Morfindel Werwulf Rúnarmo
Palestina livre!
Sir Arthur Conan Doyle

Fascinante, por muitos aspectos, a personalidade de Sir Arthur Conan Doyle, o famoso romancista, criador de Sherlock Holmes, há de sempre justificar comentários e considerações elevadas. Ele foi, sem exagero, um grande homem - pelo caráter, pelo talento, pela imaginação e pelo físico, enfim, um grande homem integral.
Nascido aos 22 de maio de 1859, em Picardy Place, Edimburgo, capital da Escócia, de descendência nobre, Arthur Conan Doyle faleceu precisamente a 7 de julho de 1930. Embora os foros de nobreza, sua família não era abastada, tanto que ele teve de enfrentar enormes dificuldades para estudar e formar-se em Medicina. Seu pai chamou-se Charles Altamont Doyle, e sua mãe, Mary Foley. Ambos católicos severos, sendo que alguns membros da família se extremavam num fanatismo tremendo. Mais adiante teremos ocasião de demonstrar a atitude firme e digna de Conan Doyle em face do pétreo sectarismo de seus parentes. Foi-lhe dado o nome de Arthur em homenagem a um tio materno - Arthur Conan Doyle, crítico de arte do Art Journal, célebre pela segurança, profundidade e rijeza de seus comentários.
Sua mãe foi uma mulher verdadeiramente excepcional, quer pela pureza do caráter, como pela franqueza das atitudes e também pelo respeito que devotava ao ser humano. Conan Doyle foi o ídolo do seu coração. Ambos se amavam enternecidamente e se compreendiam melhor, talvez em virtude da afinidade moral entre eles existente.
Não pretendemos descer a pormenores a respeito da educação recebida por Conan Doyle.
Será suficiente esclarecer que Mary Doyle deu de si o melhor que pode para plasmar a vigorosa personalidade de seu ilustre filho. De como ele correspondeu aos esforços maternos, di-lo a História. Essa mulher admirável transmitiu-lhe estas máximas: Sem temor diante dos fortes e humilde diante dos fracos. Detestava as atitudes de esnobismo, as superfluidades comuns aos descendentes de nobres, mas cultivava com religioso respeito às tradições da família. Ela ensinou Conan Doyle, desde menino, a demonstrar sempre cavalheirismo para com todas as mulheres, de alta ou de baixa condição. Podemos dizer que Arthur foi o retrato moral de sua extraordinária genitora. Dela herdou todas as virtudes, assim como a energia, o amor ao trabalho, o destemor nos momentos difíceis ou perigosos, a coragem de dizer o que sentia, fosse qual fosse à situação; a facilidade em se colocar na defesa dos fracos, bem como o respeito indeclinável a seus pontos de vista, enquanto seus argumentos não fossem abalados.
Nascido, como dissemos, em ambiente rigorosamente católico, Conan Doyle foi aluno de padres jesuítas, em Stonyhurst, Lancashire, para onde foi depois de se haver preparado no colégio de Hodder House. Ali, teve por à prova a sua personalidade em formação, sustentando opiniões divergentes das dos padres, mesmo quando isto lhe custasse punições severas. E não se abatia depois dos castigos, olhando de frente aqueles que o puniam por não lhe obterem a passiva anuência. Intimamente, porém, seus professores o admiravam, respeitando-lhe o talento. O famoso escritor inglês Thomas Babington Macaulay merecera a sua predileção. Conan Doyle se deleitava com suas obras e um dia compreendeu que Macaulay, embora de forma cavalheiresca, não acreditava muito no Papa. Sua condição de católico e admirador de Macaulay lhe impôs o dever de descobrir de que lado estava à razão, até que um dia ouviu um padre irlandês afirmar em público que todo aquele que não era católico iria para o inferno. Aí, nesse pormenor aparentemente insignificante, estava o ponto inicial da sua futura atitude de abandonar a religião tradicional da família. Conan Doyle ainda não havia pensado nessa situação delicada, que, segundo o padre, conferia um privilégio especial aos católicos. Estava certo, porém, de que a afirmativa do sacerdote continha um erro essencial.
Lembrou-se, então, de que sua mãe, há um tempo severa e romântica, considerava banais as asseverações fraudescas desse quilate, dizendo-lhe:
- Usa sempre roupas internas de flanela, querido filho, e jamais acredites no castigo eterno.
