O General do exército de malucos
É muito difícil explicar para qualquer um com menos de 30 anos a importância de Raul Seixas. Ele morreu há uma década; suas músicas não tocam nas rádios e não há clipes na MTV.
Apesar disso, Raul sobrevive, na memória e no coração de uma massa silenciosa de fãs. São milhões de admiradores, todos órfãos do maluco-beleza.
Podem acreditar: Raul foi o nome mais importante da história do rock brasileiro. No início dos anos 70, época em que o Brasil entrava numa ditadura feroz, Raul foi uma válvula de escape, um porta-voz de quem não tinha voz alguma, ou melhor, de quem não podia expressá-la.
Enquanto Médici, Geisel e os outros linha-dura pregavam ordem e progresso, respeito à família, tradição e propriedade,Raul pregava a Sociedade Alternativa, onde valia tudo, onde "tudo era da lei". "Se eu quero,e você quer/ tomar banho de chapéu/ou esperar Papai Noel/ou discutir Carlos Gardel/ Então vá!". Se você fosse um adolescente em 1973, quem escolheria? Os milicos ou o maluco?
Os mais bacanas escolheram,claro, o maluco. E assim Raul virou ídolo. Chamá-lo de "ídolo do rock", aliás, é errado: Raul foi ídolo popular, e ponto. Dos cafundós do Norte ao extremo sul do Chuí, todo mundo amava Raul. Forrozeiros, sambistas,metaleiros, místicos, engravatados, políticos, camelôs,todo mundo fez parte do exército de malucos.Até as crianças - quem não se lembra do Carimbador Maluco, personagem que ele criou para a série Plunct Plact Zum? Lembro de ouvir, espantado,o veteraníssimo Nelson Sargento,lendário sambista da Mangueira,dizendo que chorou quando Raul morreu.
Raul era anarquista e nunca se candidatou a presidente, senão ganharia de lavada. Quem não simpatizava com ele? Afinal, toda rua do Brasil tem seu maluco, seu personagem folclórico, aquele sujeito meio esquisitão e avoado, com quem todo mundo simpatiza. Raul era esse sujeito;
E a música? Da mellior qualidade. Raul, é bom lembrar, não fez só rock: fez bolero, forró, country, baladas românticas, música brega (a clássica "Tu És o MDC da Minha Vida") e até punk de protesto, como a furiosa "Aluga-se", uma pedrada irônica que cairia como uma luva no repertório de um Ratos de Porão: "A solução pro nosso povo eu vou dar/ negócio bom assim ninguém nunca viu/ Tá tudo pronto, aqui, é só vir pegar/ a solução é alugar o Brasil!".
Como todo gênio, Raul era contraditório: numa hora conclamava a massa a unir-se na Sociedade Alternativa, depois dizia que cada um deveria encontrar seu próprio caminho; fazia papel de maluco, mas de louco não tinha nada. O negócio era não ter "aquela vellia opinião formada sobre tudo", como cantou na linda 'Metamorfose Ambulante". No meio de tanta contradição, uma coisa nunca mudou: a verdade de suas letras e a beleza simples de suas canções, das quais a mais bela periga ser "S.O.S.": "Ô seu moço do disco voador! me leve com você/ pra onde você for/ ô seu moço/ mas não me deixe aqui! enquanto eu sei que temi tanta estrela por aí".
Ninguém,no pop brasileiro, cantou sobre solidão e melancolia com tanta plangência e beleza.
Os discos de Raul estão por aí.
Mergulhe fundo e, como diria o Carimbador Maluco, "Boa viagem, até outra vez".