de comunicar principalmente informações, a poesia transmite sobretudo emoções. Vejamos o poema Epigrama n.° 1, de Cecília Meireles:

http://www.dicio.com.br/poesia/

Comentando sobre o catastrófico do texto vale acrescentar que uma vez que a história é flutuante (por vezes as sociedades avançam e por vezes elas regridem) não é difícil enxergar uma queda qualitativa na percepção do público médio que até continuaria com os canais de poesia abertos mas não teria como reconhecê-la porque se trata de um luxo ou um extra em um ambiente caótico.

Num cenário desse tipo o autor se sente semelhante ao cidadão que fica inibido de usar um tênis de marca famosa numa aldeia aonde as pessoas mal possuem recursos para sandálias (lembrei do orgulho do servilismo que aparece na literatura brasileira). Pelo que se conta, quando resta a falência do reconhecimento público de elementos universais em qualquer coisa então os elementos de poesia universal viram estranhos e o conhecimento pode afundar numa "Dark Age" (igual ocorreu na história). Por vezes a era de escuridão ocorre apenas para uma área do conhecimento enquanto algumas vezes se torna geral. Semelhante a banalização ou culto a auto-depreciação e ao temporário de algumas épocas. A toda década de 20 segue uma crise de 29.
 
Texto bem interessante que encontrei sobre a relação entre poesia, mídias, espaço etc e tal:

O lugar da poesia, de Pedro Lyra. Não vou citá-lo aqui pois ele tem tabelas e talz. Só vou citar o primeiro parágrafo:

Depois da invenção dos meios para reprodução das obras musicais (disco, fita, vídeo, CD, DVD), dos instrumentos para sua execução (gramofone, vitrola, pick-up, radiola, gravador, walk-man, computador, videocassete, iPOD, Pen-drive, MP3) e, principalmente, depois da invenção dos meios de comunicação de massa (rádio, televisão e, para o caso, o cinema e hoje a internet), o poema perdeu para a música popular grande parte do espaço existencial que ocupava na sociedade, na história e, sobretudo, no cotidiano das pessoas que ainda consomem bens culturais de valor.

Muito haver com nossa discussão, não?

A metalinguagem também aparece em suas reflexões:

Seu autor era, antes de tudo, o artesão senhor do seu ofício: não mais o demiurgo ou o sonhador movido por forças cegas e irracionais da natureza, da sociedade ou do inconsciente (“inspiração”), em qualquer caso a registrar as sugestões do momento criativo sem controle maior da própria criação, mas o artífice, o autocrítico a desenvolver com convicção (“artesanato”) um projeto estético conscientemente elaborado.

Não concordo com algumas coisas que ele diz... Por exemplo, isso aqui:

Em suma: a poesia continua servindo apenas para o que sempre serviu — a iluminação interior de uns poucos espiritualmente privilegiados. Ou seja: do ponto de vista pragmático, a resposta à pergunta do título deste tópico seria: “Para nada”. Mas a sua ausência serve ao menos para que os espíritos ensombrecidos façam perguntas como essa.

Aí aparece um Leminski e alopra com a coisa toda.

Mas, todo modo, gostei muito mesmo disso que ele disse:

Por enquanto, quem está devolvendo a poesia ao cotidiano das pessoas é a internet.

Outro link interessante, também do Rascunho, é a sequência Pesquisa sobre a evolução literária no Brasil, pelo Luiz Bras, que angaria opiniões sobre o título aludido:
http://rascunho.gazetadopovo.com.br/pesquisa-sobre-a-evolucao-literaria-no-brasil/
http://rascunho.gazetadopovo.com.br/pesquisa-sobre-a-evolucao-literaria-no-brasil-2/

Os textos dizem respeito à prosa também :)
 
Ótimo ensaio sobre poesia feito pelo Reuben da Cunha Rocha:

http://revistamododeusar.blogspot.com.br/2013/06/poesia-inutil-poesia-irrelevante-por.html

Afinal de contas, qual é a função da poesia na sociedade?, é o que o autor busca refletir. Ele toma como base aquela definição do Leminski de que a poesia é uma inutilidade (in-utilidade), isto é, sua utilidade é ela mesma, é uma espécie de arte pela arte que não precisa ter um respaldo prático -- exatamente como um sábado de sol ou abraçar um amigo.

