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[Resenha] "Década perdida - Dez anos de PT no poder", de Marco Antônio Villa

Mercúcio

Usuário
A década em que Villa perdeu

As livrarias estão cheias de livros ruins sobre temas importantes, e, graças a Marco Antonio Villa, terão mais um em seu estoque.

por Celso Barros (02/12/2013)
em Brasil, Livros


“Década perdida: Dez anos de PT no poder”, de Marco Antonio Villa

1.
Figurinha carimbada do Disk-Fonte, Marco Antonio Villa vem aqui tentar tirar sua casquinha da onda de best-sellers conservadores. Acho inteiramente legítimo, nos anos noventa nós aqui na esquerda vendíamos muito livro criticando o neoliberalismo. É assim mesmo, azar no voto, sorte no livro mimimi. A propósito, alguém na esquerda deve ter escrito um “década perdida” sobre o período FHC, provavelmente com a mesma pertinência do livro de Villa.

Só para deixar claro, é inteiramente possível escrever boas críticas do governo do PT. O economista liberal Alexandre Schwartsman escreve semanalmente ótimas críticas ao governo, que todos devem ler, até por serem muito bem escritas (uma inevitável coletânea de seus artigos será um texto fundamental sobre o período). Há toda uma crítica ambientalista ao PT que também merece consideração (para citar um só nome, cito Felipe Milanez). Mansueto Almeidaestá on a roll na questão fiscal, a política contra a crise de 2008 foi mantida durante tempo demais, e esse negócio de Mensalão (que é muito sério) até me parece meio bobo comparado a algumas das alianças petistas estaduais. Já está claro que muitos dos dirigentes e quadros petistas são corruptos. O PT, inexplicavelmente, continua apoiando o regime cubano, e parece arrependido de uma das melhores coisas que fez: nomear juristas independentes para o Supremo. Falar mal do PT é tão fácil que garante o sustento de gente como Rodrigo Constantino, que, de outro modo, jamais teria qualquer outra função no sistema produtivo.

Mas é realmente difícil dizer que a década petista, no saldo, foi ruim para o Brasil. De qualquer maneira, em homenagem à coragem de se entregar a uma tarefa tão acima de seus meios, A década perdida merece que o resenhista lhe conceda uma boa distância de vantagem já na partida. Fiquei na dúvida entre duas opções: a)não usar contra Villa os dados sobre pobreza e desigualdade desde 2003; ou b)não usar palavras que começassem com a letra “a”, incluindo “a” (como artigo, preposição, pronome etc.).

Escolhi a opção que eu preferiria se estivesse no lugar dele.

2.
A apresentação avança ano a ano, alternando acusações aos adversários, argumentos à Azevedo, asperezas atiradas àqueles antagônicos ao autor. Aceitando, ad argumentandum, algum aspecto aqui e ali, assemelhado à antiga areté aristotélica, ainda assim: a antipatia ante as atuais autoridades, alçada a alturas absurdas, atrofia a acuidade analítica, atirando a argumentação autoral ao abismo AynRandesco.

Isto é, cada capítulo do livro descreve um ano de notícias ruins para os governos petistas. O livro é Villa fichando dez anos de Veja. Às vezes até funciona: o Mensalão, por exemplo, foi um encadeamento de pequenas denúncias que estouraram nas denúncias de Jefferson, e o leitor pode achar conveniente relembrá-los em ordem cronológica. É provavelmente útil que exista um catálogo dos escândalos de corrupção petista, e, supondo que ainda não existisse até agora, o livro de Villa pode ter alguma função como livro de consulta. Também serve como almanaque de episódios a serem citados por antipetistas em almoços de família e conversas de barbearia, e deve vender bem por isso. O que também é válido.

Mas é importante enfatizar que, em que pese o autor ser historiador, não se trata de um livro de história. Não há qualquer esforço de análise, síntese, descrição densa, compreensão ou o que seja. Como historiador, Villa poderia ter explorado linhas de continuidade (positivas e negativas) do período petista com outros períodos históricos, mas não o fez; como Diogo Mainardi, parece ter começado a ler jornal em 2002.

