Phantom Lord
London Calling
BIOGRAFIA
O Radiohead é uma banda de rock alternativo, considerada uma das mais importantes bandas de rock na atualidade.
A história começou em 1987, quando o guitarrista e vocalista Thomas Yorke decide se juntar a Jonny Greenwood (guitarra, teclados, xilofone), Ed O'Brien (guitarra), Colin Greenwood (baixo) and Phil Selway (bateria), formando o On a Friday.
Depois de terem feito algumas apresentações sem muita repercussão a banda resolve dar um tempo. A volta triunfante acontece em 1991, quando assinam contrato com a EMI e já com o nome de Radiohead, lançam o EP com a faixa "Creep", que imediatamente estourou nos EUA ficando por um bom tempo no topo das paradas.
Em 1993, a banda lança seu primeiro álbum intitulado "Pablo Honey". Com o hit "Creep" presente no repertório o Radiohead ultrapassou a marca de 700 mil cópias vendidas.
Em 1995, com intuito de evidenciar ainda mais o estilo da banda, eles lançam o segundo trabalho, "The Bends". As músicas apresentam letras depressivas, tristes e melódicas. O hit de destaque foi "Fake Plastic Trees", uma balada que entrou nas rádios de todo o mundo e foi tema de um comercial aqui no Brasil.
Dois anos depois, chega às lojas o terceiro álbum da banda, "OK Computer". A repercussão não podia ser melhor. O álbum foi eleito por revistas especializadas como o "melhor de todos os tempos" atingindo a marca de 4 milhões de cópias vendidas, além de garantir um Grammy para a banda.
O próximo lançamento do Radiohead só veio no ano de 2000. Intitulado, "Kid A", o álbum não foi unânime como os anteriores, dividindo opiniões e causando polêmica. Um dos fatos que contribuíram para a não aceitação geral do álbum, foi a ausência dos video-clipes sempre presentes nos trabalhos da banda.
Em 2001, eles lançaram "Amnesiac", praticamente uma continuação de "Kid A". Nesse trabalho fica claro que a banda continuou a explorar cada vez mais sonoridades e melodias nada convencionais. Com isso eles se mantiveram em alta e cada vez com mais fãs ao redor do mundo.
O sexto álbum, "Hail To The Thief", foi lançado em 2003. Com grande aceitação pelo público e mídia o álbum marca a estréia da Radiohead TV, uma emissora de TV online que serviu como um canal de divulgação desse trabalho. Depois desse lançamento o contrato da banda com a gravadora EMI chegou ao fim e fez com que eles decidissem tirar férias por tempo indeterminado.
Depois de quatro anos sem produzir nada novo, a banda volta em 2007 com o lançamento de "In Rainbows". Esse álbum foi completamente diferente dos anteriores, já que era vendido apenas pela internet, e o valor do mesmo era definido pelo comprador. Foi o mais bem aceito pela mídia desde "Ok Computer" , atingindo a marca de 1,2 milhões de downloads no primeiro dia se transformando em um sucesso absoluto.
DISCOGRAFIA
-PABLO HONEY (1993)
-THE BENDS (1995)
-OK COMPUTER (1997)
-KID A (2000)
-AMNESIAC (2001)
-HAIL TO THE THIEF (2003)
-IN RAINBOWS (2007)
-THE KING OF LIMBS(2011)
VIDEOS
Fake Plastic Trees
Karma Police
No Surprises
Idioteque
Knives Out
There There
Nude
Jigsaw Falling Into Place
Lotus Flower
RESENHAS
THE BENDS-1995
Quando o “The Bends” foi lançado, em março de 1995 no Reino Unido e um mês depois nos Estados Unidos, esta escriba que vos fala tinha apenas 13 anos. Você vai pensar: “E quem essa pirralha pensa que é para dar voz àqueles que julgam ‘The Bends’ o melhor álbum do Radiohead?”. E então eu respondo humildemente: “Alguém que ainda sente um aperto no peito ao ouvir ‘Don’t leave me high. Don’t leave me dry’, como se o refrão, e seu agudo característico ‘à la Thom Yorke’, fosse um grito adolescente de um adulto que tem medo de crescer”.
Piegas? Não para o Radiohead em sua primeira obra realmente prima. Maduros, sem medo da popularidade que perseguiu “Creep”, no justo “Pablo Honey”, o quinteto britânico mostrou em seu segundo álbum toda a personalidade que mais tarde seria “marca registrada” do grupo.
Minha história com o “The Bends” aconteceu muitos anos após o seu lançamento, justamente durante uma tarde de sábado qualquer em que gastava minhas horas assistindo a um DVD do que considero um dos melhores programas de TV de todos os tempos: o Jools Holland. Em uma apresentação datada de 27 de maio de 1995, o Radiohead, que ainda carregava consigo uma postura de uma banda iniciante, cheia de paixão e excitação, e liderada por um Thom Yorke ainda loiro, tomava minha atenção tocando a música que, não à toa, dá nome ao disco. Jonny Greenwood fazia nascer de sua guitarra riffs ainda inéditos para mim, uma garota de 20 anos que ainda frequentava a Galeria do Rock na esperança de conseguir toda e qualquer parafernália do DESCENDENTS. Sua guitarra, uma das características mais pertinentes do álbum, trouxe-me a essência multilateral do rock’n'roll de um jeito novo, diferente do que tinha aprendido com punk e com o hardcore. Aconteceu. Simples assim.