A linguagem que ele usa é um pouquinho difícil... Mas compensa dar uma relida, se for o caso.

Mesmo porque ele dá umas abordagens sobre o que é poesia que são espetaculares. Vou tentar destacar aquilo que julgo ser o olho do furacão:

(...)

Enquanto avança a industrialização da sociedade capitalista, a arte sofre mutação fundamental, em cuja raiz está um problema de função. Destituída dos papéis de veículo do rito, de observatório do Belo, de instrumental do ensino e elevação do espírito, a que se presta nas formatações sociais imediatamente anteriores – como o medievo e o Renascimento europeus –, ela perde seu lugar, aparentemente, uma vez que as atividades que eram o próprio fim a que se destinava, se não desaparecem, recebem os baques da passagem à economia de troca, sobrevivendo entre o comércio, a profissionalização e a especialidade técnica. Quando se estabelece em definitivo o modo de vida burguês, calcado do trabalho, como manifestação hegemônica da modernidade, “função” adquire significado estritamente utilitário, mola da produção e de sua contraparte, o acúmulo material.

(...)

Na virada do século 19 para o 20, sobretudo, fermenta-se o contexto para as pesquisas estéticas que se desenvolvem, como toda a cultura material, na velocidade com que o próprio capitalismo se robustece. A linguagem está liberada para descobrir-se, expandir-se até a dissolução – espécie de puberdade em que se dão os anos loucos da arte moderna e a sistematização das pesquisas semióticas e linguísticas, que confluem de modo crucial na formulação, por Roman Jakobson, daquilo que descobre ser a função poética da linguagem. A poesia se afasta da incumbência comunicativa da linguagem para mergulhar radicalmente na investigação de seus materiais. É outra via pela qual ela é o avesso do mundo prático – voltada para si mesma, a linguagem uma vez mais não serve para nada. Artefato de consumo difícil, que resiste ao destino do “belo” na economia de mercado – tornar-se distração, ou ornamento –, mas que em nenhuma hipótese se distancia da euforia do contexto em relação à técnica, nem de seu avanço real.

(...)

O poético não é um atributo da palavra, do poema, ou mesmo da poesia, ele habita a linguagem e, sempre que haja ocasião de dominância, joga-a em altíssimo grau de concentração – “qualquer tentativa de reduzir a esfera da função poética à poesia ou de confinar a poesia à função poética seria uma simplificação excessiva e enganadora. A função poética não é a única função da arte verbal” 3.

(...)

A ideia de que a poesia não se submete ao consumo, embora tenha dimensão de verdade – que, não custa lembrar, é a própria motivação deste texto – consolidou-se como artimanha ideológica para justificar que o livro de poemas se mantenha à margem do mercado editorial. Este fato, aliás, pouco tem de subversivo – que “ninguém lê poesia” é algo que se pode atribuir, tanto quanto o desinteresse mais amplo pelos livros, à pobreza do sistema educacional, ou a esta espécie de analfabetismo poético que faz com que existam excelentes leitores de prosa, filosofia, ciências, que não chegam perto de poemas, ou ao já corriqueiro fato de a palavra ter perdido hegemonia cultural no século 20, o que de modo algum significa que tenha deixado de circular no mercado da cultura. Convenhamos, também, que atribuir caráter de “resistência” à impopularidade da poesia não passa de pirraça, a que Paulo Leminski não se furta, chegando mesmo a sugerir aos poetas que se alegrem com a “renitência das casas editoriais em publicar poesia”, uma vez que isto assinalaria que ela é “a última trincheira onde a arte se defende das tentações de virar ornamento e mercadoria, tentações a que tantas artes sucumbiram prazerosamente”.