O livro começa com uma crítica ao discurso de posse de Lula, acusado de não lembrar dos feitos de governos anteriores. Nessa Lula e Villa estão juntos: não há sinal de que Villa saiba que houve governos anteriores (e não estou falando exclusiva nem principalmente de FHC), que estes governos foram apoiados pelos mesmos corruptos com que o PT fez negócios, e que não há governo em nossa história (ou, aliás, na imensa maioria das histórias nacionais) sobre o qual não se pudesse escrever um livro como a A década perdida. Ainda mais distantes das preocupações de Villa estão os graves problemas sociais herdados de nossa história de extrema desigualdade e autoritarismo, ou qualquer sugestão de que os governos deveriam ser julgados, ao menos em parte, pelo encaminhamento que dão a esses problemas.

A incompreensão manifestada por Villa diante do entusiasmo na festa da posse de Lula (e as homenagens a ele rendidas mesmo pela oposição) só sugere que o autor não conhece história política o suficiente para entender a importância da primeira transição pacífica entre direita e esquerda para a consolidação da democracia em um país. Villa diz, logo no início, que nenhuma das disputas analisadas é ideológica (o que, a propósito, é ofensivo também para a oposição), e não passa por sua cabeça que o problema seja sua própria falta de familiaridade com a discussão de ideias recente: não há referência, por exemplo, ao Agenda Perdida, ou ao debate sobre a “doença holandesa”, ou a universalismo vs. focalização, ou à crítica ambientalista do desenvolvimento, ou às discussões sobre ação afirmativa, direitos civis, direito à memória, justiça de transição, enfim, nada que tenha profundidade demais para virar slogan.

A falta de familiaridade de Villa com o debate sobre ideias fica clara em sua insistência em atacar o PT com argumentos da esquerda e da direita ao mesmo tempo, aparentemente sem notar possíveis inconsistências, como se 1+(-1) fosse 2. Por exemplo, em vários momentos atribui eventuais bons resultados na economia à continuidade com a política econômica de FHC. Suponho que Villa saiba que a política do FHC, ao menos sob as metas de inflação, era ortodoxa. Mas Villa várias vezes demonstra pouco interesse por políticas ortodoxas: Palocci é tratado como um débil mental que só diz trivialidades, é o “queridinho do grande capital” e dos cadernos de economia, o representante máximo da classe dos “rentistas”, cada vez mais influentes no país. Villa argumenta que a ideia de que Dilma seria mais estatista que Lula é completamente ilusória, e o diz em tom de crítica. Quando o crescimento econômico despenca nos anos recentes, Villa se atrapalha (diante do gol aberto) e reclama da falta de uma política econômica consistente, sem, entretanto, abraçar as críticas ortodoxas que defendem (com argumentos razoáveis, não por maldade) que o desemprego é baixo demais ou que o governo é estatista demais. O PROUNI é descrito (em nota de pé de página, que é onde Villa acha que é o lugar de debates sobre policy) como uma sacanagem aí que o Haddad fez em conluio com os “barões do ensino”.

Ora, a Casa das Garças tem o direito de enfatizar a “herança bendita” de Lula, o PSTU tem o direito de criticar a política econômica que favorece os “rentistas” (ou reclamar que o estatismo de Dilma é ilusório), mas fazer as duas coisas ao mesmo tempo não funciona, a não ser no Congresso do PPS (onde, imagino, Villa deva fazer sucesso). Em defesa do autor, a contradição de sua abordagem é suavizada pelo pouquíssimo traquejo com que maneja ambas as teses. Os dois trens nunca se chocam porque Villa não sabe dar a partida direito em nenhum deles. É capaz desse negócio todo simplesmente não querer dizer nada e eu estar aqui perdendo meu tempo.

3.
O livro não diz absolutamente nada sobre o que foi o governo do PT na educação, na saúde, na ciência e tecnologia, saneamento básico, política cultural, ou no que quer que seja que se espera que um governo faça. Não é que não diga nada de bom, ou nada com que eu concorde: simplesmente esquece todos esses temas. Se o Padilha descobrir a cura do câncer, ou se incendiar todas as maternidades do Brasil, a menos que seja pego roubando um trocado, pode contar que não entra no próximo livro de Villa.