Foi esse amor à primeira vista que, provavelmente, colaborou para que o meu PlayStation 2 não conseguisse mais adiantar o DVD do Jools Holland até a faixa “The Bends”. Na época, uma pobre estagiária no sentido mais literal da palavra, o videogame também fazia a vez de DVD player. E foi assim, entre trancos e barrancos, que consegui uma cópia do álbum.
O “The Bends”, por incrível que pareça, não foi o meu primeiro CD do Radiohead. O primeiro álbum da banda britânica que comprei foi o “I Might Be Wrong - Live Recordings”, que, evidentemente, não conquistou muito a minha simpatia. Eu ainda não sabia que o Radiohead é o tipo de banda que precisa ser degustada devagar, fase por fase, de cabeça aberta.
É difícil dizer qual a melhor faixa de “The Bends”. Ainda hoje o pessimismo de “Bullet Proof…I Wish I Was” e o final de sua primeira estrofe “everyday, every hour wish that I was bullet proof” mexem comigo. Claro que não dá para, simplesmente, ignorar a “Fake Plastics Tree”, principalmente depois que a DM9, de olho no bonde do sucesso onde o Radiohead tinha lugar reservado na janelinha, produziu o comercial cujo protagonista era o Carlinhos. Você lembra, certo? Okay, Carlos Manga Júnior, diretor do vídeo, merece os créditos; o trabalho ficou à altura da poesia cantada por Thom Yorke.
Os altos e baixos são características padrão do álbum. Se em “High and Dry” a súplica é por um “não me deixe mal, me deixe sozinho”, em “Just” o acorde limpo dá lugar a uma guitarra suja, agressiva, e a um refrão sem frescura (você fez isso para você mesmo, você fez, e isso é o que realmente dói). Foi nessa canção, e na guitarra de Greenwood, que comecei a perceber o grande potencial do Radiohead que, anos mais tarde, me levaria a uma busca incansável, através do Atlântico, às margens do Tâmisa.
Não é contraditório dizer que o “The Bends” foi o grande responsável em elevar o Radiohead ao patamar de “big band”. Bem produzido, consistente, maduro e sincero, o disco é um misto perfeito entre a jovialidade da banda tão presente em “Pablo Honey” e os pulsos fortes, ainda mais marcantes em “OK Computer”, lançado em 1997.
E se restava alguma dúvida quanto à qualidade incontestável do álbum, os três minutos de “Just” (a 12º música do show que vi em Londres), o coração acelerado e as lágrimas que ameaçavam cair naquele 24 de junho provaram o que lá dentro eu já sabia: “O ‘The Bends’ é e sempre será o melhor álbum do Radiohead”.
Renata Honorato
OK COMPUTER-1997
Direto ao ponto: “Ok Computer” é o disco fundamental na trajetória e discografia do Radiohead. É o rito de passagem de uma banda de relativo sucesso e boas composições para a banda mais influente e importante do mundo desde então. É o disco que inicia o culto ao quinteto e dá uma imensa carta branca nas mãos de Thom Yorke e seus companheiros para fazer o que bem entenderem com a indústria. Porque, por mais que “Pablo Honey” tivesse uma grande música (”Creep”) e “The Bends” fosse um apanhado de lindas canções dolorosamente melódicas, a banda até então não tinha ousado e colocado uma assinatura própria em seu som. E, óbvio, foi a evolução de “Ok Computer” que conquistou a devoção de milhões de fãs e alçou a banda ao posto de salvação do rock, transformando Yorke (a contra-gosto) em líder e porta-voz de uma geração.
Sonoramente o disco faz uma releitura tanto do psicodelismo quanto do progressivo, limando os excessos de cada gênero e acrescentando as doses de melancolia tão presentes nos discos anteriores da banda. Mas, ao contrário dos antecessores, mais calcados na harmonia das músicas como um todo, “Ok Computer” apresenta uma preocupação imensa com os detalhes, com os timbres, com as texturas, com os pequenos riffs e solos que pontuam cada verso e estrofe. Suas músicas são mais do que apenas uma base melódica. Elas são como peças de um quebra-cabeça sonoro cuidadosamente estruturado. Seja nos momentos mais densos, como “Exit Music (For A Film)”, “Lucky” e “Climbing Up The Walls”, nos momentos mais vibrantes de “Airbag” e “Paranoid Android”, no britpop de “Electioneering”, ou no lirismo de “Let Down” e “No Surprises”, a banda vai acrescentando um a um os acordes, as notas, as mudanças, os climas, sem se preocupar com as fórmulas básicas da música pop. Basta dizer que é um disco quase sem refrões.