(...)

No entanto, o efeito que experimentamos na leitura de um poema é irredutível a um parecer de especialista, por especializada que seja a leitura. Seus condensados de linguagem capturam-nos integralmente os canais de sensação, cognição e sentido, nos colocam em estado de antena, propício à apreensão de faturas nada óbvias da realidade. Seja qual for a experiência que um poema nos sugira – beleza, revolta, inteligência, amor, e até mesmo poesia –, somos confrontados com ela de maneira sempre inaugural, pelo modo como ele condensa a matéria vital de que se nutrem os signos.

Neste sentido é que poesia é a linguagem em estado de descoberta – todos os poros abertos ao seu contato, ela nos conecta com o mais amplo e o ínfimo particular, o cósmico e o chão, o âmago e o umbigo, em lampejos que lhe revelam como artefato insuspeitamente arcaico, como a própria vida. É por isso que, na formulação de Jair Ferreira dos Santos, num texto fundamental, a poesia “solicita a nossa existência no ato de ler, algo que o slogan nunca fará”. O vínculo que estabelece é de contemplação e curiosidade, pois se recusa a distrair, e quando a troca já dominou a tudo, a poesia só se deixa apreender como partilha.

Por estas aberturas, ela tem parte com o ainda não-codificado da linguagem e do próprio real. Se o poeta é “mestre da vida”, como quer Maiakovski, não é apenas porque lhe recolhe os despojos no poema, é também porque os devolve de volta à existência – a sua própria, para começar, e a de quem quer que tope a aventura. Por isso é que, como Paulo Leminski não cansou de dizer, quem se abre pra um poema é tão poeta quanto quem o escreve.

(...)

Entre nós, nesta cabeça de século, a liberdade de experimentar não está em causa, não se contesta, conquista inalienável da modernidade. Não estando ameaçada, tampouco oferece ameaça, não configura problema. Por isso não tem estatuto político – que é a alçada da formulação de problemas –, apenas ideológico. Deste modo, há grandes chances de que hoje o discurso da inutilidade da poesia realize o mesmo dano que a exigência do engajamento impingiu outrora nos poetas sob seu raio de pressão, o de esfrangalhar na impotência a potência das formas.

(...)

O que na experiência poética resiste à ordem econômica vem de seu horror a qualquer redução da experiência vital a estados de paupéria. A poesia nos atiça pra o diverso e o denso, nos põe em pesquisa do que ainda não somos. Condimenta o desejo de impossível para dar vazão a novos possíveis. Por isso penso em poesia como um modo de relacionar-se com a linguagem cujas implicações a excedem.

(...)

O poético é a refinaria do humano, por ele avançam em profundidade, e não apenas em progressão, nossos recursos mais altos de empatia, criatividade e argúcia. À medida que avançam, espalham pelo caminho reservas duradouras de alegria, isto é, de energia e motivação, disponíveis à comunidade como testemunho e estímulo, história e projeto. Cada poema é um excerto deste excesso, que por destreza estrutural é capaz de condensar e recompor a inteireza de sua fundura. Qualquer um que se aposse destas dimensões da linguagem toma posse de si mesmo, e da extensa linhagem dos que souberam e sabem a vida, fareja por conta própria os possíveis entranhados no poema, e é aí que se começa a vislumbrar alguma liberdade.
 
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Edição especial do Suplemento traz panorama poético

Suplemento-especial.jpg


A nova edição especial do Suplemento Literário, veículo da Superintendência de Publicações e Suplemento Literário, vinculada à Secretaria de Estado de Cultura, já está disponível. Com o título de ‘A nova poesia brasileira vista por seus poetas’, a revista traz um painel representativo do que foi produzido em poesia por autores nascidos a partir de 1960, com enfoque na produção desses autores nas duas últimas décadas.

