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"Riso e Melancolia" (Sérgio Paulo Rouanet)

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Machado de Assis aos olhos de Rouanet no Livro: Riso e Melancolia
Um dos maiores estudiosos de Machado da atualidade, dando os últimos retoques no segundo volume da "Correspondência de Machado de Assis, edição da Academia e da Fundação Biblioteca Nacional, com publicação prevista para este semestre, entrevistado em Zero Hora - Caderno Cultura.
... Caderno Cultura 07/03/2009
— O senhor vem a Porto Alegre falar sobre psicanálise e literatura em Machado de Assis. É possível alinhar Machado a um autor como Dostoiéwski, por exemplo, por haver antecipado em sua obra antes de Freud questões fundamentais do psiquismo?


Rouanet — Em parte sim, ele era um homem muito interessado na psicologia universal. Lia muito os moralistas franceses do século 17. Era um grande leitor de Pascal, de La Bruyère, de Vauvenargues, e de outras pessoas que tentaram explicar a psicologia humana. E como o Machado era especialmente dotado para esse tipo de especulação, não é de espantar que ele tenha verrumado a alma dos personagens até chegar a dimensões psicológicas bastante profundas. Isso se nota num conto como o Alienista, na qual você encontra a figura do Alienista como uma espécie de louco autoritário, que, segundo o texto, olhava as pessoas com a dureza de um policial, de um inquisidor, então só aí você vê. Se o conto fosse escrito hoje, você diria: "Freud passou por aí", nessa figura de um pai tirânico, autoritário, castrador, simbolizado pelo Simão Bacamarte. Ou em um conto como O Espelho, que fala da existência de duas almas, a interior e a exterior, ou mesmo outro conto como Viagem em Torno de Mim Mesmo —, título tirado do célebre romance do Xavier de Maïstre, Viagem ao Redor do Meu Quarto – onde Machado formula o conceito de duas instâncias intrapsíquicas, o Ego e o Outro, praticamente é uma antecipação da teoria psíquica do Freud. ... Link para a entrevista completa >> Mundo Livro 07/03/2009

Essas formas, abaixo, estão detalhadas em um texto de >> Benilton Cruz, prático e muito esclarecedor.

A forma shandiana resume-se em quatro itens:
1. A hipertrofia da subjetividade;
2. Digressividade e fragmentação;
3. Subjetivação do tempo e do espaço; e,
4. Interpenetração do riso e da melancolia.

Todas as indicações me pareceram preciosas e ajudam a tomar gosto pela leitura do Livro que estamos iniciando a discussão >> Esaú e Jacó.

Destaco um texto de Saiu na imprensa que é uma festa para o entendimento Machadiano de ser XD
Em seu livro Riso e Melancolia O estudo de Sergio Paulo Rouanet estabelece as linhas de força de Machado de Assis em confronto com uma linhagem de heranças literárias que vai até o irlandês Laurence Sterne — Paulo Paniago

Correio Braziliense / Data: 14/4/2007
Sorria, meu bem

Estudo de Sergio Paulo Rouanet estabelece as linhas de força de Machado de Assis em confronto com uma linhagem de heranças literárias que vai até o irlandês Laurence Sterne
Paulo Paniago

6. Outras Tradições

Rir é remédio para melancolia ou então sintoma de lou­cura. Para seguir o tom shakespeariano, o que não tem remédio está remediado. Então, toca a rir, adorável leitor. Se uma piada ajudar, fica com esta: sabe a da galinha de uma perna só? Foi ciscar e caiu. O mundo é uma questão de com que régua se toma a medida ou com que óculos se enxerga, ou seja, é questão de medida e de ângulo.

Em Riso e melancolia, Sergio Paulo Rouanet argu­menta que existe uma longa linhagem de afinidades que se estende do escritor inglês Laurence Sterne, autor de A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, até o Machado de Assis de Memórias póstumas de Brás Cubas. A herança é longa e veio mediada por outros autores: o Denis Diderot de Jacques, o fatalista; o Xavier de Maistre de Viagem ao redor do meu quarto; e o Almeida Garrett de Viagens na minha terra. Rouanet argumenta, no final do livro, que a herança é mais distante. Poderia ser a sá­tira menipéia, gênero criado por Menipo de Gandara no século III a.C. e que consiste, entre outras coisas, num híbrido de comédia e diálogo filosófico.