Olhado com a distância do tempo, “Ok Computer” se apresenta como o retrato de toda uma geração. É como uma ópera-rock que versa sobre a vida moderna, uma crônica em preto e branco do século 21 e principalmente do pós-11 de setembro (não à toa, Thom Yorke sempre foi tratado como visionário). Traz no amargor e na voz sofrida do vocalista a carga de uma era em que as pessoas cada vez mais se isolam de tudo e criam barreiras ao seu redor. É uma época em que a convivência fica cada vez mais distante e impessoal. O egoísmo e a solidão estão presentes o tempo inteiro nos versos cínicos do cantor. Se “The Bends” era um disco basicamente sobre as relações humanas (majoritariamente românticas), “Ok Computer” é um disco sobre o conflito do homem consigo mesmo, um auto-retrato da angústia tão característica do vocalista – e que o assolaria como nunca após o sucesso estrondoso do álbum.
Como retrato de nossa era, “Ok Computer” diagnostica e radiografa perfeitamente os tempos do “politicamente correto”. Primeiro em “Karma Police” e sua ameaça constante de que “isso é o que você leva, quando mexe conosco”. Mas nada como “Fitter, Happier” para explicar a monotonia e mesmice em que tantas pessoas tentam transformar o seu, o meu, o nosso mundo. Esteja em forma, trabalhe bastante, não beba em excesso, coma de forma correta, conviva melhor com as pessoas. Parece o discurso da abertura de “Trainspotting”, um manual de regras simples para a felicidade. De nada adianta, porém, pois esse alívio momentâneo é destruído com força pelo pessimismo assolador de “No Surprises”, um dos melhores retratos do que uma vida com regras pré-estabelecidas pode causar, e que foi traduzido de forma exuberante em seu clipe, em que o vocalista é “afogado” em um aquário enquanto canta: “No alarms, no surprises”. É assim que vale a pena viver, sem ter nenhum tipo de novidade?
No entanto, sem dúvida alguma, a música que melhor expressa o disco como uma unidade é “Paranoid Android” – não por acaso a melhor música da banda. Começa com Yorke tentando espantar seus fantasmas internos enquanto os riffs de guitarra entrelaçados e a linha de baixo circular hipnotizam. O vocalista vai destilando sua ironia e expurgando seus demônios enquanto a canção cresce, até explodir no solo nervoso, rápido, urgente de Jonny Greenwood. De repente tudo acalma e um coro angelical começa a clamar pela chuva, uma pretensa redenção, que chega aos poucos, mas muito mais delicada do que em “Magnólia”. Para terminar a possível lavagem da alma, nada melhor do que uma lógica religiosa máxima transbordando cinismo. “Deus ama seus filhos, Deus ama seus filhos”. É necessário repetir muito para acreditar e não ficar louco neste mundo. “Ok Computer” é, enfim, desde seu título, uma rendição aos tempos modernos. Não há como escapar do que se tornou a nossa época.
Alçada ao posto de melhor banda do mundo, o Radiohead teve que lidar com uma fama que nunca almejou. Para isso, o grupo criou uma base sólida em si mesmo e resolveu traçar seu próprio caminho, com cada passo milimetricamente calculado. O que aconteceu depois disso é história, que culmina com o lançamento de “In Rainbows” em 2007, o álbum que colocou abaixo todo o modelo de indústria musical como a conhecíamos. Mas nada disso seria possível se, 10 anos antes, a banda não tivesse arrebatado uma multidão de fãs com “Ok Computer”. Um disco sublime do primeiro ao último acorde, uma verdadeira obra de arte atemporal capaz de ser reanalisada e redescoberta por novos ângulos com o passar dos anos. O mundo mudou nesse tempo, e só o Radiohead parece ter percebido isso… dez anos atrás.
Tiago Agostini
KID A-2000
A Melancolia sempre esteve clinicamente ligada à personalidade artística. Doença ou estado de espírito, ela pode revelar tanto o gênio quanto a perversidade. Na história, na literatura, nas artes em geral, não foram poucos os melancólicos patológicos, fictícios ou não, que exibiram, com prazer e em público, seu dom maior e mais particular: um senso de humor singularíssimo, irreverente mas fechado para o entendimento médio. Melhor exemplo disso é Hamlet, espécie de precursor da melancolia do Ocidente.
Radiohead. Aí está uma banda que não ri. Ou raramente ri. A acidez quase infantil de Thom Yorke, em contraste violento com a afetação doce de sua voz, sugere aquele mal-estar típico dos que parecem estar sofrendo de uma azia constante, ali, bem no estômago da alma. O que não impede ninguém de achar graça nele e no que ele faz. No bom sentido. Porque Yorke tem declarado à imprensa, de forma velada, a sinceridade de suas intenções cômicas. Afinal, todo cronista do absurdo é, por obrigação, um pouco comediante.
E a piada da vez é fazer pouco caso da importância que o mundo passou a dar às suas queixas. Yorke, hoje, é um menino mimado. Objeto de culto incondicional, tornou-se o juggernaut ao qual ele próprio se referia em “Ok Computer”, o tal “carro de Jagrená” da mídia, alvo de devoção cega e sacrificial. Em outras palavras: uma droga de vaca sagrada. É um lunático genial e depressivo; um infeliz tão experiente e conhecedor de sua desgraça que pressupõe-se que se use sempre ouvi-lo e consultá-lo. Mas estejamos atentos: Hamlet também fingiu ser louco, e essa sua demência tática era o que tinha de mais original e divertido.
