eu acho q naum há nenhuma descrição melhor para o seriado do Chaves do q essa descrição feita pelo Thy Ent,no Cdi num tópico chamado "O MUNDO MARAVILHOSO DO CHAVES":
"Às vezes me pergunto por que coisas tão simples e singelas marcam nossas vidas de um forma tão maravilhosa que se torna impossível esquecê-las.
Uma dessas boas lembranças é o seriado mexicano Chaves, da Televisa, o qual até hoje é veiculado no SBT - Chaves e sua turma continuam agradando e divertindo centenas de milhares de crianças, brasileiras ou não, de todas as idades.
O humor é previsível, as situações são banais, a produção é precária e as imagens são um lixo. O que fez esse seriado, então, para ser merecedor desse espaço tão especial em nossas vidas?
Simples, ele retrata a realidade social de uma forma saudável, leve, não apelativa e, acima de tudo, verdadeira, muito verdadeira.
Vejamos as personagens, por exemplo.
Dona Florinda é uma viúva recalcada, vive de uma pensão generosa de seu finado marido, que era oficial da marinha. É evidente o amor que ela nutria por ele, não só o amor como a admiração, e não são poucas as cenas em que ela se perde em pensamentos nostálgicos com a mera lembrança do tempo que era casada.
Disto deflui o comportamento de uma sociedade patriarcal. Era o marido que sustentava a casa, era venerado por sua mulher dada a posição social que alcançou (oficial da marinha é um cargo não só romântico, mas também imbuído de uma autoridade que se traduz em força e virtude).
Com a sua morte, o finado foi promovido a herói, pelo menos em seu círculo familiar. Ele é mais que uma boa lembrança, é sobretudo um símbolo que contamina toda a família com a idéia de alta estirpe.
Após a viuvez, ela se viu sozinha, não tinha mais a quem admirar, não tinha mais por quem viver e a quem se dedicar... a não ser, bem, a não ser a seu filho, o nosso eterno Quico.
Assim, Quico substituiu, no que lhe coube, a figura do finado. Não é lá tão corajoso quanto o pai, tampouco tão esperto, mas com ele se parece fisicamente e nele estão depositados os genes do patriarca.
Essa idéia leva Dona Florinda a obcecar-se pelo bem-estar da sua prole e, em razão disso, mima-o demasiadamente, presenteando-lhe com brinquedos caros, novos e da moda.
Assim, como a mãe - que depois que o marido morreu viu-se obrigada a morar em um cortiço e conviver com a "gentalha" - torna-se um garoto esnobe, arrogante e que adora inculcar inveja em seus amigos.
Insuportável, por assim dizer, Quico é alvo da maioria das atitudes hostis do resto da criançada. Nada mais natural, pois sua conduta pedante, egocêntrica e mesquinha não passa despercebida pelos demais, que, imbuídos de inveja e indignação, reagem contra a opressão social que Quico representa.
Percebem o íntimo liame que a situação supra descrita mantém com a realidade? Mulher em decadência econômica, viúva e sozinha, dona de casa sempre sustentada pelo marido, carente no terreno amoroso e com filho único para cuidar... é a própria realidade: ela vê no filho a figura do pai, mima-o e, desta forma, acaba por moldar nele uma personalidade egocêntrica, egoísta, que não aceita um "não" e usa do amor da mãe para conseguir o que quer.
Quico só deixa os outros brincarem com um brinquedo dele se estes lhe derem algo em troca. Gosta de ostentar todos os brinquedos e pirulitos que sua mãe lhe dá. Não se defende, espera que a mãe lhe proteja de tudo. Gosta de criar confusões e sempre quer ver alguém punido quando elas não dão certo, mesmo que o condenado seja o seu Madruga, que nada teve a ver com a história.
Ah... seu Madruga, esse sim é uma personagem romântica. Ele representa os desempregados, aqueles que não tiveram acesso à educação e a vida inteira foram obrigados a encaixar-se em subempregos...
Trabalharam duro, mas depois da velhice ficaram tão cansados que preferem "se virar" do que, propriamente, arranjar um emprego. Não entendem por que eles têm de trabalhar enquanto pessoas como o Sr. Barriga só ficam de um lado pro outro cobrando os alugueres de seus imóveis...
Ele deu muito duro durante a vida, é viúvo e teve de assistir sua mulher morrer no parto para que a criança (Chiquinha) fosse salva. Ficou sozinho, ninguém nutre amor por ele - fora a Dona Clothilde - e sente-se largado na vida... tem de ser forte, pois tem uma filha para sustentar; tem de ser tolerante, pois não quer criar briga com todo mundo que o despreza; tem de ser versátil, pois precisa sempre arranjar uma desculpa para não pagar os 14 meses de aluguer que deve.
Ele, sim, é um exemplo de ser humano. Às vezes é rude com o Chaves, dada as molecagens e estripulias que faz, mas vê no menino o seu passado, passado pobre e hostil. Por isto, sempre que pode, dá ao Chaves algum mimo, algum agrado, mesmo que não possa dar. São comuns cenas em que seu Madruga, de geladeira vazia, pega a única coisa comestível em sua casa (geralmente um pirulito ou sanduíche de presunto) e lhe dá. Enquanto isso, a "riquinha da vila" Dona Florinda, nunca faz nada por ele, mas só o despreza e o esnoba.
