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SdA é maniqueísta?

Infelizmente eu discordo de alguns argumentos ressaltados no tópico. Primeiramente, se considerarmos a definição de maniqueísmo, como a idéia original de Manes, não há como negar, por mais estonteantes e mirabolantes que sejam os arguementos, que as obras do mestre Tolkien possuam uma distinção bastante notória, e não tênue, entre bem e mal. A obra do professor é sim um romance subjetivo. Não obstante, subjetivo ao ponto do maniqueísmo poder ser incluso como pressuposto de interpretação do ramance; contudo, também subjetivo ao ponto de estabelecer um limite ortodoxo e efetivamente não conjectural entre bem e mal: a idéia maniqueísta não pode ser negada muito menos ser interpretada como sendo uma antítese de ponto de vista entre o Bem e o Mal. Como o bem e o mal poderiam ser pontos de vista na história do SdA se o antagonismo universal entre o novo senhor do Escuro e os povos livres esteve presente e justificado desde o início da obra? Como alguém que observasse o desenrrolar dos fatos, por mais que este fosse inocênte em relação às maldades no entanto possuísse o mínimo de senso crítico, poderia crer em uma versão da história a qual justificasse o motivo da Guerra imposta pelo senhor do Escuro, mesmo essa versão sendo contada pelo próprio Sauron?
 
Um outro ponto a se considerar é sobre Eru. Já reparei algumas vezes, enquanto lia diversos tópicos do fórum, que grande parte dos leitores do Silmarillion assumem como pressuposto que Ilúvatar era conhecedor de tudo e seu pensamento era perfeito. Pois eu relembro que, sendo assim, absolutamente cabal é o fato de que Eru sabia com absoluta convicção do que Melkor seria capaz, bem como o que ele iria fazer. Portanto, digam-me, onde há perfeição em Eru Ilúvatar, o criador o qual permite que seus filhos sejam vítimas de seu próprio pensamento: pois de fato os Ainur faziam parte do pensamento de Eru, e dentre eles estava Melkor. Assaz perfeito é o ser que constroi um mundo onde o sofrimento e a guerra são inclusos propositalmente. Mas me pergunto se com sua onisciência a maldade lhe poderia fugir ao pensamento, assim como defendem alguns a existência de Tom Bombadil? Ora, meu argumento não leva a nenhuma conclusão senão a um profundo paradoxo: sendo Eru Ilúvatar onisciente, então seu pensamento não era uma grande perfeição; por outro lado, sendo seu pensamento perfeito, como explicar o sofrimento dos povos de Eä desde a chegada dos Primogênitos?
 
Aiya,

Concordo com você, Tharëstur, no ponto em que diz que Eru é paradoxal, porém quanto ao que disse sobre o Senhor dos Anéis, leve em consideração que todos os acontecimentos são narrados de um determinado ponto de vista, o de um Hobbit, o que torna o livro dividido entre o que é o bem para eles e o mal.
Mas lembre-se que estes acontecimentos são senão uma continuação dos efeitos de Melkor sobre Arda (fato já citado por Aracáno Elessar), e sendo os feitos de Melkor do conhecimento de Eru voltamos ao nosso paradoxo. =]
Namárië.
 
Volto a dizer que independentemente sobre qual ótica a história fosse contada, dos hobbits ou até mesmo a de Sauron, uma terceira pessoa que tivesse acompanhado os fatos continuaria vendo a maldade nos atos do senhor do Escuro. Para mim o maniqueísmo em SdA é inegável e não um ponto de vista. Não consigo visualizar quais seriam as justificativas de Sauron para guerra do Anel as quais não apontassem diretamente para a verdade "nua e crua": Sauron na Teceira Era de Arda efetivamente era a maldade.
 
Tharëstur disse:
por outro lado, sendo seu pensamento perfeito, como explicar o sofrimento dos povos de Eä desde a chegada dos Primogênitos?

O sofrimento não foi criado por Ilúvatar, mas por Melkor. A resposta para a sua pergunta está no livre-arbítrio dos seres criados por Eru. Algo que foi feito pelos Ainur foi feito apenas por eles, e não por Eru, porque eles foram criados livres, conscientes da sua existência e com inteligência e pensamentos próprios, independentes de qualquer outra vontade.
Arda, como a conhecemos, não é perfeita, pois foi desfigurada inicialmente por Melkor. Contudo, como o Plano de Eru é sem falhas, ela vai se tornar perfeita quando o mal for expurgado do Mundo e uma nova Arda surgir. Tolkien a chama de Arda Curada. Há bastante sobre isso em textos nos HoME, principalmente o HoME X.
 