Divirtam-se, portanto, e sem culpa: é tudo pose, é máscara e teatro. Ironia marota, projeto de mau humor, tratado leve de niilismo. Thom Yorke, grande artista pop, deve ter lido Voltaire antes de compor as canções deste excelente “Kid A”. Logo na primeira faixa, “Everything In Its Right Place”, ele parafraseia o autor de “Cândido” ou “O Otimismo”. No clássico de Voltaire há um pretenso sábio, caolho e sifilítico, Pangloss, que passa a vida repetindo a máxima do pensamento mágico e positivo: tudo está o melhor possível neste que é o melhor dos mundos possíveis. Na canção do Radiohead, Yorke macaqueia os que acreditam na repetição hipnótica de uma idéia como método para transformá-la em realidade prática. Mil vezes seguidas ouve-se o verso: “Tudo está em seu devido lugar”. Esta impressão de paródia é ainda mais sensível na faixa 6 que, providencialmente, chama-se “Optimistic”. E o refrão proclama a grande mentira do conformismo moderno: “Se você faz o melhor que pode, então o seu melhor possível já é bom o bastante”.
Agora que está no topo do mundo, o Radiohead brinca com a própria imagem. Lança um disco em que foge de quase tudo o que o fez popular: não há guitarras sujas nem melodias espaçosas; a voz de Yorke está camuflada, pequena, escondida sob a produção linda e quase gelada de Nigel Godrich, o mesmo de “Ok Computer”. O disco todo, aliás, é frio. E é surpreendente como lembra, às vezes, Kraftwerk. Há pouco de humano (e, estranhamente, muito de alemão) em “Kid A”. De longe, por controle remoto. Nunca dá margem a crescendos emocionais. Em “How to Disappear Completely”, Yorke canta: “Não estou aqui. Isso não está acontecendo”. E é a mais pura verdade.
Em todo o disco, não se pronuncia a palavra “love”. Como se o amor fosse artigo proibido. Cândido, aquele “otimista”, já dizia: “Para cada beijo, vinte pontapés por trás”. Também não há sexo nem ódio, não se fala em nada edificante nem desprezível. E, paradoxalmente a essa ambiência desagradável de morte dos sentidos/sentimentos, dentro da armadura blasé que veste e protege “Kid A”, ainda há espaço para referências inesperadas à cantigas de roda infantis e bestas, recordações de cirandas lúdicas e passadas.
Na faixa-título, Yorke diz: “Ratos e crianças me seguem para fora da cidade”. É que ele se compara ao vingativo flautista de Hamelim, personagem de Robert Browning, poeta inglês do século XIX. O flautista do poema, com a doçura de sua música, encanta primeiro os ratos daquela cidade. Os bichos se atiram no rio e morrem. Depois, ele enfeitiça as crianças do lugar, que o seguem dançando até desaparecerem na floresta. O flautista livra, assim, Hamelim de um mal: afoga na corredeira os seus pavores e mágoas. Mas, levando embora seus filhos, rouba, do povo de Hamelim, toda a inocência e alegria, a fé na continuidade de cada vida. E, fora isso, o que resta? Voltar ao primeiro parágrafo.
Faixa a Faixa
"Everything In Its Right Place”: R.E.M. A sonoridade sem data de “Up”. Envelhecimento artificial. Yorke segue Stipe. Como se sente? “Acordei chupando um limão”.
“Kid A”: Kraftwerk. A voz robótica é quase inaudível. Descaracterização intencional.
“National Anthem”: O groove lembra “Airbag”. Voz entubada. Uma dúzia de músicos de sopro irrompe em sessão de jazz inusitada.
“How to Disappear Completely”: Balada do velho Radiohead. Suspeita de quem a ouve: quando Yorke diz que desapareceu, acreditar nele parece fácil. Um fantasma convincente afirmando que não existe.
“Treefingers”: Bowie e Eno fizeram parecido com as peças instrumentais dos discos berlinenses. É a Alemanha, de novo. Ninguém vai dar a mínima.
“Optimistic”: Convencional e irônica. Parodia uma canção infantil tradicional: “Um porquinho foi ao mercado, outro veio do pântano”.
“In Limbo”: Um pouco amortecida, de propósito. Em um mundo de fantasias de beleza, prazeres estéticos fáceis.
“Idioteque”: Yorke canta com raiva pela primeira vez em meia hora. Contradiz a obra: “Isto está acontecendo de verdade”. Última chance para dizer “presente”.
“Morning Bell”: Irrelevâncias da separação: “quem vai ficar com a mobília?” Alguém quer partir: “Onde você estacionou o carro?” O julgamento sábio de Salomão: “Corte as crianças ao meio”. Triste, terrível.
“Motion Picture Soundtrack”: Base de acordeão. O abre-e-fecha das palhetas. De repente, um ataque de harpa. Parece Disney. Acaba e você está feliz.
Luís Henrique Pellanda
AMNESIAC-2001
No início do século, o Radiohead era aquele grupo que tinha esculpido um lugar na santíssima trindade do rock contemporâneo com o irrefutável “Ok Computer”. A soberania não fez com que o grupo pisasse no freio e, na virada da década, o mítico ano 2000, apareceu “Kid A”, um disco que abria mão das guitarras para investir em inquietude, experimento e dor, muita dor. A surpresa foi, apenas oito meses depois, “Amnesiac” ter sido lançado, irmão em primeiro grau do álbum anterior.