Semelhante frase, dita por uma senhora austera, católica e altamente equilibrada, denotava que sua inteligência esclarecida não se amoldara a conceitos sectários e irracionais, porque ela também não renunciava às suas opiniões, uma vez convencida de que estava certa.
Mais tarde, Conan Doyle entrou em contacto com velho amigo da família, o Dr. Bryan Charles Waller, sábio, bondoso, agnóstico em matéria de religião e igualmente positivo em seus argumentos.
O Dr. Bryan Charles Waller exerceu, durante muitos anos, forte influencia na vida intelectual de Conan Doyle, despertando-lhe o espírito para problemas profundos, que, afinal, lhe permitiram desvencilhar-se de vacilações oriundas do colégio de jesuítas, onde estudara. Entretanto, Waller Scott e Macaulay foram os autores que mais participação tiveram nos gostos e preferências de Conan Doyle, chegando mesmo a determinar sua inclinação literária. Mais tarde, Conan Doyle viria a declarar que Edgar Allan Poe, tanto quanto aqueles, acentuara a tendência que tomaria dentro da literatura. O primeiro conto de Poe - O Escaravelho Dourado - foi lido por ele com grande sofreguidão.
Defesa da vida interior
Em 1878, Arthur Conan Doyle recebeu uma carta do Doutor Waller, na qual havia este trecho:
E acrescentou, incisivamente:“Esta vida interior viril é o que a Teologia quer destruir, fazendo-nos crer que somos vis, pecaminosos e degradados, o que é uma falsidade pestilenta e corta o melhor que há dentro de nós, pois, se tira o respeito que o homem deve a si mesmo, faz-se muito para transformá-lo num magarefe e num malvado.”
Pode-se perceber, portanto, o vigoroso instinto anticlerical do Dr. Waller, que, assim, ia demolindo os já frágeis pontos de contato de Conan Doyle com o Catolicismo.“Fazer é uma palavra melhor do que crer, e ação é uma ordem mais segura que fé.”
Nesse ano, Arthur, aproveitando as férias escolares, empregou-se como aprendiz de médico num dispensário dos mais pobres bairros de Sheffield. A princípio, nada ganhava, trabalhando por casa e comida. Isto já representava alguma coisa, porque aliviava os encargos da sua valorosa mãe. Essa experiência durou apenas três semanas, porque ele não possuía suficiente prática, ou não podia, então, atender às exigências do Dr. Richardson. A verdade era também que os clientes, vendo Conan Doyle tão jovem, não confiavam muito nas suas aptidões para a Medicina. Mais tarde ele comentaria o fato, ao escrever para casa:
“Esta gente de Sheffield preferiria ser envenenada por um homem com barba do que ser salva por um homem imberbe.“
Trabalho vão
Sem nenhuma ocupação, Conan Doyle tinha ainda de esperar meses para iniciar o curso de outono da Universidade de Edimburgo. Que fazer durante esse tempo? Resolveu seguir para Londres, para tentar trabalho, e por meio da imprensa médica ofereceu seus serviços. Hospedou-se em casa de seu tio Henry, em Clifton Gardens, onde foi recebido com satisfação. Enquanto não arranjava nada, estudava pela manhã, e à tarde passeava pelas ruas. Mas as coisas não podiam continuar assim. Sem esperança de se empregar em terra, Conan Doyle decidiu entrar para a Marinha, como ajudante de cirurgião. Nesse ínterim, recebeu uma carta do Dr. Elliot, do povoado de Ruyton, em Shropshire, informando que aceitava seus serviços. Esse Dr. Elliot, porém, não tinha um caráter muito firme e se enraivecia com facilidade. Um dia, zangou-se porque Conan Doyle ponderou que a pena de morte devia ser suprimida. Não tolero que semelhante opinião seja dita em minha casa, entende, senhor? - esbravejou ele, dirigindo-se a Conan Doyle. Sem se alterar, este lhe respondeu na mesma hora:
“Senhor, costumo expender minhas opiniões onde e quando queira.“
Não tardou, assim, que Arthur voltasse ao colégio, em fins de outubro. Trabalhara de graça para o Dr. Elliot, mesmo porque não havia sido combinada nenhuma remuneração pelos meses de trabalho que ali tivera. Mas, intimamente, confiava em que o Dr. Elliot lhe desse alguma coisa. Não veio nada. Então, Conan Doyle perguntou-lhe se lhe poderia pagar a viagem de volta e teve esta resposta, que define o perfil do Doutor Elliot: “- Meu amigo, a lei é assim. Se um assistente tem ordenado combinado, é pessoa reconhecida e com direito a reclamar que suas despesas sejam pagas. Caso contrário, transforma-se num cidadão que viaja para instruir-se. Por conseguinte, nada tem a receber.”