Ainda sim Melkor é derivado de Iluvatar; e por mais que os seres e os filhos criados por Eru possuissem a chama imperecível, a qual determina o livre-arbítrio, eles eram em, última análise, vítimas de seu próprio criador. O livre-arbítrio dos seres só poderia fugir do alcance de previsão de Eru se ele próprio não fosse perfeito. Pergunto-me novamente: como o criador, que supostamente deveria ser perfeito, "cria suas criaturas" sem saber do que elas seria capazes de fazer, portanto, onde há perfeição em Eru?

Não posso admitir que para se chegar a uma Arda perfeita ou "Arda curada" tenha-se que necessariamente passar pelo sofrimento e angústia da guerra. Ainda, partindo do princípio que Ilúvatar era onisciente voltamos ao que eu chamo de "Paradoxo Eruliano". A noção interpretativa que eu consigo enxergar é que Eru Ilúvatar não era perfeito embora buscasse avidamente a perfeição em seu pensamento; mas por seu próprio pensamento era ele traído, pois eu seu pensamento estava a representação do que poderia vir a ser o Mal: Melkor, o opressor dos filhos de Eru, nada mais do que o pensamento do "perfeito" Ilúvatar.

O fato categórico, Maglor, é que a imperfeição de Eru Ilúvatar retira dele grande parcela de culpa sobre os malefícios e sofrimentos dos seres de Arda. É como pode-se dizer tomando como base e letra da música Peace Sells , do fantástico Mustaine: "as sementes da Paz, mas quem irá comprá-las?". Contudo, com a ressalva de que as sementes da paz desta vez estão à venda por um preço alto demais para se barganhar; e esse preço Eru Ilúvatar parece não fazer questão nenhuma de reduzir.
 
Última edição por um moderador:
Tharëstur, uma coisa importante nesse tipo de discussão é tentarmos separar nossas convicções pessoais da mensagem que o livro em si passa. Como às vezes lidamos com assuntos delicados, nem sempre isso é fácil. Mas se nos apegarmos mais detidamente aos livros especificamente, não é tão difícil assim.

Tharëstur disse:
O livre-arbítrio dos seres só poderia fugir do alcance de previsão de Eru se ele próprio não fosse perfeito. Pergunto-me novamente: como o criador, que supostamente deveria ser perfeito, "cria suas criaturas" sem saber do que elas seria capazes de fazer, portanto, onde há perfeição em Eru?

Mas Eru conhecia todas as possibilidades,embora não exatamente o "futuro". Ele sabia que qualquer dos Ainur poderia ir contra ele, justamente porque eles foram feitos completamente livres e conscientes. Eru sabia que Melkor, assim como qualquer outro, poderia causar o Mal. Mas o que é importante separar é isso: quem causou o Mal foi Melkor, e não Eru. Melkor fez o Mal com sua própria capacidade de pensamento e discernimento, e não temos nenhum indício ou sugestão de que o que ele fez foi algo premeditado ou desejado por Ilúvatar.

Não posso admitir que para se chegar a uma Arda perfeita ou "Arda curada" tenha-se que necessariamente passar pelo sofrimento e angústia da guerra. Ainda, partindo do princípio que Ilúvatar era onisciente voltamos ao que eu chamo de "Paradoxo Eruliano".

Não era necessário, para se chegar a uma Arda perfeita, passar pelo Mal. Em Arda Curada o Mal não existiria, apenas como parte do passado, e ele encontra uma contra-partida num estado ideal que Tolkien chamou de "Arda Não-desfigurada" (pois há o conceito de "desfiguração" do mundo por Melkor). Arda Não-desfigurada poderia ter existido, caso Melkor não houvesse se rebelado, e nenhum outro ainu, e nenhum Filho de Ilúvatar. Se todos houvesse se mantido fiéis ao Plano de Ilúvatar desde o começo, Arda seria imaculada. Mas não só houve uma "queda de anjos" (dos Valar), mas também uma Queda da Humanidade.


