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Série Napolitana (Elena Ferrante)

Clara

Perplecta
Usuário Premium
Não tem nenhum tópico sobre a autora, nem sobre qualquer um dos seus livros e como estão falando sobre a possibilidade (ainda que mínima) de ela ganhar o Nobel de Literatura deste ano, acho que já passou do momento de abrir um tópico pra falarmos sobre a Ferrante e mais precisamente sobre os livros que a fizeram famosa, a chamada "Série (ou Tetralogia) Napolitana", composta pelos títulos:

A Amiga Genial (L'amica geniale, 2011);
História do Novo Sobrenome (Storia del nuovo cognome, 2012);
História de Quem Foge e de Quem Fica (Storia di chi fugge e di chi resta, 2013);
História da Menina Perdida (Storia della bambina perduta, 2014).

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A Amiga Genial

amigag.jpg

Comecei a ler o primeiro volume da série no início do ano e devido a alguns problemas interrompi a leitura do livro na metade da história e só a retomei no final da semana passada.
Senti a necessidade de abrir o tópico sobre o livro depois de ler um trecho em que a narradora, Linu (inteligente e estudiosa) confessa que, na altura de sua adolescência, não conseguia entender (embora pressentisse) o que havia de errado em algumas pessoas como o pretendente da melhor amiga ou o pai do garoto de quem gosta, até que narra a noite em que foi assediada sexualmente, aos quinze anos, por este último.

É uma passagem revoltante, narrada de forma crua, uma das muitas passagens que chocam, algumas vezes narrando situações e sentimentos pelos quais também passamos; emoções, dúvidas e raivas que tivemos um dia mas que achamos melhor esconder, por medo de sofrer novamente ou por vergonha.
Essa noção de pressentir mas não saber ao certo o que há de errado em determinada situação ou pessoa, quantos de nós não passamos por isso, geralmente na adolescência? Situações que, quando mais velhos, geralmente nos faz pensar: "nuss...como não vi isso? Como eu era idiota!" :-?

Era isso que eu queria falar sobre esse livro, sobre o quanto ele me emocionou e me trouxe memórias da infância e adolescência (algumas que eu até prefiro não ter lembrado). Porque o resto, sobre a autora, sobre a importância da relação das meninas com a cidade, a sociedade e a época em que viveram (pós-guerra) eu deixo uma cópia do texto do Hellfire Club da Ana Lovejoy.
E sobre a série que a HBO fará para a TV em 2018, deixo o link da entrevista com a autora sobre a adaptação.

Vou poupá-los da introdução “Quem é Elena Ferrante?” até porque já falei sobre isso ao comentar The Days of Abandonment (segundo dos nove romances já publicados pela autora). Se você está meio perdido e não sabe qual é o problema da identidade, é só clicar aqui ou ler a seguir a versão resumida: Ninguém sabe quem ela é. Não faz diferença saber quem ela é. Pronto? Pronto, então vamos lá para A Amiga Genial.

Primeiro volume da série napolitana, A Amiga Genial foi recebido lá fora com muito barulho e chegou recentemente no Brasil pela Biblioteca Azul da Editora Globo. A saber, os quatro romances da série seguem a vida de duas amigas, Elena Greco (Lenu) e Rafaella Cerullo (Lila), sendo que o primeiro conta eventos da infância e adolescência das personagens. Pelo Prólogo sabemos que já em idade avançada Lila simplesmente desaparece, não deixa vestígio algum de sua existência, e Lenu escreve os livros para contar tudo o que lembra da amiga, um tanto como vingança (embora o leitor ainda não sabe sobre o que é a vingança). É meio que a moldura que amarrará a história dos quatro livros, acredito.

“Mas… mas… é só isso?”, você até poderia perguntar. Nunca é só isso. O bacana da obra da Elena Ferrante é aquele mergulho dentro da cabeça de suas personagens, expondo seus pensamentos em sua totalidade: dos bons aos mesquinhos. Além disso, o espaço toma conta da narrativa. O bairro napolitano descrito por Lenu surge quase como personagem, uma sombra que constantemente cai sobre a vida das meninas, influenciando suas ações. E assim, mesmo que o grande conflito em algum período da vida da protagonista seja pura e simplesmente tirar nota para passar na escola, ou fugir das pedras atiradas por garotos, você percebe que essa é só a superfície, porque tem muito mais ali.


A porção que descreve a infância das meninas é relativamente curta se comparada com a adolescência, mas é a base de toda a história, por isso é tão importante. Nesse primeiro momento todas as personagens vão sendo apresentadas, criando uma espécie de mitologia do bairro pobre onde vivem Lenu e Lila. Marcado pela Segunda Guerra Mundial, o bairro conta com pessoas que fizeram dinheiro com o mercado negro, mafiosos da Camorra e muita, muita pobreza e violência. Assim, é interessante observar o lugar com os olhos das crianças para então depois vê-lo com os das adolescentes, perceber a mudança, ou ainda, como o conhecimento vai transformando o modo como elas se relacionam com os demais habitantes do local.