Ambos foram gravados nas mesmas sessões e separados ao nascimento. Não são poucas as coletâneas encontradas na web em que fãs tentam achar qual seria a ordem correta das faixas se as gravações tivessem dado origem a um disco duplo. Apesar do parentesco inconteste, cada um tem sua personalidade. “Amnesiac” não se trata, como alguns simplistas possam pensar, de uma coleção posterior de lados B, pelo contrário: os álbuns refletem prismas diferentes. Como disse Thom Yorke, “Kid A” vê fogo na floresta; em “Amnesiac”, se está na floresta.
A filiação, no entanto, deixa evidente a tentativa de abandonar o rock tradicional, entre aspas, e abraçar a vanguarda, onde não se tem fronteiras. Versos quebrados, filosofia e eletrônica entram em cena para atirar ao alto a vontade de agradar as massas e agradar, sim, as massas cinzentas. O guitarrista Ed O’Brien já afirmou que o objetivo do quinteto era trabalhar como um coletivo, subverter o conceito de banda para investir em “sons”, por mais abstrato que isso possa parecer. O fato é que eles chegaram a algo parecido, uma maturidade interna iniciada no experimentalismo de “Kid A”, em que melodias deram espaço a texturas perturbadas, herméticas, complexas como harmonias de jazz e circulares como krautrock.
“Amnesiac” abre com “Packt Like Sardines in a Crushd Tin Box”, que repercute na percussão metálica a lata do título. A melancolia, desespero e desilusão característicos da pena de Yorke temperam a letra. “Após anos de espera, nada aconteceu”, ele canta, numa linha eletrônica típica do Aphex Twin, entremeada por distorções e ruídos climáticos, originários de um território desconhecido.
Na época, Thom Yorke declarou à imprensa britânica que o álbum transmite a sensação de se “encontrar um velho baú no sótão recheado com notas, mapas e descrições de um lugar de que você não consegue se lembrar”. Na contracapa, uma advertência na mesma linha: “Guarde longe da luz direta, preferencialmente numa gaveta escura com seus segredos”.
Ecos disso deságuam na primeira faixa de “Amnesiac” e escorrem por todas as outras. “Pyramid Song”, a canção seguinte, trata pura e simplesmente de suicídio. O piano dita notas melancólicas e carregadas de agonia, apenas três, para uma bateria no fundo, firme, acentuar o drama. “Não havia nada para temer e nada para duvidar.” Com ajuda das orquestrações de Jonny Greenwood, tenta nos convencer do alívio da morte. Música nada usual para ser escolhida como primeiro single, prova de que, apesar de ligado à EMI, o Radiohead não tinha nada de submisso e segurava com garbo as rédeas da carreira.
Yorke chegou a falar que “Pyramid Song” era a melhor coisa que o Radiohead já tinha gravado. Hoje nem ele deve mais acreditar nisso: disse no calor da hora, talvez numa tentativa de autoafirmação ou validação da experiência do grupo. Até porque o mesmo ar experimental e de efeitos distorcidos passeia por “Pull/Pulk Revolving Doors”, liderada por uma batida eletrônica envolvente como as portas da letra, armadilhas que se fecham para não abrir mais.
A primeira grande gema reluz em “You and Whose Army?”. Um coro cantarolando no início dá a entender que vem beleza, e só surge dor. Acompanhado por uma guitarra chorosa, Yorke debocha com voz cambaleante, de alguém que já apanhou, a boca cheia de sangue, moral na sarjeta, mas seguro de que estar na pior não quer dizer porcaria nenhuma. “Pode vir se você acha que consegue encarar todos nós”, desafia, em um recado direto, dizem, ao então primeiro-ministro britânico, Tony Blair, e a seus companheiros do partido trabalhista.
As guitarras, cuja ausência serve de munição para a grande maioria dos detratores de “Kid A” e “Amnesiac”, dão seu recado em “I Might Be Wrong”, também título do álbum ao vivo lançado pouco depois. Levemente dançante, a música dá destaque para o baixo de Colin Greenwood e muda de clima rumo ao final, abrindo alas, veja só, para um pequeno solo de O’Brien.
Na sequência, vem a assombrante “Knives Out”. Sem experimentações, segue uma linha de guitarra que se esgueira do início ao fim. A simplicidade, reza a lenda, fez com que ela levasse mais de um ano para ser concluída, já que o grupo nunca parecia estar satisfeito com o resultado. A letra, um primor, é aberta o suficiente para ser interpretada como canibalismo, como Yorke já comentou, ou como a perda de um ente querido. É mais divertido, claro, imaginar que se trata de uma aventura canibal encerrada com o verso “coloque ele na panela”.
Incluída em “Kid A”, “The Morning Bell” ganhou uma regravação diferente, e melhor. Saiu a bateria marcada de Phil Selway para entrar um xilofone, lindo, evocando um desespero angelical, seja lá o que isso for. A instrumental “Hunting Bears” também supera “Treefingers”, do disco anterior. Sozinha, acompanhada apenas pelo vento (!) e por um sintetizador discreto, a guitarra de Jonny evoca um clima árido típico das trilhas sonoras de Ry Cooder.
