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[Shakhbûrz] Troll [L]

Shakhbûrz

sculptor of reality
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Autor:
Fellipe Mariano (eu)
Gênero: Fantasia/Horror
Título: Troll
Detalhes: Conto curto escrito para um concurso no wattpad. O tema era "infelizes para sempre" (histórias com final trágico) e tinha que ter menos de 2500 palavras. Levei menção honrosa no resultado final.

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Os paredões de pedra se projetavam dos dois lados formando um extenso corredor monumental e as águas escuras refletiam o céu acinzentado enquanto eles deslizavam lentamente pela superfície.

O pequeno grupo avançava protegido pela escuridão da noite, agachados no barco com seus escudos sobre as cabeças. Não se ouvia um som sequer senão o leve ruido dos remos descendo até a água e dando impulso a embarcação. O líder, Yngvar, ia pendurado na proa, agachado em cima da cabeça de dragão e observando cada mover de galhos das matas laterais, buscando qualquer indício de que o inimigo estava próximo.

O fiorde terminava em uma pequena praia com uma dúzia de casas de pescadores. Ao fundo podia ser visto o salão do Jarl, enquanto nas laterais uma faixa escura era delineada pelos baixos muros de madeira. Nenhuma sentinela era vista, o que significava que eles podiam estar preparando uma emboscada. A ideia era reforçada pelo fato de que não se via qualquer fogueira acessa, nem mesmo dentro do salão.

O barco se aproximou da aldeia. Yngvar pulou para a água e puxou a embarcação até a areia. O grupo de quase trinta guerreiros saltou da proa para a terra seca e fez a formação de parede de escudos, se preparando para um possível ataque, mas nada acontecia. Eles avançaram passo a passo pelo local chegando ao emaranhado de casas da vila. Não havia qualquer sinal de vida.

- Yngvar - um dos guerreiros sussurrou.

- O que foi Bjorn?

- Estou vendo uma fogueira naquela casa - ele apontou para uma pequena casa de pescador onde através das ripas da parede era possível ver o tremular alaranjado do fogo.

Um dos guerreiros empurrou a porta devagar. A casa estava vazia e a fogueira no centro do cômodo estava baixa, quase apagando. Um caldeirão estava pendurado e parecia ter sido esquecido no fogo pois o conteúdo cheirava a queimado.

- Os desgraçados sabiam que estávamos vindo e fugiram! - rosnou Radulfr, um dos guerreiros mais velhos.

Enquanto eles saiam da casa, Yngvar ouviu um ruído no interior. Ele sacou a espada e lentamente seguiu o som até o fundo dos aposentos. Fazendo sinal de silêncio para seus companheiros ele se preparou para retirar alguns barris que estavam no canto.

- Te peguei! - ele gritou.

- Ahhh!

Ele se conteve.

- Maldição! É uma criança.

Uma garotinha, com não mais do que seis anos, estava agachada no fundo. Seus cabelos estavam desgrenhados e o rosto estava marcado pelas lágrimas. Yngvar guardou a espada para mostrar a garota que não faria mau. Ele se agachou e com passos pequenos se aproximou dela.

- Olá, qual o seu nome?

A garotinha relutou, mas ficou aliviada com o sorriso sincero do líder dos guerreiros.

- Aslaug.

- Onde estão todos Aslaug?

- Eles... eles fugiram.

- E deixaram você aqui?

- Sim. Eu não achei minha mamãe e os outros correram sem se importar com quem ficava para trás.

Radulfr, que estava de pé atrás do líder deu uma risada alta.

- Eu sabia. Os bastardos são um bando de covardes! Sabiam que íamos estripar cada um deles e usar os intestinos para enforcar os que sobrevivessem.

Yngvar olhou para o bruto com cara de reprovação e depois se virou para a menina.

- Porque eles fugiram?

- Jötunn - ela disse com um tom de medo na voz.

Radulfr gargalhou novamente enquanto Yngvar o puxava para o canto.

- Pegue alguns homens e vasculhem a mata ao redor. Procurem qualquer sinal deles e de algum inimigo.

- Você não está levando essa garota a sério, está? Ela disse que eles fugiram por causa de gigantes!

- Eu não sei o que ela viu, ou do que eles fugiram, mas sei que a situação toda está estranha. Não vimos nenhum dos barcos deles aqui e eu não conheço nenhum grupo inimigo que possa ter levado eles a fugirem com tanta pressa.

- Certo. Certo. O que eu procuro? - Radulfr fechou os olhos buscando concentração.

- Qualquer sinal deles. Armas, objetos, trilhas que possam ter usado e etc.

- Corpos?

- Sim. Se você encontrar algum venha me avisar. Eu vou procurar no salão do Jarl por qualquer um que possa ter ficado para trás - Yngvar disse isso enquanto estendia a mão para a menina.

O grupo de guerreiros se dividiu.

A primeira parte seguiu em fileira até a borda do vilarejo, procurando na margem da mata qualquer sinal de luta ou fuga. A segunda parte, liderada por Yngvar, seguiu direto para o grande salão, levando a menina consigo.