Os dados sobre pobreza que eu prometi não discutir (não vou fazê-lo) não aparecem em nenhum momento da obra. Nunca mesmo, nem acompanhados das explicações de praxe – foi tudo mérito do FHC, foram as commodities, teria acontecido de qualquer maneira etc. Villa não achou o tema importante, mas nos conta que um filho do Lula ganhava 1.000 reais do PT para não fazer nada, e que a Playboy de Monica Veloso vendeu bem (o que também deve ter sido culpa do PT).

Há uma rápida crítica à política para a Amazônia, mas como Villa não teria como defender posições ambientalistas sem decepcionar seu público, lhe é impossível dizer qualquer coisa mais sistemática (o que provavelmente é bom para a causa dos ambientalistas). Na verdade, não há qualquer indicação de que Villa sequer tenha acompanhado os debates sobre políticas públicas brasileiros, mesmo os mais ideologizados, ou que os teria compreendido, se lhes tivesse dado um mínimo de atenção.

Enfim, depois de se recusar a discutir qualquer coisa que o PT tenha feito no exercício das funções de governo, Villa deduz que o PT no governo não fez nada além de roubar dinheiro.

4.
A Década de Villa:

2003: Na narrativa de Villa, Lula é um débil mental que fica ali comendo biscoito superfaturado enquanto José Dirceu governa. Villa não parece notar que, ao descrevê-lo como um bobo alegre, torna bem mais difícil sugerir depois que Lula sabia do Mensalão, ou atribuir a ele as jogadas estratégicas pós-Dirceu. A propósito, Villa reclama que Lula, que sempre se descreve como “um operário”, foi operário só por dez anos, aderindo ao argumento de que lideranças operárias são OK desde que não parem de trabalhar para liderar nada. Villa também parece achar estranho que os cargos de confiança, que, por definição, são preenchidos por quem ganha a eleição, foram preenchidos por quem ganhou a eleição. Mas cita um caso em que, efetivamente, o PT alterou uma norma que dizia que certos cargos deveriam ser preenchidos por funcionários de carreira (na Funasa). Argumenta que esse fenômeno “se repetiria em toda máquina estatal”, mas não fornece dados que suportem essa afirmação. O ponto alto do capítulo é a expressão “a revistaVeja, sempre contida (…)” no começo de uma frase.

2004: Começam a aparecer os escândalos que, eventualmente, desembocarão no Mensalão, e o livro melhora. Tanto quanto eu me lembro, o relato é fidedigno, embora Villa tenda, nesse e em outros momentos, a misturar fatos relevantes com besteiras. Aqui, por exemplo, quando uma imensa crise política se preparava para estourar, somos informados que Dona Marisa plantou umas flores em forma de estrela vermelha no jardim, e isso parece ter causado algum tipo de problema.

2005: Como podíamos esperar, é o capítulo em que Villa se diverte mais, embora não haja nada de muito novo na discussão (ele escreveu um outro livro sobre o Mensalão, onde talvez haja análises mais aprofundadas). No começo do capítulo, seguindo o rito oposicionista, Villa conta a história da eleição de Severino Cavalcanti sem dizer que Severino só ganhou porque a oposição votou nele no segundo turno contra o PT.

Villa acha que FHC e Aécio foram bundões em não derrubar o Lula no auge do escândalo. A divergência se explica facilmente. Se o primeiro presidente de esquerda tivesse sido derrubado por ter comprado a turma que nunca deixou de se vender, Aécio teria que governar (a)um país profundamente dividido, contra uma esquerda que teria acabado de aprender que sua moderação nunca seria recompensada pelo sistema político brasileiro, e (b)em aliança com todo mundo que se vendeu para o Lula, sem nunca esquecer de nosso eterno tesouro de estadistas, o PFL do Demóstenes e do Arruda. Isto é, se Aécio derruba Lula, teria que liderar um governo extremamente vulnerável a acusações de corrupção (como serão todos os nossos ainda por um bom tempo) diante de meio Brasil altamente radicalizado e saudoso de um governo que foi derrubado porque, dali em diante, a tolerância com a corrupção seria zero.