A noção interpretativa que eu consigo enxergar é que Eru Ilúvatar não era perfeito embora buscasse avidamente a perfeição em seu pensamento; mas por seu próprio pensamento era ele traído, pois eu seu pensamento estava a representação do que poderia vir a ser o Mal: Melkor, o opressor dos filhos de Eru, nada mais do que o pensamento do "perfeito" Ilúvatar.

Tharëstur, não sei se entendi bem essa parte da sua mensagem. Você acha que Melkor era a representação de uma parte do pensamento de Ilúvatar?

E parece que temos um gosto musical parecido, embora eu não veja a mesma certeza para falar em um fato categórico.
 
Cavalheiros (e damas...), permitam-me ponderar o seguinte:

1. Tolkien considerava-se "católico ortodoxo romano" (ele diz isto, em entrevista de 1967, creio, para o jornal The Sunday Times);

2. nesta entevista, ele diz que Deus, em sua obra, É ERU;

3. Tolkien considerava-se um sub-criador e, por isto, mantinha-se dentro de limites que julgava decorrentes de realidades, ou melhor, das realidades de que ele tratava; assim, ele só COLOCARIA DEUS, EM SUA OBRA, OBEDECENDO À SUA MANEIRA DE VER DEUS E A SUA MANEIRA DE VER DEUS ERA A MANEIRA DA TEOLOGIA CATÓLICA OCIDENTAL TRADICIONAL;

4. Nesta Teologia, Deus é pleno, onipotente, onipresente, E TUDO SABE, TUDO PREVÊ (PREVIU);

5. Assim, Eru não apenas previa possibilidades (como disse Maglor), mas CONHECIA O FUTURO (como disse o outro amigo);

6. Conhecendo o futuro, sabia o que Melko(r) faria e, por isto, as ações deste estavam dentro do seu plano maior para a 'purificação de Arda'.

7. Assim, creio que esta é a conclusão: TOLKIEN, CATÓLICO, CONSTRUIU UM UNIVERSO (e oermitam-me a bajulação fora de hora e de lugar: um universo maravilhoso) DE UM DEUS PERFEITO EM TUDO; SEU UNIVERSO (E, POR ISTO, SUA OBRA) É MANIQUEÍSTA; SUA (a de Deus) ONISCIÊNCIA LHE FAZ COLOCAR O MAL (QUE MELKOR CAUSARÁ) DENTRO DE UM ESQUEMA MAIOR DE RESGATE COLETIVO/MUNDIAL: LIVRE-ARBÍTRIO+PROVAÇÃO+ESCOLHA ENTRE BEM E MAL = DESTINO BOM OU RUIM.

8. Além do mais, se lermos as Cartas de Tolkien, vemos que nele a idéia da "queda" (a de Adão e Eva) é muito forte; por isto, também está presente na sua obra esta premissa: a Queda de Númenor, as diversas "quedas" dos elfos de várias estirpes etc.

1ª CONCLUSÃO: Sim, o livro é maniqueísta.

AGORA, A GRANDE PERGUNTA AQUI, SENHORES, É ESTA: SE ERU SABE TUDO, POR QUE ELE PERMITIU QUE MELKOR AGISSE?...
E ESTE É UM PROBLEMA MANGÍFICO DA TEOLOGIA (de todas): SE DEUS É O BEM E O AMOR E SE ELE SABE TUDO, COMO ELE PODERIA CRIAR ALGUÉM QUE ELE SABE QUE VAI ESCOLHER O CAMINHO DO MAL? POIS SE ESTA ESCOLHA LEVA À DESTRUIÇÃO DA ALMA OU AO SEU SOFRIMENTO EM ALGUM ''FOGO ETERNO'', DEUS TÊ-LA-IA CRIADO PARA SOFRER, PARA SER DESTRUÍDA?... E COMO O AMOR E O BEM ABSOLUTOS (ATRIBUTOS DE UM DEUS PERFEITO) PODERIAM CRIAR ALGO PARA SOFRER?...

E, POR ÚLTIMO: SE DEUS - QUE É AMOR E BONDADE - NÃO QUER QUE A ALMA SOFRA OU SE DESTRUA POR SUAS ESCOLHAS, POR QUE NÃO CRIOU UM CAMINHO DE REDENÇÃO PARA ELA?...