Rouanet explica as características do gênero (além da mistura de gêneros, paródia, caráter não-morali­zante da narrativa, narrador distanciado), para depois argumentar que essa grande tradição não é a mesma que está naquilo que chama de forma shandiana, em homenagem a outra tradição, essa iniciada por Sterne. Então qual seria a tradição possível? Rouanet opta pelo barroco e estabelece uma argumentação que procura aproximar as duas linhagens. No caso do barroco, o ar­gumento é baseado nas idéias estabelecidas por Walter Benjamin em Origem do drama barroco alemão, tradu­zido exatamente por Sergio Paulo Rouanet: a soberania do sujeito, manifesta na figura do tirano ou na do ale­gorista, um individualista que tudo transforma com o poder da argumentação; a fragmentação; a subjetiva­ção do tempo e do espaço; a mistura do riso e da me­lancolia. Mas depois de avançar brevemente por esse caminho no último capítulo do livro, ele parece se dar conta de quão despropositada é a argumentação. Tan­to que Rouanet acaba por recuar: "Espero que o caráter altamente especulativo dessa hipótese não 'contami­ne' a hipótese principal, esta sim perfeitamente docu­,mentada: a que postula a autonomia e a especificidade da forma shandiana, independentemente de quaisquer tradições literárias preexistentes".

1.Uma forma diferente

Não, leitor, não houve erro do diagramador ao desenhar a página. A numeração foi propositalmente invertida, como você já percebeu pelo teor do texto: a escolha foi por começar pelo final, o último capítulo, e agora reto­ma-se a numeração regulamentar. Essa intervenção aqui neste parágrafo, que corta o ritmo para interpolar uma digressão, também faz sentido com as idéias defen­didas em Riso e melancolia.

A pena da galhofa, a tinta da melancolia e um narrador inédito renderam a Machado de Assis um posto exclusivo nas letras mundiais. O problema de Machado foi ter escri­to numa língua chinfrim, que quase ninguém respeita. Não param de existir, sempre e novamente, estudos críti­cos e inteligentes que procuram situar o escritor no devi­do lugar - de importância e respeito - que ele merece.

Fato é que o estudo de Sergio Paulo Rouanet, Riso e me­lancolia, parte de Machado para na verdade estabelecer um diálogo rico com os precursores. Está lá, na entrada de Memórias póstumas de Brás Cubas: o narrador declara ter adotado a "forma livre" de Sterne, Xavier de Maistre e, no prólogo da terceira edição, Almeida Garrett. A esses auto­res Rouanet acrescenta outro, o Denis Diderot de Jacques, o fatalista, para ver se a forma é aplicável também a al­guém de fora da lista machadiana.

O livro começa com uma provocação: será que é possível dizer o argumento básico de cada um desses livros? A vida e as opi­niões do cavalheiro Tristram Shandy é um título propositalmente equivocado. A vida se reduz a uns poucos episódios e as opiniões raramente são do persona­gem principal, mas do pai, do tio, Toby e do criado deste, Trim. Terminou de ser publicado em 1767. Em 1771, Diderot começou a novela Jacques, o fatalista, só publicada postumamente. Jacques e seu amo viajam pela França e conversam sobre o determinismo e os limites do li­vre-arbítrio. Xavier de Maistre foi punido com prisão domiciliar por 42 dias em Turim. Escreveu Viagem ao redor do meu quarto, publicado em 1795. Reflete sobre a natureza humana dividida em duas partes, sobre a ambição dos homens e a vaidade das mulheres. Em 1846, o poeta e dramaturgo Almeida Garrett publica um livro de uma viagem feita três anos antes, entre Lisboa e Santarém, chamado Viagens na minha terra. Reflete a respeito da decadência de Portu­gal. Em 1881, Machado de Assis publica Memórias póstumas de Brás Cubas, no qual um narrador defunto fala de ambições e frustrações, de um emplastro para curar a hipocondria e da falta de filhos, o que é vantagem: não deixou o legado da miséria.

Acontece que Sterne influenciou Diderot; juntos, eles influenciaram Xavier de Maistre; esses três marcaram Garrett; os quatro (embora Machado não mencione, no­minalmente, Diderot) são encontrados de uma forma ou outra em Memórias póstumas.

Não é só questão de conteúdo, argumenta Rouanet. É questão de forma, que ele chama "forma shandiana". "Sterne a criou, mas não a definiu. Quem a definiu, dan­do-lhe contornos conceituais, foi um dos mais perfeitos cultores da forma shandiana, nascido 126 anos depois de Sterne e a muitos milhares de quilômetros de sua Ir­landa natal: Machado de Assis".

Consiste em: 1- presença muito forte, desabusada, do narrador; 2 - digressividade e fragmentação; 3 - tratamento especial dado a tempo e espaço; 4 - mistura de riso e melancolia.

2.Só te bato porque gosto de você

Laurence Sterne não inventou o narrador autoconsciente, que intervém constantemente na narrativa, mas inovou ao tomar essa in­tervenção fruto de um capricho. Sem avi­sar, ele aparece aqui ou ali, na hora que achar melhor. Mais: aparece fingindo ser benevolente, consultar o leitor, para em seguida mostrar perversidade, destratar o leitor, "asno e cabeçudo”. O capricho também é o mote do narrador de Jacques, o fa­talista, que inclusive usa de uma frase re­corrente: "só dependeria de mim...", e a história muda de rumo ao sabor dessa vontade. Xavier de Maistre? A mesma coi­sa: ele reina soberano na narrativa, "é se­nhor da ação, podendo fazer um mundo brotar de uma flor ou deixar de escrever um capítulo". Almeida Garrett é cheio de opiniões sobre tudo, e elas pulam daqui para ali fácil, mas ele "não deixa a menor dúvida sobre quem comanda o espetáculo", é um "déspota absoluto".