Isso é o que aconteceria com o Aécio. E com o Villa? Se Aécio derruba Lula, Marco Antonio Villa venderia mais alguns livrinhos. Se Aécio caísse em meio ao caos institucional, Villa diria que o problema foi não terem escolhido o Serra, e Aécio ter sido moderado demais. Se o país realmente entrasse em guerra civil, Villa iria para os EUA fazer bico na Fox News, e, da janela do avião, gritaria para o país dilacerado: “Mal aí, foi só uma ideia”.

É por pensar de um jeito diferente do de Villa que FHC foi presidente duas vezes, Aécio talvez ainda o seja, e Villa é só isso aí.

2006: Cai Palocci, e, vejam só que coisa sensacional, em um livro que lista os crimes do PT, Villa inclui os ataques do PCC. Ele não diz que foi o PT quem os organizou (imagino que a editora tenha um departamento jurídico minimamente alerta), mas não haveria outro motivo para o fato aparecer no meio da lista dos escândalos, e logo após a referência aos ataques somos informados que São Paulo havia muitos anos era governado pelo PSDB. Beleza. Após 140 páginas em que o PT faz absolutamente tudo errado, Lula é reeleito com 60% dos votos.

2007: Franklin Martins se torna o “ministro da verdade” (como em 1984) do Lula. Escândalo do Renan. O acidente da TAM ocorreu “em meio ao caos aéreo” (boa, jurídico). Lula queria o terceiro mandato, mas não foi atrás por motivos não esclarecidos por Villa. Ano meio devagar, mas começa a movimentação do processo do Mensalão no Supremo.

2008: A análise da crise econômica é fraca, mas nada vai bater a minibio da Dilma: atuou na luta armada sem destaque (nenhuma menção de prisão e tortura), foi do PDT, exerceu “funções pouco expressivas”, largou o doutorado na Unicamp no meio, abriu uma loja de 1,99 que fechou e, ao invés de ir para a obscuridade (como aconteceria se vivesse em um país “politicamente sério”), virou Ministra das Minas e Energia porque impressionou Lula por andar com um laptop.

Não é possível que Villa tenha achado que ia se safar com essa. Na verdade, entre as “funções pouco expressivas” desempenhadas por Dilma, estavam: Secretária de Fazenda de Porto Alegre nos anos oitenta, e Secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul (duas vezes), de onde foi para o Ministério em 2002 (a loja de 1,99 foi no meio dos anos noventa). O mais sensacional dessa falsificação aloprada é que, assim como Reinaldo Azevedo reage a toda acusação se dizendo um judeu em meio ao Holocausto, Villa vê em tudo o que Lula diz (até no seu discurso de posse) uma reescritura stalinista da história.

E assim seguimos.

2009: O Brasil, diz Villa, foi um dos países mais afetados pela crise mundial (excluídos, imagino, se estivermos falando de PIB em 2009, EUA, Europa, Japão, México, Chile, e vários outros países que ficaram ali mais ou menos em volta do zero; se estivermos falando de desemprego, uma dimensão relevante nos países mais afetados, nossa performance até agora foi muito boa). Ficamos com o Battisti por aqui. Esse negócio de commodities ameaça nos lançar em uma situação neocolonial. Crise do Sarney no Senado. Lula fala besteira sobre Sarney.

Surpreendentemente, o “Mensalão do DEM” e o “Mensalão Mineiro” se metem aqui no meio da narrativa sobre os escândalos petistas, aparentemente porque Lula “procuraria tirar algum proveito das várias denúncias”, ou talvez porque se sentissem carentes depois que a The Economist disse que não recebiam a mesma atenção do Mensalão do PT.

2010: Dilma já vinha havia tempos fazendo campanha antes da época (é verdade, embora seja imbecil haver uma “época”). Já Serra demorava muito para se lançar candidato, o que, a crer no Villa, era por respeito ao prazo legal para a campanha eleitoral. Por essa época, Dilma começa a encostar em Serra nas pesquisas, o que leva o autor a afirmar, produzindo um clássico instantâneo: “O respeito à lei já cobrava seu preço eleitoral”. Isso, Villa, foi por isso que o candidato tucano perdeu, certinho.

