E a Constituição diz:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público
Pelo que me consta a Constituição é maior que qualquer outra lei municipal ou estadual. Mas estamos no Brasil, né?
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
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Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."
Ao meu ver, apesar de ser considerado laico (como fachada), isso aparenta ser na verdade algo parecido com o que o Paganus falou de um estado teocrático onde há respeito por todas as crenças, onde é adotada uma visão religiosa (em sua maioria cristã, ou apenas teísta) porém visando o respeito a ateístas e pessoas de outras crenças. Enfim,
é o que parece.
O primeiro absurdo começa com a prática de leitura da Bíblia num espaço público, ferindo o princípio laico.
Discordo, a religião pessoal não deve interferir no que diz respeito aos demais, seja na criação de leis ou na execução de tais leis, mas pessoalmente ela será válida em qualquer lugar. Se na Câmara de Piracicaba esta prática é comum, é porque a câmara em algum momento votou para que tal prática acontecesse, certo? É uma votação entre quem frequenta a casa.
A prática, ao meu ver, não é um guia judiciário, pelos quais as leis serão regidas, mas um guia pessoal, em acordo dentre todos que estão ali, alcançado pela votação.
O segundo absurdo começa com o presidente da Câmara exigir que o servidor ficasse de pé. Autoritarismo, opressão, abuso de suas prerrogativas, completa ausência de bom senso e intolerância.
Eu procurei no regimento interno da câmara algo sobre essa obrigatoriedade e não achei, porém se está na lei está na lei e ponto final. Acho certo a atitude do presidente ao exigir que a regra seja cumprida, da mesma forma que acho certo o protesto do servidor caso tenha sido sua intenção chamar atenção para tais regras. O problema, se existir, é técnico, não de atitudes.
O terceiro absurdo constitui na retirada à força do funcionário por um policial militar e por um guarda municipal. O que justifica essa arbitrariedade?
Relatos indicam uma discussão antes da retirada.
Eu também acredito que ele deve ter sido retirado pelo atrito e não pelo simplesmente ato de não levantar. Não deixa de ser uma provocação e o ato de chamar os seguranças autoritário. Eu não sei se a OAB pode fazer algo a respeito. O regimento interno da Camara não é uma lei e é de propriedade do legislativo. Acho que o judiciário não tem como questionar.
Não entendo praticamente nada dessas diferenças entre setores, só queria comentar que provavelmente foi uma questão de atrito mesmo, como sugere esse trecho da notícia que o Bruce postou:
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Já o diretor jurídico do Legislativo de Piracicaba, Robson Soares, disse que Montero fazia 'baderna' e que 'tumultuava' a sessão naquele dia. "O ato da leitura bíblica está no artigo n° 121 do Regimento Interno. É algo presente nas sessões desde a criação do Legislativo piracicabano. Não obrigamos ninguém a acompanhar a leitura, mas que essa pessoa respeite as regras da Casa ou que se retire", afirmou Soares."
Aí não sei se é possível se retirar e após a leitura retornar normalmente, mas dá a entender que existem escolhas para aqueles que não quiserem se levantar durante a leitura, ou até mesmo ouvi-la, o que torna desnecessário desrespeitar a regra da casa.
Outro ponto, eu gostaria de tirar a dúvida se a obrigação de se levantar está relacionada com o texto bíblico, que no próprio artigo 121 não fala nada sobre se levantar, ou se é um sinal de respeito ao orador, ou talvez à esta específica parte da seção. Até agora, não li nada que indique ser um gesto de respeito para com o texto lido, e caso seja um detalhe técnico, relacionado ao orador ou à seção, bem que poderiam revisar o artigo e adicionar uma obrigatoriedade em ficar todos sentados.
Para quem diz que o rapaz foi retirado por criar uma cena depois de se recusar a ficar de pé, o presidente da assembleia já deu entrevista dizendo que mandou retirar porque ele não levantou, e a norma da casa exige isso.
Eu vejo mais sentido que tenha havido alguma discussão antes do uso da força, e que a discussão ou "baderna" tenha se originado por desobediência à norma da casa. Sinceramente, acho necessário um maior detalhamento dessas normas antes que possamos chegar em alguma conclusão, o próprio vídeo do caso mostra e afirma que houve "muita conversa" antes de forçarem a retirada do vereador.
Resumindo, eu acho que esse caso não tem muito o que ser criticado quanto a atitudes, se há falha ela é técnica, as regras poderiam ser revistas caso estejam mesmo ferindo o direito de alguém, o que me falta saber para ter uma opinião melhor é se é possível ou não se retirar durante a leitura bíblica e retornar logo após, e se a obrigatoriedade em se levantar está ligado ao texto ou ao orador, ou a esta seção inicial, só então é possível entender o que pode estar errado com as regras da casa.
Por fim, uma dúvida extra: no regimento interno, quanto a ter que se levantar, eu só achei artigos referentes ao hino nacional e o hino de piracicaba, que é obrigatório ficar em pé. Nesse caso tudo bem haver obrigação? Eu, no momento, não consigo ver muita diferença entre patriotismo e cristianismo (como ideologias), ou simplesmente o teísmo, a diferença está no diferente nível de aceitação, ofensas e conflitos gerados, normalmente ninguém se ofende com o hino nacional, a não ser por (ironicamente) um grupo religioso, os Testemunhas de Jeová, até onde sei eles não cantam o hino ou levam a mão no peito, imagino como as regras da casa resolveriam tratar um funcionário TJ durante o hino. E para mim a questão está exatamente nisso, pequenas falhas no sistema, que podem ser corrigidas revisando leis e normas, quando necessário.