Convencido de que não dava resultado ser ajudante de médico, pelos calotes que sofria, Conan Doyle voltou a Edimburgo, onde, por força das circunstancia, foi ser assistente de um Dr. Reginald Tatcliffe Hoare, de Clifton House, em Birmingham, que, como médico dos pobres, ganhava muito dinheiro. Nessa época escreveu mais três contos: O mistério do Vale, A granja encantada de Goresthorpe e O conto do Americano.
Estava pensando em ser médico de um navio sul- americano, quando seu amigo Claude Augustus Currie, estando impossibilitado de viajar, lhe ofereceu seu camarote e sua função. Iria como cirurgião nominal, ganhando ao todo cinqüenta libras, e estaria durante sete meses percorrendo o Oceano Ártico.
Na baleeira Hope
Em fevereiro de 1880, lá se foi ele na baleeira Hope, deixando o porto de Peterhead no fim desse mês. Improvisaram uma luta de boxe e ele derrotou o mordomo do navio, logo na primeira noite, ganhando prestígio a bordo. O encontro de manadas de focas foi também motivo de alegria para Conan Doyle, que, assim, se refazia das muitas decepções que havia tido em terra. Em setembro de 1881, deixou o navio e regressou a Edimburgo, com a sua estatura completamente desenvolvida.
Diplomado
Nesse mesmo ano de 1881, Arthur Conan Doyle recebeu diploma de médico e durante algum tempo voltou a ser assistente do Dr. Hoare. Vários fatos ocorreram, ameaçando a sua tranqüilidade profissional, até que conseguiu realizar seu desejo de fazer nova viagem marítima. Lá se foi ele no navio Mayumba, a caminho da costa ocidental da África. Sua mãe o animava. Um ou dois anos de viagem lhe permitiriam arranjar dinheiro suficiente para instalar um consultório por conta própria. Em outubro desse ano, porém, o navio foi acossado par tremenda tempestade, depois de Tuskar Light. E todos viram um médico gigante permanecer corajosamente metade da noite sobre o tombadilho lavado pelas águas. Foi essa uma de suas últimas noites de satisfação a bordo, nessa viagem acidentada à Costa do Ouro. Em janeiro de 1882, o Mayumba atracava de novo em Liverpool. Sentou-se Arthur numa sala onde exalava insuportável fétido de madeiras e metais queimados, e escreveu à sua sempre lembrada mãe uma carta, de onde destacamos estas linhas: Escrevo-lhe para dizer que cheguei são e salvo, depois de haver apanhado a febre africana e quase ter sido devorado por um tubarão. Como cena final, o Mayumba se incendiou entre a ilha da Madeira e a Inglaterra. Não penso voltar à África. O que ganho é menos do que poderia ganhar com a minha pena ao mesmo tempo, e o clima é atroz. Espero que não se decepcione por eu haver abandonado o navio, mas isto não é suficiente. Eu seria capaz de fazer qualquer coisa para não decepcioná-la ou causar-lhe desgosto. Podemos conversar a esse respeito. Conversaram e tudo se acomodou. Nessa ocasião, chegou uma carta da tia Anette, chamando-o a Londres, a fim de falar- lhe de suas probabilidades para o futuro.
Choque inevitável
Foi essa a primeira vez que Arthur Conan Doyle defrontou a primeira crise real de sua existência. Seus parentes católicos poderiam influir muito na sua vida futura. Mas ele fiel à sua maneira de sentir, respondeu à tia Anette, dizendo que era agnóstico e que, diante disto, seria falta de honestidade de sua parte discutir o assunto com eles. Sua mãe, que daria tudo para ver o filho triunfante, deixou que ele fizesse o que pensava e guardou silencio.
Não tardou que chegasse a resposta da tia Anette, insistindo para que ele, mesmo assim, fosse a Londres. E para lá partiu o jovem o voluntarioso Arthur Conan Doyle.