TALVEZ, POR ISTO, OS ELFOS REENCARNEM, NÃO?...
 
1. Maglor, o primeiro e o último paragrafo de seu post eu não consegui compreender. Por favor, explique-os para mim.

2. Sim eu acho que Melkor era uma parte ou projeção do pensamento de Eru, como está relatado no Ainulindalë.

3. O fato Desfiguração de Arda ter de ser um evento necessário seria efetivamente cabível única e exclusivamente se Eru não fosse perfeito. Caso contrário, sua onisciencia seria instrumento de sua culpa, mesmo que indiretamente. No entanto, sendo Ilúvatar imperfeito, e acima de tudo não onisciente, a parcela de culpa cairia quase que totalmente sobre as costas de Melkor, devido a principalmente ao seu livre-arbítrio.

4. Assim como qualquer romance literário, as obras de Tolkien possuem fatos explícitos que, por conseguinte, levam à conclusões óbvias e inquestionáveis. Não obstante, em diversas partes existem fatos paradoxais que podem dar bases à interpretações divergêntes e até mesmo à especulações. Portanto, no caso da Teologia de Tolkien, não existe nenhum fato que leve à conclusões óbvias sobre esse quisito.
No meu post , os "fatos" relatados na narrativa serviram para a minha base interpretativa, assim como eles serviram para a sua base interpretativa da obra, justamente por esse "fatos" serem questionáveis. Portanto, sobre vários aspectos das obras de Tolkien, a visão pessoal dos leitores, como eu e você, é a melhor maneira de se chegar a alguma conclusão sobre determinado "fato" conjectural.

5. Por último, pelo que eu interpretei do seu post então você pensa que a onisciência de Eru não era assim tão cabal? Sendo esse fato verdadeiro, então assim como para mim, Eru Ilúvatar não era perfeito para você?
 
Última edição:
N'liärien disse:
4. Nesta Teologia, Deus é pleno, onipotente, onipresente, E TUDO SABE, TUDO PREVÊ (PREVIU);

5. Assim, Eru não apenas previa possibilidades (como disse Maglor), mas CONHECIA O FUTURO (como disse o outro amigo);

6. Conhecendo o futuro, sabia o que Melko(r) faria e, por isto, as ações deste estavam dentro do seu plano maior para a 'purificação de Arda'.

As semelhanças entre o cristianismo católico e a obra de Tolkien não são poucas mesmo, N'liärien. Mas as comparações nem sempre são absolutas. Há algumas diferenças importantes. Eru é Deus, os Ainur seriam equivalentes a anjos e Melkor a Lúcifer, mas, em Tolkien, a onisciência divina não é entendida como o completo conhecimento do futuro (assim Tolkien resolveu a contradição que você colocou entre o "saber o futuro" e o livre-arbítrio). UMa forma de vermos isso é a partir do texto do Diálogo de Manwë e Eru, em que Manwë recorre a Ilúvatar pois não havia nenhuma previsão para a morte dos elfos em Arda, uma vez que eles foram feitos para viverem eternamente. A solução que eles encontram, sugerida por Eru, é a reconstrução do corpo dos elfos.

Eru não tinha conhecimento certo de que haveria o Mal na Música, mas conhecia bem essa possibilidade, e certamente sabia que ela era muito provável de se tornar realidade. Contudo, ele não tinha porque impedí-lo de agir inicialmente, pois o que Melkor fazia era simplesmente usar sua liberdade (embora de forma errada). Além disso, Eru sabia que o Mal de Melkor sempre geraria um Bem maior do que o que ele combatia.


E, POR ÚLTIMO: SE DEUS - QUE É AMOR E BONDADE - NÃO QUER QUE A ALMA SOFRA OU SE DESTRUA POR SUAS ESCOLHAS, POR QUE NÃO CRIOU UM CAMINHO DE REDENÇÃO PARA ELA?...

Ele criou, é o próprio plano de Arda! No final até Fëanor irá se arrepender, e toda a Humanidade terá compreendido o desejo de Eru para cada um, e Arda poderá ser curada do Mal.
 