Machado, em quem tudo desemboca, leva essas ca­racterísticas da subjetividade "à perfeição". Morto, pode expressar como melhor entender as opiniões que o con­vívio humano impedia. Se hesita entre escrever ou pular um capítulo, ele bem pode pular, mesmo. É arbitrário, e sedutor: chama o leitor de fino, de amado, de pacato, de arguto, para depois romper as fronteiras, dizer que a obra se constrói entre ele, narrador, e você, leitor, num "nós" colaborativo. Depois, espicaça: leitor obtuso, bur­ro, desatento, ignaro. Se a obra tiver problema, não é do narrador, mas do co-autor, o leitor: "O maior defeito deste livro és tu, leitor". Que onda.

3.Me aguarde, vou ali e volto já

Existe, no livro de Sterne, muitos tipos de digressão: nada de linha reta na narrativa para facilitar a vida do leitor. Há digressões que Rouanet chama de "extratextuais": material pronto, externo ao texto, incorporado a ele sem alterações significativas. Um sermão que o pastor anglicano Laurence Sterne fez, por exemplo, na catedral de York. Há digressões "auto-reflexivas"; o autor fala de sua presença na condução da história, e faz inclusive digressões sobre digressões, uma variante. Se for o caso, recorre a diagramas e figuras geométricas, quando a linguagem não é suficiente. Um terceiro caso são as digressões "opinativas": a história é interrompida para o leitor ficar sabendo o que pensa esse ou aquele personagem a respeito desse ou aquele assunto. Um quarto tipo são as digressões "narrativas"; histórias paralelas dentro da principal.

Rouanet então analisa como cada um dessas tipolo­gias se aplica em cada uma das obras em estudo. Fique­mos, amável leitor, você e eu, com Machado, em quem Rouanet reconhece a predileção pelas digressões "auto-reflexivas"; o livro é uma oficina de vidro, o artífice martela, lima, faz junturas, escolhe e descarta matéria, corrige, começa de novo. E explica tudo, por dentro.

4.O mais cruel inimigo é o melhor aliado

O tempo é uma festa: nunca vem cronológico como na vida real. Consciente da transitoriedade de tudo, o narrador shandiano usa e abusa de "efeitos especiais": o que se distorce é o tempo histórico, o tempo da ação, o tempo narrativo. A manipulação do tempo da ação pelo tempo narrativo, em Sterne, se faz "por meio de técnicas como a temporalidade cruzada, a inversão, o retardamento e a aceleração". Cada uma delas é explicada e aplicada às obras. Inclusive Rouanet usa, para falar de Sterne, de um modo tragicômico de resolver a angústia do tempo que passa: o "efeito Bela Adormeci­da": "É a câmara parando o fluxo do tempo, imobili­zando imagens. Um personagem ou conjunto de per­sonagens fica petrificado enquanto o narrador multi­plica as digressões, até que o narrador o desperte". Também o espaço se comprime ou se dilata ao sabor dos caprichos do narrador, inclusive no uso das con­venções: pode acontecer de um capítulo vir antes da dedicatória ou do prefácio.

O craque, no entanto, já terá adivinhado o fino leitor, é Machado. Ele "vai incomensuravelmente mais longe em sua tentativa de exorcizar o tempo: ele se instala, co­mo narrador, num tempo além do tempo, no tempo da eternidade".

5.Rio porque dói

Todos os narradores shandianos são melancólicos. O antídoto é o riso. Tristram Shandy é isso. "Cada vez que aflora o tema do declínio e da morte, o riso o torna ino­fensivo", escreve Rouanet. Faz sentido: a ficção existe pa­ra desopilar, ventilar as janelas mentais e permitir um respiro à seriedade esmagadora do mundo.

É aqui que se percebe uma ainda mais clara distinção entre Memórias póstumas e os demais. Neles, transparece apenas o riso como poder medicinal, de cura para melan­colia. É em Machado que comparece o outro tipo de riso, o patológico, o de sintoma de loucura. Não que ele se furte ao modelo medicinal. Estão lá as tiradas cômicas. "Mas, ao contrário de Sterne, [Machado] não tem ilusões sobre os benefícios terapêuticos desse riso", argumenta Rouanet. Aí vem o argumento: Brás Cubas, o tirano, representante de uma elite que faz uso de idéias fora do lugar, é também "um palhaço”, sem seriedade suficiente para desenvolver de verdade a invenção que seria a cura da melancolia.

Leitor amigo, se você chegou até aqui, só me resta dizer que esse texto é tudo aquilo que não deveria ser: pa­ródia, plágio mal alinhavado, arremedo dos argumen­tos, muito mais consistentes e desenvolvidos no livro original, ao qual você devia recorrer de uma vez por to­das e me deixar em paz.
 

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