Escândalo da Erenice (que foi mesmo grave). Villa não gosta de Índio da Costa (coitado do cara). Tudo que Villa lembra do segundo turno é que Índio tinha que ter sido trocado imediatamente por Gabeira; nenhuma palavra sobre a campanha de Serra sobre o aborto, nem sobre o aborto de Monica Serra (aliás, o que o Gabeira teria dito disso?). Marina Silva parece não ter tido muita importância. No final, a informação de que Dilma ganhou (depois de mais oitenta páginas com o PT fazendo tudo errado), em boa parte, porque teve muitos votos em Minas, que era governado por quem? por quem? Ou seja, Aécio traidor.

2011: Marcela Temer é bonitona. Villa não parece ter gostado do corte de gastos da Dilma (mas vai reclamar quando não tiver corte de gastos, podem apostar). Esse papo de que Dilma é mais estatista que Lula é balela. Escândalos no Ministério dos Transportes. Já que não tinha nenhum sentido o Mensalão do DEM entrar no livro mesmo, podia ter entrado nesse ano, que foi relativamente devagar.

2012: A crise explica parte do desempenho econômico ruim, mas não tudo (correto), nem o principal (apesar de termos sido, segundo o Villa, um dos países mais afetados pela crise). O autor defende medidas de política industrial (não as da Dilma, em abstrato). Dilma muito popular se explica por propaganda, desinteresse do povão e fraqueza da oposição. Se entendi direito, Villa não gostou muito das mudanças no Código Florestal (“segundo alguns”, poderiam ser ruins para o meio ambiente), que foram só culpa do governo (derrotado na questão); a oposição ter votado pelas mudanças não teve nada a ver com isso. Como todo mundo que já fez alguma besteira acaba entrando nesse livro, Demóstenes aparece sendo cassado, o que também deve ter sido culpa do PT por algum motivo. Em defesa do PT, pelo menos Demóstenes não saiu na Playboy. O Mensalão no STF é narrado de maneira correta, mas surpreendentemente rápida (talvez, repito, esteja tudo no outro livro).

O livro não cobre 2013, mas tudo bem, não deve ter acontecido nada esse ano para desmentir a afirmação de Villa de que a sociedade brasileira é amorfa e desmobilizada.

5.
No fim, é difícil não concluir que o que estragou a década para o Villa foram as eleições perdidas pelos candidatos de sua preferência – é chato mesmo, rapaz, já passei por isso; mas são boas oportunidades de aprendizado. No começo do livro, o historiador diz que sua ênfase estaria no processo de aparelhamento do Estado pelo PT, mas simplesmente listar os escândalos do período não prova que a corrupção se tornou mais ou menos comum, ao menos para quem não acordou do porre só em 2002. E, ainda que fosse o caso, aparelhamento quer dizer coisa bem mais forte do que “petista rouba muito”. O governo Maluf, por exemplo, raramente foi descrito em termos de aparelhamento.

O Estado foi aparelhado para quê? Para a transição para o socialismo? Não, porque Villa deixa claro que ideologia não tem nada a ver com isso. Para a construção da nova ordem comuno-gayzista ecológica Illuminatti de George Soros? Também não é isso. No fundo, o fato de que Villa não quer discutir os dados que não podem dizer seu nome o impede de ver nos governos do PT qualquer objetivo programático, qualquer visão de sociedade, que possa explicar as ações dos petistas, mesmo as erradas.

Não há, ao menos nesse livro, qualquer prova de que o PT tenha feito outra coisa com o Estado além de ocupar cargos que, em sua imensa maioria, são sempre ocupados por quem, como o PT, ganhou a eleição; participar (com muito menos competência, devido à falta de prática, que já deve ter sido superada) de esquemas de corrupção que não parecem excepcionalmente inovadores (o mais “fora da caixa” foi o Mensalão, que não deu muito certo – sim, eu sei, “fora do caixa 1”, certo); e implementar suas políticas, algumas das quais eram boas, outras eram ruins, pessoas razoáveis discordarão sobre a proporção.