Tharëstur disse:
1. Maglor, o primeiro e o último paragrafo de seu post eu não consegui compreender. Por favor, explique-os para mim.

Ah, sim. No primeiro eu quis dizer que quando falamos de um assunto que se aproxima tanto de convicções pessoais, mas temos em vista a análise de uma obra literária, é importante mantermos um esforço para não misturarmos na nossa interpretação dessa obra a nossa convicção. É sempre importante nos basearmos na obra propriamente.


2. Sim eu acho que Melkor era uma parte ou projeção do pensamento de Eru, como está relatado no Ainulindalë.

O Ainulindalë diz assim:

"Ele criou primeiro os Ainur, os Sagrados, gerados por seu pensamento (...). ...pois cada um compreendia apenas aquela parte da mente de Ilúvatar da qual havia brotado e evoluía devagar na compreensão de seus irmãos. Não obstante, de tanto escutar, chegaram a uma compreensão mais profunda, tornando-se mais consonantes e harmoniosos."

Os Ainur nasceram da mente de Eru, mas é diferente de pensarmos que eles eram de fato uma parte do seu pensamento, como que uma representação da vontade de Eru agindo separadamente. Se fosse assim, haveria uma contradição com o trecho abaixo que diz que todos os Ainur tinham "seus próprio pensamentos e recursos". Ora, se eles tinham pensamentos próprios, não poderiam ser uma projeção do pensamento de Eru.


3. O fato Desfiguração de Arda ter de ser um evento necessário seria efetivamente cabível única e exclusivamente se Eru não fosse perfeito.

Mas a desfiguração não era um evento necessário para um mundo perfeito. Ela era uma possibilidade e poderia ter sido real caso Melkor e nenhum outro se revoltasse. O mundo perfeito, sem o Mal, irá existir em Tolkien, é a chamada Arda Curada. Em Tolkien o Bem não depende do Mal para existir, pois antes de criar a dissonância e de discordar de Eru, até mesmo Melkor cantou harmoniosamente e de acordo com seu criador.


No meu post , os "fatos" relatados na narrativa serviram para a minha base interpretativa, assim como eles serviram para a sua base interpretativa da obra, justamente por esse "fatos" serem questionáveis. Portanto, sobre vários aspectos das obras de Tolkien, a visão pessoal dos leitores, como eu e você, é a melhor maneira de se chegar a alguma conclusão sobre determinado "fato" conjectural.

Mas assim nós vamos ter provavelmente a "visão do Maglor sobre Tolkien" ou a "visão do Tharëstur sobre Tolkien", e vamos acabar por misturar o nosso pensamento com a obra de outro, talvez até entendendo determinado assunto de uma forma diferente da pretendida pelo autor. Quando analisamos a obra de outro não é melhor tentarmos entender o pensamento dele apenas?


5. Por último, pelo que eu interpretei do seu post então você pensa que a onisciência de Eru não era assim tão cabal? Sendo esse fato verdadeiro, então assim como para mim, Eru Ilúvatar não era perfeito para você?

Eu não acho que "perfeição" esteja associada a "saber o futuro". A perfeição de Eru está associada a um completo conhecimento da realidade e do passado, e de todas (absolutamente todas) as possibilidades de futuro; mas essa perfeição está, principalmente, associada à única capacidade de desejar alguma coisa, qualquer coisa, e esta poder se tornar real - como Tolkien diz na carta 156 ao atribuir a Eru a propriedade de "the one wholly free Will and Agent" ("o único Arbítrio e Agente completamente livre").
Nós provavelmente possamos entender que Eru abdicou da capacidade de "conhecer o futuro" quando criou seres como ele, de livre-arbítrio e vontade independente da de qualquer outro. Foi ao criar seres assim que eles, por exemplo, deixou de ter conhecimento certo de que elfos morreriam em Arda (embora não tivessem sido feitos assim por ele), e de poder destruir seres que foram feitos por ele mesmo de acordo com determinada natureza, como diz a carta 211:

"That Sauron was not himself destroyed in the anger of the One is not my fault: the problem of evil, and its apparent toleration, is a permanent one for all who concern themselves with our world. The indestructibility of spirits with free wills, even by the Creator of them, is also an inevitable feature, if one either believes in their existence, or feigns it in a story."