Se “Amnesiac” tem seus pontos altos, peca por não ter uma sequência deliberada – o conjunto de faixas é menos coeso do que “Kid A” e é agrupado de modo arbitrário, dizem até que de forma proposital, para provocar uma estranheza clara entre os dois discos. Especulações à parte, é notório que “Dollars & Cents”, uma crítica genérica de Yorke ao sistema financeiro, e “Spinning Plates”, quase ininteligível ao brincar com sons ao contrário, seguem o mesmo espírito do álbum, mas têm menor quilate no conjunto.
O mesmo não se pode dizer de “Life in a Glass House”. Gravada no final de 2000, em uma sessão de estúdio exclusiva, a música dá um passo à frente ao flerte com o jazz esboçado em “The National Anthem” e, grosso modo, é justamente isso: o Radiohead tocando jazz. Na verdade, o crédito é mais de Humphrey Lyttelton e sua banda – o saudoso trompetista, na época com 80 anos, é apontado por Greenwood como o principal responsável pela faixa. Ao lado do clarinete, o trompete brilha no refrão, em um dos principais destaques do álbum. Não é a despedida sacra e redentora de “Motion Picture Soundtrack”, mas fornece a salvação do mesmo modo.
Importa saber para onde pende a balança, se para “Kid A” ou “Amnesiac”? Nem um pouco. A competição entre irmãos é real (quem tem sabe como funciona) e, por mais que os pais digam o contrário, sempre há um preferido. Há quem aposte no primogênito, outros vão acabar ficando com o irmão menor, tem gosto para tudo. Importa, sim, é que juntos os dois álbuns demarcam um dos alicerces do que é o Radiohead hoje, pós “Hail to the Thief” e o cheque-mate midiático de “In Rainbows”: a banda mais influente do rock mundial, uma mistura de guitarras, melodia e vanguarda. Parece definitivo, presunçoso demais, como as verdades sempre parecem.
Marco Tomazzoni
HAIL TO THE THIEF-2003
Se o mundo não fosse um lugar tão cruel e a caça aos célebres tão intensa, “Hail To The Thief”, sexto álbum do Radiohead, seria o disco óbvio após o estrondoso sucesso do mítico “Ok Computer”. Acontece que o sucesso é uma moeda de dois lados bem definidos, e um deles cobra seu quinhão com voracidade, pois o mundo ainda não está pronto para lidar com pequenos momentos de genialidade. A vida, porém, sempre surpreende, e pressionados contra o muro, o Radiohead deu um giro de 180 graus para baixar a guarda do mundo e voltar a fazer o que realmente gosta em seu disco mais à vontade.
Thom Yorke virou celebridade com o sucesso de “Ok Computer”, e a banda quase entrou em colapso com a rotina – muitas vezes destruidora – da fama. O flagrante deste momento foi registrado no filme “Meeting People Is Easy”, retrato de uma banda se libertando do mercado fonográfico (e de si mesma), e foi amplificado com a dobradinha de discos de atmosfera eletrônica e antipop lançados na seqüência: “Kid A” (2000) e “Amnesiac” (2001). No começo de 2002, o vocalista confidenciava: “Bem, a idéia é não usar computadores no novo disco. Vamos ver quanto tempo que dura (rindo)”.
Antes de a banda entrar em estúdio, porém, uma decisão daquelas que só o Radiohead tem culhão de tomar levou o grupo para shows na Espanha e Portugal em julho e agosto com nada menos do que 16 canções inéditas na bagagem sendo que 12 entraram em “Hail To The Thief”. Os shows caíram na web, fãs discutiam e babavam nas novas canções, e a banda acompanhava online o burburinho como se estivesse consultando amigos sobre o que fazer com seu próprio futuro.
Como resultado deste método, as gravações de “Hail To The Thief” duraram apenas quatro semanas, com a banda optando por duas semanas na ensolarada Los Angeles (e outras duas em sua cidade natal, Oxford) em detrimento de estúdios do gélido leste europeu que abrigaram as sessões de “Kid A” e “Amnesiac”. Explicava Thom Yorke: “Os dois últimos registros em estúdio foram uma verdadeira dor de cabeça. Gastamos tanto tempo com computadores que chegamos a um ponto em que dissemos: ‘Isso é suficiente. Nós não podemos mais fazer isso’”. Não podiam, mas fizeram de novo. Ou quase.
“Hail To The Thief” não é só o alardeada volta às guitarras do quinteto. Ele bate no liquidificador a inocência juvenil (aqui, vertida em experiência) dos dois primeiros álbuns com a virulência distanciada dos dois discos de esconderijo (”Kid A” e “Amnesiac”). O resultado é, ao mesmo tempo, simples e grandioso. Climas densos alternados com guitarras, às vezes, na mesma canção. As canções soam mais cheias, inventivas, variadas, tensas, emocionais. É o Radiohead atingindo a maioridade e se reinventando em um mundo que se reinventa a todo minuto.
Cinco anos depois de “Ok Computer”, o mundo já tinha digerido e entendido qualé a do grupo, o que fez com que o álbum decolasse nas paradas, mas não transformasse a banda na última novidade do verão (algo meio inconcebível já que, naquela época, eles carregassem dez anos de estrada nas costas). Eles deram uma volta ao mundo e decidiram parar o tempo, optando por brincar – estilosamente – de difíceis na expectativa de que o mundo os alcançasse. E finalmente o mundo os alcançou, mas se as guitarras voltaram ao som do quinteto, o mau-humor com o estado das coisas atingiu picos estratosféricos nas letras.