*
Arthur Conan Doyle chegou à casa dos tios disposto a manter sua opinião, mas desejoso de evitar uma ruptura. Passou os olhos pela sala de jantar da casa de Cambridge Terrace. Lá estava a grande mesa, em volta da qual já haviam sentado homens preeminentes, como Walter Scott, Disraeli, Thackeray, Coleridge, Wordsworth, Rossetti, Lever e muitos outros, todos eles amigos de seu tio John e que representavam o mundo literário que tanto atraia o jovem Arthur. Intimamente, não desejava crer que seus parentes se aborrecessem tanto por simples questão religiosa. Mas era justamente neste ponto que ele se enganava. Para seus tios, já envelhecidos, superiores e sem descendência, a única coisa que importava no mundo era a Igreja Católica. Seus antepassados tudo haviam dado por ela e para ela. Os bens materiais eram efêmeros; só a fé era real. No entanto, esse jovem Arthur, para quem eles haviam sido tão bondosos, estava pondo a própria alma em perigo, por causa de um perverso capricho.
Iniciado o conselho de família, Conan Doyle foi franco:
- Se eu exercesse minha profissão como médico católico, teria que receber dinheiro e declarar que acredito em algo em que realmente não creio. Vocês todos teriam o direito de me considerar o maior canalha do mundo, se o fizesse. Vocês não procederiam assim, não é certo?
O tio Dick, que ele conhecera tão sereno, estava furioso, e retrucou:
- Mas nós estamos falando da Igreja Católica. E isso é diferente.
A fria simplicidade desta observação chocou-se com o ânimo de Conan Doyle, quando seu tio acrescentou:- Eu sei. Mas em que sentido é diferente, tio Dick? - Porque aquilo em que acreditamos é verdadeiro.
- Se somente possuísses fé.
O rapaz, com a firmeza que lhe era habitual, contestou:
- Sim, é isso o que todos me dizem. Falam de ter fé como se fosse possível obter por um ato voluntário. Poderiam pedir-me também que tenha cabelos negros em vez de castanhos. A razão é a mais alta faculdade que a criatura humana possui. Temos de fazer uso dela.
Esta resposta de Conan Doyle não abalou os tios. E o de nome James indagou:
- Que te diz a razão?
- Diz-me que todos os males da religião, dezenas de religiões destroçando-se umas às outras, provém de serem aceitas coisas que não podem ser provadas. Dizem-me que esse Cristianismo de vocês contém muitas coisas nobres e magníficas, misturadas com uma quantidade de absurdos e (utilidades sem-nome. Dizem-me...
Estava concluída a entrevista.
Ao deixar aquela casa, Arthur Conan Doyle sabia que uma porta se havia fechado para ele definitivamente. Ainda que os céus desabassem, jamais recorreria a esses tios - pensou com os seus botões. Um sobrinho a quem tantas vezes haviam agasalhado passou a ser um estranho. Alguém poderia dizer que ele pusera fora a grande oportunidade de sua vida. Mas Arthur Conan Doyle possuía excelente formação moral, tinha um caráter rijo, modelado por uma mãe excepcional. Por isto, reafirmou suas opiniões religiosas e jurou que jamais aceitaria algo que não pudesse comprovar.
Tentando a sorte
Decidido, a vencer, Conan Doyle pôs a procurar colocações a bordo, sem resultado. Recebeu, nessa época, um telegrama de seu amigo Dr. Budd, que lhe oferecia um lugar em seu consultório, pois tinha muito serviço, prometendo a Conan Doyle trezentas libras no primeiro ano de trabalho, desde que ele se encarregasse de todas as visitas, de toda a cirurgia, de todos os partos. Esse Budd, porém, era um charlatão espetaculoso, embora médico capaz, e possuidor, realmente, de grande clientela. Numa palavra, um cabotino.
O que se passou, dai por diante, foi penoso para Conan Doyle, que ganhava apenas uma ou duas libras por semana. Enquanto Budd prosperava, ele marcava passo. Seus credores aumentavam, porque Budd não lhe pagava o que havia prometido. De boa-fé, Conan Doyle defendia o amigo, quando sua mãe dizia que Budd não era relação que servisse para ele, criticando duramente o caráter desse médico.