Eu entendo que dessa forma Tolkien resolveu a contradição entre "conhecer o futuro" e o livre-arbítrio de seres criados.
 
1. Eu vejo que você possui argumentos bem embasados para defender a sua interpretação, assim como eu tenho os meus para justificar minhas convicções. Porém, o que eu acho mais importante é justamente a discordância de interpretação que algumas partes das obras de Tolkien possibilitam.
As convicções pessoais podem ser inferidas por um determinado leitor somente se a obra é flexível o bastante para permitir dissonâncias, como é o caso das obras de Tolkien.
Tanto eu como você sabemos onde dentro das obras as convicções pessoais podem fazer parte das nossas noções interpretativas. Referir-se, como você fez: "o autor quis dizer" em determinado trecho da narrativa, não é nada menos do que a sua própria interpretação do fato baseada em sua própria convicção pessoal.
Você acha que a perfeição de Eru não está ligada a previsão de futuro, enquanto que eu já penso: sendo onisciente ou tendo apenas conhecimento do futuro, Ilúvatar era imperfeito como Deus.

2. Na parte sobre Arda Curada.
Eu não fiz mensão de que a sua Desfiguração era obrigatória. Apesar de existir referência sobre a possibilidade de Arda ser Curada nas Cartas, essa cura de sua desfiguração e desafortúnios nunca existiu efetivamente e possivelmente nunca existirá, uma vez que, os espíriots de livre-arbítrio, mesmo componentes do bem ou do mal, não podem ser destruídos, independentemente da vontade do seu criador.

3. Na parte dos Ainur, não quis dizer que: sendo os Ainur parte do pensamento de Eru nos limitaria a dizer que cada fragmento do pensamento de Ilúvatar estria contido individualmente em cada Ainu. Eu me referia ao fato de "projeções da mente" de Eru ser parte constituinte da personalidade de cada Ainu, conjuntamente com o livre-arbítrio.
 
Tharëstur disse:
As convicções pessoais podem ser inferidas por um determinado leitor somente se a obra é flexível o bastante para permitir dissonâncias, como é o caso das obras de Tolkien.

Com toda certeza! Uma das coisas mais agradáveis da literatura em geral é podermos discutir sobre ela. Qual a graça seria, aliás, se nãi pudéssemos, por exemplo, trocar impressões em um fórum de discussões?


Você acha que a perfeição de Eru não está ligada a previsão de futuro, enquanto que eu já penso: sendo onisciente ou tendo apenas conhecimento do futuro, Ilúvatar era imperfeito como Deus.

Isso é uma prova de como essa discussão é cheia de aspectos subjetivos, cada leitor acaba formando seus próprios conceitos, não é mesmo? Apesar disso, precisamos reconhecer uma coisa: Tolkien tinha um problema grande, e não era um problema pequeno. O "problema" que ele enfrentava era o mesmíssimo da sua religião: ele era cristão e católico. Como conciliar onisciência e livre-arbítrio? Eu não consigo, para mim são conceitos absolutamente excludentes: se existe liberdade absoluta de ação, então os seres são imprevisíveis. Por isso eu não considero esse um critério para "perfeição", pois nem mesmo o perfeito tem a obrigação de conseguir o que é logicamente impossível (ou melhor, sendo mais humilde, eu não consigo conceber isso).
Ou seja, o que eu entendo é que Tolkien fez com que Eru, ao criar seres de livre-arbítrio, abrisse mão do seu conhecimento absoluto sobre o futuro. Para ele conhecer completamente o futuro, deveria ter criado seres não-independentes, que funcionassem como seres programados ou como seres que agem apenas sob o seu comando.


Apesar de existir referência sobre a possibilidade de Arda ser Curada nas Cartas, essa cura de sua desfiguração e desafortúnios nunca existiu efetivamente e possivelmente nunca existirá, uma vez que, os espíriots de livre-arbítrio, mesmo componentes do bem ou do mal, não podem ser destruídos, independentemente da vontade do seu criador.