Já viram esse filme antes? Os pobres ajudam-se mutuamente, enquanto os ricos protegem-se em uma redoma de vidro, como se toda a pobreza não fosse, também, problema deles, da sociedade em que vivem.
O coração de seu Madruga é enorme. Apesar de um homem duro e de pouca paciência, sempre dá atenção aos garotos e os ajuda como pode. É o típico homem pobre e digno.
E o professor Girafales? Ah, esse é um sonhador.
Um homem galante, de refinada postura e grande formação intelectual. Um exemplo para sociedade... sim! Ele ensina crianças. Quer dar a elas um futuro e prepará-las para a vida.
Todavia, apesar de toda essa ideologia e formação acadêmica, ganha mal.
Sempre com o mesmo terno, sempre carregando flores baratas, sempre com medo de propor casamento à Dona Florinda, e por quê? Porque não tem como sustentar uma família.
Já viram a identidade que este panorama possui com a realidade? A sina de todo o professor: apesar de ter a mais humana e importante das profissões, apesar de ser altamente qualificado intelectualmente, ganha salário de fome.
No México, como no Brasil ou qualquer outro país de terceiro mundo, a formação de base é menosprezada, as crianças não tem como comprar material escolar, e os professores... esses são uns idealistas. Preferem ajudar criancinhas dando-lhes conhecimento - ainda que ganhem quase nada por isto - a se tornarem burocratas riquíssimos, todavia sem qualquer ideal ou importância social.
Mas tudo no Chaves é como na vida real?
Não, nem tudo.
O seu Barriga está longe de ser real. Ele tem sim, traços muito comuns: rico, gordo, nervoso, veste-se bem, duro com os inquilinos, etc.
Mas, apesar disso, é muito humano.
Sempre é recebido com uma porrada do Chaves, mas nunca bateu na criança.
Não são raras as vezes que ele ajuda os mais pobres, exemplos disso há em quase todo capítulo, seja com a Chiquinha, seja com o Chaves, mas, principalmente, com o seu Madruga.
Sim, ele quer os alugueres. Afinal, é disso que vive. Mas o que mais lhe chateia é a inércia do seu Madruga. Vira e mexe ele tenta incentivá-lo com um emprego, torná-lo produtivo, levantar sua bola e mostrar que ele ainda pode ser alguém.
Porém, a mais evidente manifestação de humanidade surge nos piores momentos da relação senhorio-inquilino. Sim, quando o seu Madruga chega à beira do despejo, quando a sarjeta está a um passo, e quando a vida parece que perdeu o sentido.
Não, o seu Barriga, ao contrário do que acontece na realidade, não consegue despejá-lo. Ele sempre acaba elaborando um plano mirabolante consistente em arranjar um pretexto para perdoar a dívida, ou pelo menos procrastinar sua cobrança.
Essa é a parte humana e educacional da trama. A realidade sai de cena para entrar a quimera: o retrato do típico burocrata humano que não existe.
Sem falar em tantas outras personagens, como o funcionário público preguiçoso (o carteiro Jaiminho), a setuagenária louca para casar-se com o viúvo da vila (Dona Clothilde), a menina-moleque (Chiquinha), o garoto gordo, rico e inocente que ainda não se contaminou pelo Mal da arrogância (Nhonho), a menina mimada (Pópis) e a anciã que voltou a ter comportamentos infantis (Dona Neves, avó da Chiquinha).
Mais do que a fantasia, Chaves surpreende pela realidade. Mais do que humor, Chaves encanta pelas situação dramáticas. Mais do que estereótipos, as caracterizações do seriado representam um mundo real, e um mundo que deveria ser real.
Vimos a família dinossauro, as crianças de hoje assistem programas tecnologicamente avançados como Bambuluá e outras deformações. Há hoje, na órbita dos programas infantis, uma artificialidade grotesca, muito leviana e nociva, um cinismo e, principalmente, um atentado à inteligência infantil.
Chaves não era nada disso. Seu programa era simples como ele próprio era. Um garoto de rua que vivia da caridade da vizinhança. Um menino simples e ingênuo, intelectualmente limitado, pois vive com fome e a fome é inimiga do aprendizado.
Mas com coração de ouro. Sempre bola as maiores estratégias para presentear alguém, para fazer um bem, para ajudar. Tudo bem que tudo sempre dá errado, mas ele tenta, e tenta com o coração.
Não guarda rancores, não se vinga das injustiças, não tem raiva da constante ostentação de riqueza que vê a seu redor. Ele é puro, doce e gentil, atrapalhado sim, mas com sentimentos bons e sinceros.
Não entende como as pessoas que têm três refeições diárias podem reclamar tanto assim da vida. A maldade gira a seu redor, mas nunca conseguiu acertá-lo.
Tudo no seriado é simples, autêntico, singelo e educativo, ao contrário de outros programas que são apenas programas apelativos, recheados de efeitos especiais e de todo tipo de artificialidades e superficialidades.
Infelizmente, não há nada que seja equivalente ao Chaves. Todo o resto é banal, descartável e vazio.
Apenas espero que o programa nunca saia do ar, pois ainda quero que meus filhos que ainda hão de nascer conheçam o Chaves, e aprendam com ele a realidade do mundo, sem que fiquem expostos a baixarias, a vulgaridades e a apelações.
Além de, claro, eu ter o prazer de dizer a ele: "esse programa que você está vendo é da minha época, e ainda antes dela... viu? Naquele tempo os programas infantis eram muito melhores".
É isso que eu acho."