Não à toa, se a palavra “amor” ficou de fora de “Amnesiac”, em “Hail” ela só aparece perdida e nua na última (e grande) música do álbum, “A Wolf At The Door”. Nas outras, “inferno”, “veneno”, “diabo”, “frutas podres”, etc…, nos fazem lembrar que viver no Planeta Terra no ápice do capitalismo não é brincadeira, afinal, esse é o lugar em que “2 + 2 = 5?. É a faixa que abre “Hail To The Thief”. Ela começa eletrônica para no terceiro segmento explodir em barulho de guitarras. Em “Sit Down Stand Up”, outra faixa eletrônica e carregada de climas, uma voz ordena: “Ande pelo portal do inferno”.
Já “Backdrifts”, também dominada por batidas eletrônicas e teclados gélidos ao fundo, define: “Nós somos frutas podres / Nós somos artigos estragados / Que diabos, não temos nada mais para perder / Um vento e nós vamos provavelmente esfarelar”. O rock dá as caras em “Go To Sleep”, uma das grandes canções do álbum. Thom repete e repete e repete: “Só por cima do meu cadáver”. A excelente “Where I End and You Begin” tem como personagem um anjo que não pode participar da história e fica observando tudo das nuvens, mas não pode descer, e que no final sentencia: “Eu irei comer todos vocês vivos / Não haverá mais mentiras”.
“We Suck Young Blood” tem clima jazz de botecos toscos no fim de uma noite terrivelmente escura. “The Gloaming”, a faixa mais chatinha do disco (na cola dos climas desconstruídos de “Kid A”/”Amnesiac”), avisa: “Gênio, saia da lâmpada: é hora das feitiçarias”. O single do disco e uma das faixas poderosas do Radiohead nos anos 00 se chama “There There” e começa como uma mantra, com tambores (tocados em shows por Jonny Greenwood e Ed O’Brien) fazendo a cama para a voz de Thom Yorke que crava no peito do ouvinte: “Só por que você sente, não significa que esteja lá”. No final, após um belíssimo solo de guitarra, outro aviso: “O Céu enviou-te para mim / Nós somos acidentes que ainda vão acontecer”.
“I Will” é uma belíssima balada valorizada pela melancolia da voz e coro. O final do álbum aposta na eletrônica com a ótima “A Punchup at a Wedding” (de letra escarrada: “Você tinha que mijar no nosso desfile / Você tinha que estragar nosso grande dia / Você tinha que arruinar tudo por causa / De uma briga de bêbados no casamento”), a pirada “Myxomatosis” (”O gato vira-lata voltou pra casa / Carregando uma cabeça / E foi direto exibi-la / Aos seus novos amigos”) e a bonita “Scatterbrain”, uma canção prima em climas e nudez de “I Will”.
Senhores de seus próprios destinos, os integrantes do Radiohead conquistaram o direito de fazer o que quiserem em um disco. “Hail To The Thief” exibe flashs dessa liberdade num resultado tão coeso que soa injusto deixa-lo sob a sombra de “The Bends”, “Ok Computer”, “Kid A” e “Amnesiac”, os quatro álbuns que dividem a preferência dos ardorosos fãs do grupo. É um complicador para quem se acostumou a lançar obras definitivas, pois qualquer coisa que esteja um pouco inferior fica em segundo plano. E, geralmente, essas obras menores são maiores do que a carreira inteira de saqueadores e não iluminados. Se fosse um disco do Muse, do Elbow, do Remy Zero ou do Coldplay, “Hail To The Thief” seria considerado uma obra-prima. É um disco belíssimo de uma banda singular, rara, especial, repleta de belíssimos discos.
Para o final, “Hail To The Thief” convoca Beethoven na melhor canção do álbum. A “Sonata ao Luar” abre “A Wolf at the Door”, faixa derradeira do álbum. Thom Yorke está furioso e atropela frases desconexas que montam um clima absurdo e doentio. É o mundo desencantado e claustrofóbico do vocalista se parecendo cada vez mais com o mundo de todos nós. Mas, claro, nem tudo está perdido. E a esperança é jogada nos braços das “crianças”, provavelmente a palavra mais repetida em “Hail To The Thief”. Parece que Thom assume o mundo sombrio que vivemos sem desistir de lutar, sabendo que as crianças de hoje têm tudo para ser a salvação do amanhã. Na terceira faixa, “Sail to the Moon”, uma dica: “Talvez você seja presidente / E saiba o que é certo e o que é errado / E no meio da inundação / Construirá uma arca”.