As referências não são exatamente muitas, mas estão longe de serem pouco ou pouco confiáveis, na minha opinião. O HoME X diz assim em um trecho (em inglês, desculpe, e um pouco grande, mas forma um raciocínio só):

"Similarly the Elves faded, having introduced 'art and science'. Men will also 'fade', if it proves to be the plan that things shall still go on, when they have completed their function. But even the Elves had the notion that this would not be so: that the end of Men would somehow be bound up with the end of history, or as they called it 'Arda Marred' (Arda Sahta), and the achievement of 'Arda Healed' (Arda Envinyanta). (They do not seem to have been clear or precise - how should they be! - whether Arda Envinyanta was a permanent state of achievement, which could therefore only be enjoyed 'outside Time', as it were: surveying the Tale as an englobed whole; or a state of unmarred bliss within Time and in a 'place' that was in some sense a lineal and historical descent of our world or 'Arda Marred'. They seem often to have meant both. 'Arda Unmarred' did not actually exist, but remained in thought - Arda without Melkor, or rather without the effects of his becoming evil; but is the source from which all ideas of order and perfection are derived. 'Arda Healed' is thus both the completion of the 'Tale of Arda' which has taken up all the deeds of Melkor, but must according to the promise of Ilúvatar be seen to be good; and also a state of redress and bliss beyond the 'circles of the world'.)"


Eu coloquei trechos em negrito porque destacam de forma melhor a idéia que estamos discutindo. Existe um outro trecho, mas bem mais acessível, porque está no Silmarillion, no Ainulindalë. Mas ele é menos direto:

"Nunca, desde então, os Ainur fizeram uma música como aquela, embora tenha sido dito que outra ainda mais majestosa será criada diante de Ilúvatar pelos coros dos Ainur e dos Filhos de Ilúvatar, após o final dos tempos.. Então, os temas de Ilúvatar serão desenvolvidos com perfeição e irão adquirir Existência no momento em que ganharem voz, pois todos compreenderão plenamente o intento de Ilúvatar para cada um, e cada um terá acompreensão do outro; e Ilúvatar, sentindo-se satisfeito, concederá a seus pensamentos o fogo secreto."


Essa "segunda música" geraria uma nova Arda, mas dessa vez sem o Mal.

Sobre os Ainur, eu entendi daquela forma porque você havia dito que os Ainur (no caso, Melkor) "são" uma projeção ou parte da mente de Ilúvatar. Eu acho que isso é diferente de ter origem do pensamento de Eru. Por exemplo, eu entendo assim: Manwë teria tido origem na parte da mente de Ilúvatar que seria a mais "majestosa", com mais relação com o aspecto de "comando", por isso ele seria o com maior espírito de liderança. Melkor seria um caso especial, porque além de ter "os maiores dons de poder e conhecimento", ele ainda tinha "um quinhão de todos os dons de seus irmãos; ou seja, Melkor não seria original de uma parte do pensamento de Eru, mas seria o mais genérico de todos, o mais poderoso.
Eu acho que concordo quando você disse que "'projeções da mente' de Eru ser parte constituinte da personalidade de cada Ainu, conjuntamente com o livre-arbítrio"; mas essas "projeções" de forma alguma poderiam ser entendidas como uma forma de preterminar o comportamento e as escolhas dos seres com livre-arbítrio, pois então elas não seriam, de fato "com seus próprios pensamentos e recursos".
 
Concordo plenamente com você Maglor, tanto na parte que diz respeito aos Ainur quanto a parte que se faz mensão à convicção católica de Tolkien; e também a contradição de Ilúvatar, conforme postado no trecho do HoMe.
Agora consigo ver claramente o nosso ponto de divergência sobre dilema Eru Ilúvatar: o ponto chave da nossa dissonância é uma questão de conceito sobre perfeição, todavia, achamos um censo comum entre a questão da onisciencia não poder se encaixar com o livre-arbítrio.
No final das contas, portanto, não se fez nem certo nem errado e defendemos a mesma idéia; porém, com um conceito semântico, e não um conceito interpretativo, diferente.

Muito produtiva nossa discussão e valeu pelas citações das Cartas e do HoME, foram muito esclarecedoras.
 
Última edição:
Discordo de vocês, pois não acredito no livre-arbítrio nem em Tolkien nem no cristianismo. Prefiro pensar como Santo Agostinho com sua predestinação.

Não sou especialista, mas pelo que me lembro, ele fala que Deus é sim onipotente, onisciente e tal. Mas nós não temos como escapar, não importa nossas escolhas, nós não temos nosso futuro 'adivinhado' por deus, Ele o molda, o cria, o prefigura. Algo assim.
 