O local estava deserto. A chama havia sido apagada com água e os escudos foram retirados das paredes. Isso indicava que eles se prepararam para o combate antes de fugirem, ou talvez tenham saído em perseguição ao inimigo. O silêncio do salão foi cortado por um grito, seguido por um estrondo de madeira se lascando.

- O que foi isso? - Yngvar correu até o exterior do prédio e se deparou com uma das casas destruídas. As colunas haviam se partido e o telhado virou um farelo de palha e madeira. Uma rocha de tamanho considerável estava sobre a pilha de escombros.

- Escudos! - ele gritou.

Os guerreiros formaram uma parede. As espadas foram desembainhadas e os machados foram colocados à postos. A garota foi posta entre os homens, protegida pelos escudos e pelos próprios corpos dos guerreiros.

Então a chuva começou. Ela caia pesada sobre eles, formando uma manto denso que dificultava a visão.

- Alguém está vendo alguma coisa?

Todos olhavam ao redor, mas o local estava calmo e silencioso.

- Jarl. Ali!

Um guarda apontou para a trilha que levava até a mata. Ali dois guerreiros pareciam recuar com os escudos erguidos e suas espadas em punho.

- Vocês dois cuidem dela - Yngvar disse para os guerreiros ao lado dele - o restante me siga.

O grupo avançou correndo, pulando rochas e cortando caminho pelo mato baixo. Foi então que eles puderam ver uma trilha de corpos pelo chão, a maioria deles despedaçados ou estripados. Os inimigos haviam vindo da mata, como ele pensou.

Os dois soldados estavam em pânico.

- Eles estão mortos! Eles estão mortos!

- Me conte o que aconteceu - o líder usou seu tom de voz para tentar tirar o homem de seu estado de terror.

- Eu não sei... estávamos seguindo a trilha de corpos e de repente eu ouvi o restante do grupo gritando. Uma rocha voou por entre as árvores e eu recuei até aqui.

- Jarl. Acho que estou vendo Radulfr - um dos guerreiros bateu no ombro de Yngvar e apontou para a floresta.

Uma sombra se projetava do topo de uma rocha entre as árvores. Radulfr parecia estar agachado sobre a rocha. Eles avançaram na direção do velho guerreiro, mas a sombra pareceu se mover e sumir. As árvores tornavam difícil a formação de escudos e eles tiveram que se dispersar.

- Mantenham-se perto uns dos outros. Gritem se virem alguma coisa.

Lentamente eles seguiram para dentro da floresta com somente a luz cinzenta do céu chuvoso para lhes ajudar. Um ruído a direita chamou a atenção deles. Em seguida o grito de um guerreiro cortou o ar por entre as gotas de chuva.

- Ali!

Um vulto se moveu para a esquerda, depois para a direita. O guerreiro caiu próximo a eles. O rosto estava roxo e o corpo mole como um saco de grãos, mas ele ainda vivia. Yngvar se ajoelhou próximo a ele.

- Troll - ele sussurou antes de morrer.

Um rugido ensurdecedor atacou os ouvidos deles. Era como o rimbombar de um trovão diretamente dentro de suas cabeças. Uma silhueta gigantesca, tão alta como as árvores, surgiu no meio deles. Um golpe certeiro varreu três guerreiros, lançando eles contra os troncos. No reflexo, Yngvar lançou seu machado na direção da fera. Ele se fixou na pele cinza-esverdeada, mas pareceu não incomodar o monstro.

- Corram para o vilarejo!

Em disparada eles seguiram de volta para a trilha. A criatura vinha atrás, quebrando árvores e partindo troncos ao abrir caminho para seu corpo disforme. A maioria deles não conseguiu ser rápido o bastante. Alguns foram pisados, outros eram apanhados pelas grossas mãos e partidos em dois e seus restos eram arremessados em direção ao vilarejo. Yngvar irrompeu na pequena praça do local e se voltou para a mata. Ele largou o escudo, que seria inútil contra a força da criatura, e apanhou outro machado que carregava nas costas. Do grupo apenas quatro guerreiros conseguiram se juntar a ele.

- Lá vem ele!

A criatura saiu da floresta e ficou parada no limite das árvores. Ela rugiu em direção a eles, enquanto um trovão rasgou o céu e iluminou a pele rochosa do troll.

- Ahhhhhhh!

O grupo gritou enquanto corria para o ataque. Os dois soldados que guardavam a menina também se juntarem a eles na investida. Os sete formavam uma linha espaçada, empunhando espadas, lanças e machados. O primeiro a chegar no troll foi morto com um soco que o arremessou em direção ao segundo, que também morreu na hora. O terceiro foi o próprio Yngvar que se abaixou e escapou do golpe mortal. Ele girou o machado no ar é atingiu o pulso da criatura, decepando a mão dela. O mostro urrou de dor e tentou pisoteá-lo. Dois vikings subiram pelas costas e estocavam com as espadas a espessa pele do monstro. Os outros dois arremessaram machados contro o rosto, errando o alvo que se debatia enfurecido.