Indiscretos
Um dia, quando Conan Doyle estava ausente, Budd e a mulher remexeram-lhe os móveis e encontraram as cartas em que a mãe de Arthur se externava com franqueza a respeito desse falso amigo. Traiçoeiro, Budd nada disse, esperando que chegasse o mês de junho, quando, da maneira mais suave, declarou a Conan Doyle que este arruinara a sua clientela desde o começo. E explicou: Essa gente da roça tem a cabeça dura. Vêem uma porta com dois nomes de médico e se atrapalham.
Querem o Dr. Budd, mas receiam ser enganados pelo Dr. Doyle. Ficam nervosos e vão embora.
Conan Doyle, que nada sabia do que havia sucedido, foi para o pátio e retirou com um martelo a placa que tinha o seu nome na porta principal. Budd aproveitou o ensejo para alegar que ele estava agindo precipitadamente e de mau humor. E lá se foi ele para Portsmouth, onde abriu um consultório, também sem êxito. Os primeiros tempos de clínica eram bastante difíceis. Como o Dr. Budd lhe havia prometido pagar-lhe uma libra por mês, para que ele desfizesse o acordo estabelecido, ele contava com essa libra para ir ajudando as despesas menores. Dois contos seus, Ossos e A ribanceira de Bluemansdyke, publicados pelo editor de London Society, lhe renderam sete libras, e quinze xelins lhe foram pagos como adiantamento por outros trabalhos. Conan Doyle chamara seu irmão Innes, de dez anos, para ajudá-lo como servente.
Comédia
Estava tudo indo assim, Conan Doyle às voltas com o aluguel da casa que ocupava e com outras despesas que não podia solver, quando o Dr. Budd lhe escreveu, dizendo haver encontrado, no quarto que ele ocupara, pedaços de certa carta rasgada. Juntara esses pedaços, depois que Arthur fora, para Portsmouth, e verificara tratar-se de carta da mãe de Conan Doyle, que continha pesados insultos a ele, Dr. Budd, chamando-lhe pouco escrupuloso e tapeador em falência. Ora, isso era uma falsidade, pois a verdadeira carta se achava em poder de Conan Doyle. Mas, com esse estratagema, Budd livrou-se da obrigação assumida de lhe dar uma libra mensal.
Melhoria
Parece que, rompidos os laços que o ligavam a Budd, as coisas começaram a melhorar e os primeiros clientes foram chegando. Seu consultório tinha respeitabilidade e asseio. O tempo correra e um belo dia o correio entrega a Conan Doyle uma carta da firma Smith, Elder & Co., datada de 15 de julho de 1883, que saudava A. C. Doyle, e lhe fazia entrega de um cheque de vinte e nove guinéus em pagamento de uma colaboração que o escritor enviara ao Cornhill Magazine, sob o titulo A Observação de Habakuk Jephson, que ainda não havia sido publicada.
Conan Doyle vibrou de satisfação. Conseguira finalmente entrar na fortaleza inexpugnável que era o Cornhill Magazine. Entretanto. . .
*
A alegria de Conan Doyle por ver aceito o seu trabalho A Observação de Habakuk Jephson, pelo Cornhill Magazine, cujo editor havia sido anteriormente Thackeray e estava então prestigiado pelo famoso novelista Robert Louis Stevenson, autor de A Ilha do Tesouro, Dr. Jeckyll e o Mr. Hyde e outros, não foi tão completa como seria de desejar. É bem verdade que o Cornhill Magazine só publicava trabalhos de real valor e seu editor, o eminente James Payn, era muito exigente a esse respeito. Acontece, porém, que omitiram o nome de Conan Doyle e Habakuk apareceu sem a sua assinatura, tendo um critico atribuído sua autoria a Stevenson, comparando-o a Edgar Allan Poe. E fácil imaginar o estado de espírito de Conan Doyle, ao ver um trabalho seu ser tão elogiado e atribuído a outros escritores. Foi preciso que ele se contivesse muito para deixar de dizer a todo o mundo ser seu A Observação de Habakuk Jephson. Lutando como estava, não pode suprimir a colaboração para revistas mais modestas e baratas, como London Society, All the Year Round ou Boy's Own Paper.
Até 1884, exerceu sem grandes modificações a sua profissão de médico, sem abandonar, entretanto, a literatura. Ainda arranjava tempo para orientar seu irmão Innes na redação de um diário.