Na minha opinião a melhor figura para observar esta mudança de visão é dom Achille, o dono da charcutaria. Não por acaso, o primeiro capítulo (da infância), é chamado de A História de dom Achille. Note que na lista das personagens ele é descrito como “O ogro das fábulas”. Os pais proibiam as meninas de chegar perto dele, e mesmo assim a amizade das duas se inicia, segundo Lenu, quando sobem as escadas até o apartamento dele para pedir suas bonecas de volta. Para as crianças, ele é um monstro que rouba bonecas e só com o tempo elas descobrem o motivo de tanto medo dos adultos: a associação de dom Achille ao mercado negro.

E toda essa mitologia, todas as personagens, vão aparecendo ao longo da narrativa quase como figuras coladas que aos poucos montam um painel. Lenu se concentra na tarefa de contar o início da amizade com Lila, mas interrompe a linha cronológica da narrativa para explicar os motivos que faziam determinada família odiar a de dom Achille, ou a figura triste da viúva Melina, os Solara, etc. Como disse antes, é como se ela não pudesse dissociar o bairro e seus moradores de Lila, ou mesmo dela.

Nessas pequenas interrupções, também alguns registros do tempo em que se passa a história. É bem interessante ler sobre a chegada da TV no bairro, por exemplo, ou as regras que as garotas eram obrigadas a seguir – mesmo andar de carro com amigos era algo inadmissível para uma “moça direita”. É uma volta real ao passado, com imagens fortes que depois de terminada a leitura ficam vivas na memória como se o leitor acabasse de ter assistido a um filme, não de ter lido um livro.

Assim, relembrando Lila, outro elemento começa a ser tão constante quanto o bairro: a competição entre as duas. Nunca é mencionada em voz alta, nunca conversam sobre isso, mas Lenu sabe – desde o momento em que a professora Oliveiro passa a elogiar Lila – que sempre estará um passo atrás da amiga. Lila é autodidata, aprendeu a ler e escrever antes de todos. Quando os pais insistem que não têm dinheiro para continuar pagando os estudos (e defendem a ideia de que mulheres não precisam estudar), Lila passa a aprender Grego e Inglês por conta própria, só porque Lenu aprenderia na escola.

Mas aí é que está: enquanto eu lia, ficava sempre com aquela dúvida se a competição quem enxergava não era unicamente Lenu. É ela que está sempre pautando a vida de acordo com o que a amiga faz, vide o interesse em encontrar um namorado assim que Lila começa a chamar a atenção de todos os homens. Tudo o que implicaria competição por parte de Lila é dúbio, mas com Lenu (talvez até porque ela é a narradora), é sempre claro e direto: ela tem que ter as melhores notas, tem que ter namorado antes, tem que ter algo de bom para o verão em que a amiga passa a namorar alguém bonito e rico, etc.

E aí veio minha surpresa ao descobrir a razão do título. Eu tinha certeza que o “Amiga Genial” era Lenu se referindo à Lila. Mas em um diálogo próximo ao fim do livro, no dia do casamento de Lila ficamos sabendo que é ela quem chama Lenu de amiga genial:

“Qualquer coisa que aconteça, continue estudando.”


“Mais dois anos: depois pego o diploma e terminou.”


“Não, não termine nunca: lhe dou o dinheiro, você precisa estudar sempre.”


Dei um risinho nervoso e disse:


“Obrigada, mas a certa altura a escola termina.”


“Não para você: você é minha amiga genial, precisa se tornar a melhor de todos, homens e mulheres.”


Pode parecer bobo, mas se você acompanhou toda a história de Lenu até ali, o modo como se torturava cada vez que Lila dava um passo para frente (inclusive quando além de inteligentíssima, ainda ficou linda), este diálogo vem como uma pancada. E é uma pancada que Lenu sentirá em breve, quando se vê como uma estranha durante a festa de casamento.

Isso porque no final das contas, não havia competição: existiam duas meninas loucas para fugir daquele lugar. “Era essa a última novidade que ela inventara? Queria sair do bairro permanecendo no bairro? Queria arrastá-lo para fora de si, arrancar-lhe a antiga pele e impor-lhe uma nova, adequada à que ela aos poucos ia inventando?“. Lenu buscou fugir através do conhecimento, Lila através da única arma que tinha, a inteligência – lembrando que são coisas distintas. Uma precisava da outra porque tinham um interesse mútuo antes mesmo de reconhecê-lo.

Sobre Lila a narradora conclui: “Lila continuara ali, vinculada de modo flagrante àquele mundo, do qual imaginava ter extraído o melhor. E o melhor era aquele jovem, aquele casamento, aquela festa, o brinquedo dos sapatos para Rino e o pai. Nada que tivesse a ver com meu percurso de jovem estudiosa. Me senti completamente só“. Sobre ela? “Duvido de que eu fosse capaz. Estudar não adiantava: podia tirar dez nas provas, mas aquilo era só a escola (…) Nino sim, podia tudo: tinha o rosto, os gestos, o andar de quem faria sempre melhor. Quando foi embora, tive a impressão de que desaparecera a única pessoa em todo o salão que tinha a energia suficiente para me tirar dali.