Yngvar então sacou sua espada. Era uma das melhores de toda a terra do Norte. Feita de aço puro e com runas protetoras gravadas na lâmina. O metal cintilou mesmo sob a pálida luz do céu. A espada golpeou o tornozelo do mostro que perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos. Os dois vikings foram arremessados contra o solo. O monstro esmagou um deles com a mão que ainda tinha e tentou fazer o mesmo ao outro, que por sorte conseguiu rolar para longe. Os outros dois guerreiros correram em direção a cabeça da fera para tentar desferir o golpe mortal, mas foram atordoados pelo grito furioso.

Mesmo ferido o troll ainda era um adversário que inspirava cautela e terror.

Recuperado dos ataques ele se levantou e chutou um deles, que voou pela noite gritando, caindo morto no telhado de uma das casas. A criatura, agora ainda mais furiosa, arrancou uma árvore ainda com a raiz e balançou contra os guerreiros. Somente Yngvar foi capaz de se proteger. Os outros tiveram seus ossos partidos e seus crânios rachados.

A criatura gritou como se comemorasse.

- Ahhh! - a garotinha gritou ao longe.

A criatura ouviu o grito agudo e ergueu a cabeça. O grande nariz se mexeu farejando o ar e o monstro avançou com passadas largas em direção ao amontoado de casebres de madeira.

- Corra! Vá para o barco - ele tentou avisá-la.

O guerreiro correu na frente do troll e conseguiu agarrar a garota, que tremia de tanto medo. Ele correu até a praia, com o gigante despedaçando as casas enquanto o perseguia. Ele colocou a garota no barco e o empurrou na direção da água. Quando atingiram uma pequena profundidade, ele próprio entrou no barco.

A fuga deles foi frustada quando o troll agarrou a borda do navio. Yngvar apanhou uma espada no piso do barco e tentou, sem sucesso, forçar o monstro a largar o barco. O troll ergueu o braço sem mão e se preparou para destruir o navio, mas o guerreiro pulou em sua direção e cravou a espada no olho da criatura.

A fera gritou e se contorceu, largando o barco que então começou a se afastar da margem. Em seu interior a garota assistia a luta do homem contra a descomunal criatura.

Caído de costa, o troll levou a mão até o olho ferido, enquanto o outro braço se agitava no ar. O guerreiro, ainda com a espada em mãos, estava de pé na barriga do monstro e golpeava incessantemente o pele da criatura. Sangue verde respingava em seu rosto e borrifos manchavam a areia. A fera, em desespero agarrava qualquer coisa que conseguia por a mão e arremessava aleatoriamente, quase acertando o barco em certo momento.

O guerreiro se posicionou próximo a cabeça do troll, preparando-se para desferir o golpe fatal.

Nesse momento, como que por pressentimento, a fera sacudiu o corpo desequilibrando ele. A enorme mão voou em sua direção e o agarrou. Yngvar sentiu quando os seus ossos começaram a ser pressionados. Ele sentiu o ranger das vértebras se rompendo e o estalar das costelas se partindo. O troll, comemorando a vitória, abriu a boca em algo que parecia um sorriso. Um sorriso torto, fétido e horrendo.

O guerreiro só conseguiu virar o rosto e ver o navio já longe da aldeia. Ele também deu um sorriso.

Por trás de um dos picos do fiorde uma luz avermelhada começava a tingir as nuvens. O Sol estava raiando e traria consigo a morte eminente do troll. A fera, totalmente desprovida de qualquer intelecto, ria e se sacudia, celebrando o triunfante massacre de dezenas de guerreiros vikings. Quando o primeiro raio solar a atingiu ela gritou. Sua pele começou a passar do típico tom esverdeado para um cinza cobalto.

Ela se contorceu, sem nunca largar Yngvar.

O guerreiro viu o troll se transformar em pedra, pouco a pouco. Os olhos ficaram vazios, a pele se enrijeceu e no final a criatura ficou parecendo uma das inúmeras rochas do local. Ele estava preso no que fora a mão da criatura e sabia que iria morrer em pouco tempo. Seu corpo havia sido reduzido a um amontoado de fragmentos de ossos e carne. De sua boca escorria um veio vermelho que tingia a pedra que antes fora o troll.

Ele deu um último suspiro e avistou a silhueta do barco no estreito horizonte, agora pequenina como um ponto. Sua imaginação gostaria que ela ficasse bem, que ela contasse a todos o que eles haviam feito e que aqueles bravos homens pudessem ser imortalizados em alguma canção de um bardo qualquer. Entretanto, ele sabia que ela não teria chances. Sozinha não havia qualquer possibilidade de manejar o barco, de guiar o leme e de descobrir onde ficava a aldeia mais próxima. O ato heroico e desesperado havia dado apenas algumas horas, talvez um dia, a mais de vida para a pobre garotinha.

A fera estava morta.

Os guerreiros estavam mortos.

Yngvar estaria morto em instantes e a garotinha... o destino dela seria selado mais tarde e não cabe aqui dizer nada sobre isso.
 

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