Conan Doyle salva o tio
Desde aquela entrevista em Cambridge Terrace que Conan Doyle sofria de amargura e não havia feito as pazes com os tios. Esteve uma ou duas vezes com o tio Dick, salvando-lhe a vida de um ataque de apoplexia. Este, depois, lhe enviou uma carta de apresentação para o bispo de Portsmouth, ajuntando que não existia médico católico na cidade. Ao ler isto, Conan Doyle ficou irritado. E a carta dizia mais:Num gesto brusco, largou a carta ao fogo. Não era homem de enfraquecer por qualquer coisa. Aquela carta, pelo contrário, lhe dava novas forças para enfrentar a situação delicada em que vinha vivendo.Volta ao aprisco; aceita a fé e não passarás fome.
Simplicidade
Doutra feita, sua mãe, a quem ele adorava, perguntou-lhe por que não usava em seus papéis o escudo de nobreza da família, o escudo dos Foleys, que era o orgulho dela. Conan Doyle esclareceu que os escudos de família em uma folha de papel pareceria um pouco ostentoso. Às vezes não dava resposta às cartas que recebia, por falta de dinheiro para o porte. Lutando sem desanimo, Conan Doyle começou, por fim, a derrubar as primeiras barreiras. Sua clientela foi aumentando, fato que comprovou ao ser saudado por seus conhecidos.
Exímio no futebol
Suas façanhas no críquete e no futebol contribuíam também para isso. Jogava com muita técnica e não menor energia, tornando-se popular no esporte. Fez-se sócio da Sociedade Literária e Cientifica, dividindo suas horas de lazer entre a literatura e o esporte. Chegou até a ganhar bela caixa de charutos finos em virtude da sua perícia no boliche. De quando em quando, para alegrar-se, recebia a visita de alguma de suas irmãs.
Êxito de Habakuk
Médico da Companhia de Seguros de Vida Gressham, Conan Doyle viu sua renda aumentar. Teve ocasião de fazer a dura experiência que o contato com a dor e a morte impõe aos médicos. Quanto mais se dedicava à Medicina, mais se aprofundava nas letras. Depois do aparecimento de A Observação de Habakuk Jephson - diz seu biógrafo Carr -, em janeiro de 1884, durante algum tempo não teve Conan Doyle oportunidade de ver publicado outro trabalho no Cornhill Magazine. Esse conto, feito com muita imaginação, baseava- se num abandonado barco, misterioso, de nome Mary Celeste. Teve repercussão muito além dos elogios dos críticos. Ao longe, em Gibraltar, foi lido por um tai Sr. Solly Flood, intercessor de S.M., que ficou petrificado, e, por intermédio da Central News Agency, enviou um telegrama que percorreu a Inglaterra inteira.
Esse Flood escreveu também um longo relatório a seu Governo e aos jornais, salientando a ameaça que, para as relações internacionais, representavam as pessoas como esse doutor Jephson, as quais fingiam revelar fatos que oficialmente poderiam ser provados como falsos. Antes que a situação ficasse esclarecida, os jornais se divertiram bastante com os temores desse Sr. Flood. Para o Dr. Conan Doyle essa ocorrência foi o princípio de uma revelação. Poderia escrever ficções que muitas pessoas tomariam por ser a verdade mesma.
Assim, o ano de 1884 começava para ele com uma febre por escrever, mas o Cornhill Magazine lhe devolvia todos os trabalhos que ele enviava para publicar. Mas o grande escritor do futuro se alegrou ao receber convite para participar de um almoço que aquela revista oferecia a seus colaboradores, no Barco, em Greenwich. Foi nesse almoço que Conan Doyle conheceu Payn, diretor do Cornhill Magazine.
Injustiça
Ao ser divulgado um concurso literário do Tit-Bits, Conan Doyle para lá mandou um artigo. Mas ficou indignado ao ver que o premio havia sido concedido a um trabalho em todos os aspectos inferior ao seu. O que o irritava é que não havia justiça. Resolveu que os obrigaria a ser justos!
Fez ele, então, uma proposta-desafio, que o editor da citada revista deixou sem resposta, dada à impossibilidade de desmenti-lo. Indiretamente Conan Doyle vencera...