Essa seleção foi feita por poetas brasileiros que tiveram, além desse desafio, a difícil tarefa de redigir comentários sobre o poema que selecionaram Em números, trata-se de 54 poetas, que escolheram 52 poemas de 40 autores.

A edição reúne poetas de diversas partes do país, como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte.

Link do arquivo.

FONTE: http://www.cultura.mg.gov.br/component/content/article/205/1547

Tem muita coisa desigual aí, claro. Literatura nenhuma consegue produzir 50 bons poetas de uma leva só. Em antologias isso faz sentido, do mesmo modo que, se lermos a Antologia de Poesia Parnasiana do Péricles Eugênio, vamos achar que o parnasianismo foi o fim da história.

Mas, do quê foi posto aí, destaco o Carlito Azevedo, Monica de Aquino, Rodrigo Garcia Lopes, Ana Martins Marques e Dirceu Villa (o poema dele é talvez o melhor da coletânea). Acho que dá pra ter uma ideia legal do que está sendo produzido hoje em dia.
 
Última edição:
essa capa me deu medo.
parece um monstro-gelatina-antimatéria-do-mal

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Aí, veio o bicho-papão
e tirou nosso ar.
:-(

- Buzzo, p. 10.
 
Poesia é maléfica >: )
Ainda mais poesia contemporânea mwahahahaha

E é, né... Nessas horas fica até um pouco engraçado ver o esforço do pessoal em comentar seriamente a experiência com um poema desses :lol:
Mas como não conheço o resto da produção da autora, então ficam elas por elas. Por exemplo, lendo o poema da Angélica Freitas não dá pra ter uma ideia muito boa de quem é Angélica Freitas. Você vai achar que a poesia dela é uma porcaria, visto que o poema em-si é bem bocó: o lance é que na conjuntura da obra Um útero é do tamanho de um punho ele ganha um relevo diferenciado.
 
"O poético é a refinaria do humano, por ele avançam em profundidade, e não apenas em progressão, nossos recursos mais altos de empatia, criatividade e argúcia."

Pelo visto cada leitor parece ter uma lista com os ativos mais valiosos...

Por exemplo... Da diferença entre "Ler" e "Ler com objetivo de" é possível retirar inúmeras camadas de interesse.

Para aquele que lê sem compromisso obrigatório a atração e o charme fisgam o cidadão começando pelas simpatias e antipatias em relação a elementos do texto. E num dia de sol a pessoa pode se sentir atraída por focar a interpretação nas personagens favoritas da história enquanto em um dia de chuva o humor esteja mais para verificar e contabilizar quantos adjetivos negativos ou positivos aparecem durante a leitura.

Nesse caso há maior evidência da poesia de grande praticidade, de consumo fácil e rápido (que não significa sempre poesia de qualidade).

Em outras palavras, ao comprar o livro o leitor entra no jogo de decifrar o enigma ao mesmo tempo em que obtém prazer, praticidade ou o que mais desejar da poesia.

Em grande parte é uma crítica contra o tempo acelerado que oferece tempo apenas para uma única interpretação de texto em prol da simpatia ou da antipatia esquecendo o "ler com objetivo de". Tipo ler um livro inteiro e estar sempre com a interpretação incompleta sem tirar proveito da poesia.

Que o leitor tem mudado loucamente a preferência na hora de jogar com significados e decifrar enigmas é certo mas ele nunca avisa ninguém. Até porque dificilmente ele parou para se preocupar na razão de ter sido passional.

Isso me lembra da escola... Na biblioteca havia livros com poemas que eu escolhia na hora do recreio a partir do "ler com objetivo de" que focava os conteúdos de beleza universal e que fossem poemas elegantes o suficiente para que não envergonhassem a pessoa que o recebesse (recebimento secreto, é claro). Esse é um território favorito, que une o útil ao agradável.
 
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