O que não dá para deixar de pensar o quanto parte da violência que as duas personagens conheceram desde a infância foi em muito o machismo – marcando suas vidas não só quando o pai arremessara Lila da janela (!!!), quando irmãos se envolvem em brigas feias para “proteger a honra” das garotas – mas também quando supostamente selam seus destinos, fazendo com que acreditem que para elas, não há saída.

E assim, o desfecho de A Amiga Genial chega de forma extremamente melancólica. Se lá para frente Lila e Lenu vão conseguir sair do bairro eu não sei. Como muitos leitores, li o último parágrafo e fiquei com aquele O QUEEEEEE? enorme estampado na testa. E claro, louca para ler logo o segundo livro.

Em tempo: há quem defenda a necessidade de saber a identidade da autora por conta do modo como ela descreve Nápoles. Vou dizer uma coisa: apesar de uma óbvia variação de grau de miséria e violência, aquele bairro e aquelas pessoas poderiam estar em qualquer lugar. Não à toa, o livro fez sucesso inclusive no fechadíssimo mercado norte-americano.

Edit: O primeiro livro da série faz parte do catálogo do kindle unlimited da Amazon, todos os quatro volumes estão disponíveis por cerca de R$ 30,00 cada um na mesma loja.
 
Última edição:
Li o primeiro só, mas tenho os outros três acumulando poeira na estante. A Ferrante é realmente uma exímia prosadora. Muito, mas muito melhor que o Knausgard, por exemplo. Dos livros curtos dela eu li só o Um amor incômodo e, embora não tenha gostado tanto quanto o primeiro da série Napolitana, já deu pra sentir firmeza.
 
Olha, eu nunca li nada dela, mas se ela ganha o Nobel, quem vai pegar já que ela não revela a identidade? xD
 
Em janeiro deste ano voltei a ler o segundo livro da série, hoje estou quase terminando o terceiro.
Não consigo parar de ler.
E ontem de madrugada (lendo as quatro da manhã com músicas carnavalescas ao fundo, de algum vizinho folião) entrei numa pira de achar que a Lila podia muito bem ser uma personalidade secundária da Lenu, uma coisa meio 'fragmentado', ou quem sabe fruto da esquizofrenia dela como em 'uma mente brilhante'. :dente:
Eu tenho o costume de viajar na maionese pensando em como seria minha vida se algo, alguma decisão tomada por meus pais na minha infância ou adolescência; ou alguma decisão diferente que eu tivesse (ou não) tomado em minha vida.
Como estaria minha vida neste momento?
E eu fico imaginando que a Lila é a vida da Lenu se ela fosse impedida de estudar pelos pais, se a mãe, em vez de deixá-la ir pra escola média, a tivesse feito trabalhar na papelaria do bairro.
Talvez seja meio óbvio que a intenção da autora foi exatamente essa, duas almas gêmeas, tão parecidas (acho que at´-e a data de nascimento delas é a mesma) e como o entorno, a sociedade, o país e a época, as afetou.
Como essas coisas tomaram as decisões e transformaram o futuro delas.
 
Até hoje não li a tetralogia. Li o primeiro, que ganhei de presente da Anica. Gostei muito, mas não li os demais. Quando eu for ler os outros, terei de reler o primeiro, porque não me lembro de mais nada.

Ah, a arte das capinhas coloridas tem a vantagem de manter as letrinhas não tão chamativas assim. Nesta edição em preto e branco, as letras deixaram a capa muito poluída. Embora na arte das capinhas em cores a letra também estivesse grande, a fonte era mais clean, e não estava em negrito (só o nome da autora que estava). Combinava bem com as cores vivas.​
 
as capas antigas são bem melhores (e são infinitamente melhores tb do que as edições gringas, embora tenha toda uma defesa da própria ferrante se eu não me engano, qualquer coisa sobre kitsch e o que se espera de um romance escrito por mulher e yadda yadda yadda)
 
Quando eu for ler os outros, terei de reler o primeiro, porque não me lembro de mais nada.​
isso é uma coisa que eu odeio em mim... leio os primeiros livros, aí não continuo, e claro que minha memória não acompanha :ahhh:

Não adianta nada trocar a capa se não trocar também aquele papel que amarela em meio ano.
- Sociedade dos amigos do papel pólen soft​
o esquisito é que o terceiro volume da tetralogia (e eu comprei estes livros tudo na mesma época, com pouco espaçamento de tempo) veio em papel pólen soft, o que o faz destoar, aparentemente, em extensão, visto pela lombada, em comparação com os outros, com aquele papel poroso vagabundo 🤧
 
isso é uma coisa que eu odeio em mim... leio os primeiros livros, aí não continuo, e claro que minha memória não acompanha :ahhh:

e é por isso que quando sai série eu espero publicarem tudo para ler tudo de uma vez só. o da tetralogia napolitana eu lembro que comecei uns poucos meses antes de sair o último livro, lembro que tentei enrolar a leitura do terceiro para mais próximo do lançamento do quarto e não consegui :lol: mas ainda assim, foi um intervalo pequeno. e acho que valeu a pena, porque aí eu tinha tudo bem fresco na memória (incluindo o tanto que o nino é fdp).
 

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