E que não se diga que o PT ter mesmo praticado corrupção faz de qualquer livro sobre a corrupção do PT um bom livro. Em primeiro lugar, o título desse livro sugere algo bem mais ambicioso do que uma lista de casos de corrupção, e propõe um critério de julgamento sob o qual Villa falha miseravelmente. Em segundo lugar, visto que os escândalos foram amplamente noticiados nos jornais, um livro sobre o assunto deveria fazer mais do que o que os jornais já fizeram, oferecendo contexto e referências históricas, ampliando os horizontes da discussão, ou mesmo (no caso de livros de jornalismo investigativo) trazendo novas informações. Nada disso aqui. Podia ao menos ser bem escrito, engraçado, satírico, enfim, mas, minha Nossa Senhora, não. Mesmo como ataque partidário achei o livro um fracasso: a estratégia de listar lado a lado pequenos e grandes escândalos acaba por tirar a força dos grandes. As livrarias estão cheias de livros ruins sobre temas importantes, e, graças a Villa, terão mais um em seu estoque.

O que mais chama atenção é o excesso de confiança característico de quem perdeu a última década só conversando com quem concorda. Villa simplesmente não se importa, não toma as mínimas precauções ao argumentar, sua bibliografia não inclui nem o livro de André Singer, nem os artigos de Nobre, nem Neri, nem Pochman, nem mesmo Merval Pereira, e chega a ser engraçado imaginá-lo discutindo o Lazzarini de Capitalismo de laços. É um trabalho muito abaixo do mínimo que se espera de um analista profissional, ou dos critérios que, imagino, ele mesmo aplique a seus livros de história propriamente ditos. É muito constrangedor, e espero que os resenhistas inteligentes de direita me retribuam o favor quando um dos nossos escrever um negócio desses.

Supondo que a competência na execução não tenha qualquer peso no julgamento da validade de uma obra, A década perdida é um esforço válido, que pode servir como boa leitura, sobretudo, para defensores do governo que se negam a reconhecer a existência de escândalos de corrupção petistas. É verdade que, no caso de leitor desavisado que nunca se interesse por conhecer o outro lado da história, a extrema parcialidade do livro pode ter efeito de lavagem cerebral. Mas suspeito que, na maioria desses casos, não lavar-se-á grande coisa, e as chances de algum afresco renascentista ser acidentalmente destruído pela água sanitária são remotas.

::: A década perdida :::
::: Marco Antonio Villa :::
::: Record, 2013, 280 páginas :::

——

PS: Rapaziada do outro lado, não dá pra mandar um peso-leve desses pra discussão e achar que vão ganhar alguma coisa. Tragam de volta os intelectuais tucanos.
PSTU: Pensando aqui, o que seria um bom teste para a tese do aparelhamento? Talvez o conceito mesmo precise ser melhor especificado.
PSTUdoB: Petistas, por favor, não achem que têm razão só porque o Villa não conseguiu refutá-los.
PROS: O livro não ganha o bingo do texto anti-PT, pois faltaram: Gramsci (Lenin aparece uma hora, mas não vale), crítica do “politicamente correto”, polvo. O Marco Aurélio Garcia mesmo só aparece rapidamente, mas resolvi conceder o ponto.
SDD: sdds polvo.

FONTE: http://www.amalgama.blog.br/12/2013/decada-perdida-marco-antonio-villa/
 
Vou procurar sobre Canudos, Mercúrio.

O Villa também possui um bom trabalho sobre a Revolução de 32, mas apenas pelo levantamento iconográfico.

A verdade é que durante todo meu curso de graduação, Villa sempre foi persona non grata. A gente leu só pra ter a certeza do quão escroto ele era.
 
Última edição:
pfff...

típico livro político encomendado. esse é a antitese do livro do mercadante sobre os 10 anos do governo lula.

falar de um país arrasado é no minimo uma ofensa a inteligência.
é a critica pela crítica...
 

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