Última edição:
Discordo de vocês, pois não acredito no livre-arbítrio nem em Tolkien nem no cristianismo. Prefiro pensar como Santo Agostinho com sua predestinação.

Não sou especialista, ma speloq ue em elmbro, ele fala que Deus é sim onipotente, onisciente e tal. Mas nós não temos como escapar, não importa nossas escolhas, nós não temos nosso futuro 'adivinhado' por deus, Ele o molda, o cria, o prefigura. Algo assim.

Você acredita nisso. Resta saber (e eu não sei) se Tolkien acreditava. Pois a obra reflete as perspectivas do autor. E se elas forem distintas das suas, isso o impede de estender a sua visão de mundo ao enredo de O Senhor dos Anéis.

Mas devo me arriscar a fazer algumas considerações.

O maniqueísmo é fundado em dois princípios opostos: o bem e o mal. Tomando-se a concepção cristã, na qual Deus representa o bem e Satanás representa o mal, arrisco-me a fazer um paralelo. Os povos livres eram ajudados pelos Istari, emissários dos Valar, que por sua vez representavam a vontade de Eru Ilúvatar (e portanto, o bem). De outro lado temos seres que servem a Sauron, que por sua vez serviu a Melkor, o Ainu rebelado... representando o mal.

Essa questão realmente dá muito pano pra manga. Acompanharei o desenrolar da discussão. :think:
 
Creio que Tolkien é mais dualista. Tirando Eru da questão, que seria o ser onipotente, Melkor era até mais poderoso que todos os outros Ainur. Mas se olharmos Eru + Ainur versus Melkor, certamente é um maniqueísmo.

Anyway, Tolkien prezava o livre-arbítrio, creio eu, uma vez que Isildur, por exemplo, não jogou o anel na Montanha da Perdição. Se não prezasse o livre-arbítrio, certamente Eru interviria naquela hora.
 
Você acredita nisso. Resta saber (e eu não sei) se Tolkien acreditava. Pois a obra reflete as perspectivas do autor. E se elas forem distintas das suas, isso o impede de estender a sua visão de mundo ao enredo de O Senhor dos Anéis.

Não é o que eu acredito, é o pensamento de Santo Agostinho, provavelmente presente em SdA.

Anyway, Tolkien prezava o livre-arbítrio, creio eu, uma vez que Isildur, por exemplo, não jogou o anel na Montanha da Perdição. Se não prezasse o livre-arbítrio, certamente Eru interviria naquela hora.

Não creio nisso, podia ser parte de seu plano de predestinação, algo como um mapa. Não considero mesmo SdA maniqueísta.

Acredito em Deus como Perfeito e o Bem, caminho para a perfeição, o Mal é apenas um não-Ser, um desvio. Melkor nada mais é que um ser corrompido, o começo da desvirtuação, não um deus. Não existem dois princípios: Bem e Mal. Isso implicaria dois Eru, o que não ocorre.
 
Última edição:
Não é o que eu acredito , é o pensamento de Santo Agostinho, provavelmente presente em SdA.

Discordo de vocês, pois não acredito no livre-arbítrio nem em Tolkien nem no cristianismo. Prefiro pensar como Santo Agostinho com sua predestinação.

Independente de ser ou não o pensamento de Santo Agostinho, você acredita nele como as passagens citadas comprovam. Mesmo que uma elaboração seja de uma autoridade, cabe-nos aceitar ou não. E como você a citou como referencial, pressupõe-se que acredita nela.

Eu não acredito em predestinação na vida real, mas isso de fato não impede que isso ocorra no Senhor dos Anéis como reflexo do instrumental intelectual do autor. Mas eu não me recordo de uma passagem que denote predestinação na obra do autor. Você poderia citar? :think:
 
Quando eu postei 'acredtio' quis dizer que acho que isso está presente em SdA. E claro que é difícil dizer: 'ahh, a predestinação está aqui, no livro tal, capítulo tal, página tal'. Eu vejo toda a história como algo prefigurado por Eru. Isso resolveria discussões teológicas e metafísicas inúteis sobre o Bem e o Mal, mas nos colocaria outros inúmeros problemas, como o do caráter de Ilúvatar.
 

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