Primeiro casamento
Em junho de 1885, Conan Doyle, depois de defender tese, recebeu o título de M. D., Doutor em Medicina (Medicai Doutor), e em agosto casou-se com a suave Louise Hawkins, Touie. Sempre lutando para que seus trabalhos literários fossem aceitos e buscando firmar-se na carreira médica, ele chegou ao Ano Novo de 1887.
Atraído pelo psiquismo
Estava então inteiramente preocupado com um novo e delicado assunto: o psiquismo. Havendo renunciado ao Catolicismo, que não satisfazia ao seu espírito evoluído, permaneceu materialista, tal como o historiador Gibbon, a quem tanto admirava. Mas o seu materialismo era mais de superfície, tanto que escreveu:É verdade que se tem de subentender um Criador, se concebe o mundo como um imenso maquinismo de relógio balançando sobre o vácuo.
Contato com o Espiritismo
Ao iniciar-se o ano de 1887, Conan Doyle foi visitar um de seus doentes, o General Drayson, que lhe falou de alguma coisa chamada Espiritismo. Esse general era astrônomo e matemático notável. Disse a Conan Doyle de suas conversações com um irmão já desencarnado, razão pela qual se convertera ao Espiritismo. Conan Doyle ouvia, mas nada dizia. O general lhe assegurou que a existência além da morte era um fato provável. Prudente, Conan Doyle respondeu com algumas palavras que o não comprometiam. Desde, porém, que havia a possibilidade de prova, seu espírito ficou interessado em conhecer melhor isso a que denominavam Espiritismo. Em um caderno de notas intitulado Livros que devo ler, ele anotou certa quantidade de obras sobre o assunto, que, ao cabo de um ano, chegaram ao número de setenta e quatro. Depois de se dedicar ao estudo desses livros, Conan Doyle meditou muito sobre tudo quanto despertara sua atenção e dentro em pouco tempo conhecia profundamente os problemas oferecidos pelo Espiritismo. Duma feita, citou apaixonadamente o Alcorão:Em outra ocasião, mencionou Hellenbach:Podes crer que o céu e a terra e o que há entre eles há sido feito por pilhéria?Seria ele um céptico dessa espécie? Não, em absoluto. Já havia lido e comentado, escrevendo suas notas, Os Milagres e o Espiritismo Moderno, de Wallace, e o Magnetismo Animal, de Binet e Fere.Há um cepticismo que sobre passa em imbecilidade a obtusidade de um camponês.
Experiências práticas
Chamando seu amigo Ball, arquiteto de Portsmouth, resolveu fazer sessões espíritas, que começaram em 24 de janeiro de 1887 e, com pequenos intervalos, se prolongaram até princípios de julho. Fez um relatório pormenorizado dessas reuniões, no qual se pode perceber a sua compreensão e o seu profundo interesse pelos fenômenos mediúnicos. Seis sessões foram realizadas com um médium experimentado, de nome Horstead. Numa dessas reuniões, esse médium disse estar vendo o Espírito de um velho de cabelos grisalhos, testa alta, lábios delgados e de fisionomia enérgica, que olhava fixamente para Conan Doyle.
Mensagem confirmada
Novamente, durante a sessão, esse velho se fez notado e um membro da sessão recebeu dele uma mensagem alusiva a Conan Doyle, a qual dizia:Ora, Conan Doyle confessou depois que estava vacilante sobre se deveria ou não comprar o livro Os dramaturgos cômicos da Restauração, e que o não adquirira devido à sua linguagem libidinosa. Jamais havia revelado esse fato a quem quer que seja, nem pensava nele nessa ocasião. Portanto, esclarece, não foi um caso de telepatia.Esse cavalheiro é médico. Não deve ler o livro de Leigh Hunt.
Impaciência
Depois da surpresa dessa noite, Conan Doyle, atormentado pela dúvida e a indecisão, o que se pode notar pela leitura de seu diário, esforçava-se bastante por adquirir conhecimentos cada vez mais profundos a respeito dos assuntos psíquicos. Não era homem para aceitar as coisas facilmente, antes de provas que lhe dessem cabal satisfação. Resolveu, assim, continuar investigando e lendo, porque, depois de tantas leituras e severas investigações, ainda não havia chegado a uma conclusão definitiva. Pensou lá com seus botões:E resolveu ser ainda mais exigente.Talvez eu não tenha investigado bem, com a atenção necessária.
Continua...
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