E o filho de Thom Yorke se chama Noé…
Marcelo Costa
IN RAINBOWS-2007
Vamos falar a verdade – o Radiohead só passou a existir a partir do segundo semestre de 1997, quando OK Computer definiu uma fronteira ainda inconsciente. Ali terminava a carreira de uma banda do terceiro escalão da geração britpop, que se esforçava para suprir a lacuna deixada pelo U2 à medida em que Bono e companhia mergulhavam na dance music. Mesmo com algumas boas faixas em The Bends, o Radiohead era menos do que nota de rodapé na história do rock, fadado a ser lembrado mais por “Creep” do que por faixas infinitamente superiores, como “High and Dry”, “Fake Plastic Trees” ou “Just”. Até que, em um disco, mudaram completamente a abordagem de sua música, sua própria noção de importância e a consciência de perspectiva histórica. OK Computer era uma coleção de faixas que soavam tão inquietas quanto clássicos do rock, devendo tanto ao stress existencialista da geração X e à paranóia consumista dos anos 90 quanto aos discos solo dos Beatles e os discos certos do rock progressivo. E toda poeira retrô que pairava sobre as canções do último álbum da história do rock soa setentista ao mesmo tempo em que flutua pós-moderna, como se letra e música fossem atiradas à ausência de gravidade e humanidade de uma etapa cinzenta a seguir. Imagine o estado da banda ao conduzir versões com 14 minutos de uma “Paranoid Android” ainda não gravada para o público da primeira turnê americana de Alanis Morrissette, de quem foram o show de abertura.
Mal sabíamos como aquele OK Computer seria definitivo: surrupiada de Douglas Adams, a frase funcionava como um epitáfio para o mundo pop como o conhecíamos, de artistas inatingíveis, canções que soam como hinos, discos para serem ouvidos de cabo a rabo, a indústria fonográfica em particular e o mercado de entretenimento como um todo. Tudo começaria a ruir naquele semestre. Ao mesmo tempo em que as letras da banda pareciam concretizar-se, novas estradas digitais eram erguidas. A ausência de resistência do título não era apenas um último suspiro, uma trégua final – também anunciava o início de novas regras no jogo do pop. Afinal, o computador não era apenas a caixa cinzenta de plástico que passaria a nos conectar através de uma rede neurológica planetária artificial, mas também cada um de seus usuários. Ao ceder ao computador, a banda estava encerrando também o ciclo de relação da banda com o ouvinte passivo, afinal, a partir dali ele também inseriria dados na equação do sucesso de determinado artista que iam além da simples compra de ingressos ou de discos.
O próprio Radiohead foi cobaia desta nova realidade ao ver o disco posterior a OK Computer aparecer online antes de ter sido lançado. Três anos após ter subido degraus consideráveis em importância no mundo pop graças a um único disco, o Radiohead armava a contagem regressiva para o lançamento de um disco que a indústria esperava ser campeão de vendas com notícias que diziam que o disco seria hermético e experimental. E a expectativa aumentava quando gravações com as novas faixas tocadas em shows começaram a aparecer na internet –que culminou com o próprio vazamento de Kid A quase dois meses antes de seu lançamento oficial. Aquela novidade era uma prática que já vinha acontecendo com artistas menores, mas, com a chegada do Radiohead ao primeiro escalão do pop, abriu as possibilidades de ver a internet como vilã, ao minar as possibilidades de um artista de grande porte vender ainda mais discos. O resultado foi um esgar inicial à complexidade e densidade das canções, avessas ao classicismo de OK Computer, que rendeu notícias anunciando a morte prematura do disco. Mas foi o tempo necessário para o público digerir o álbum e seu conceito antipop para que Kid A, contrariando todas expectativas, se tornasse um dos discos mais vendidos do ano 2000 no mundo inteiro.
Com Kid A, o grupo virou as costas para o que havia pregado em OK Computer e partiu para o que mais havia de vanguarda na época. Lembro da Wire, bíblia da música experimental, estampar Thom Yorke em sua capa com um misto de admiração e culpa, pois a banda de rock mais popular do planeta tinha levado para seu aguardado disco parte do universo de exploração e experimentos endeusados pela revista. A música mais “fácil” de Kid A não ajudava muito, ao criar um neologismo que fundia idiotice com discothéque, numa crítica nada sutil à pista de dança. Pesado e de poucos amigos, Kid A é um salto no escuro tão radical quanto os álbuns negros do Prince e do Metallica – embora não tenha errado tanto quanto o primeiro nem acertado tanto quanto o último. Em seu quarto disco, o Radiohead tinha deixado de ser uma banda pop aspirando o Olimpo para assumir a expressão de uma esfinge, uma Mona Lisa de olhos tortos que ri de/com/para algo – e você não sabe do quê.
Os discos seguintes continuaram a trilha, abrindo-a para os lados. Amnesiac é o lado B de Kid A e o disco ao vivo I Might Be Wrong compila as músicas dos discos anteriores que poderiam ter feito o sucessor de OK Computer um disco palatável – mas desimportante por ser muito parecido. Com Hail to the Thief, eles ampliam ainda mais suas discussões ao assumir posições políticas ao mesmo tempo em que costuram o experimentalismo com sua maior qualidade, as canções.
Sete anos depois do abismo Kid A, o grupo dá um passo ainda mais ousado - talvez até mesmo que o de OK Computer. Tudo estaria resolvido em menos de um mês. Em setembro de 2007, pouco se falava sobre o próximo disco do Radiohead e no mês seguinte a banda dominava o imaginário mundial. Começou com o mínimo de barulho num site chamado www.radiohead7lp.com, que computava uma contagem regressiva para alguma coisa. Sim, era o sétimo disco do Radiohead que estava para ser lançado, mas logo a própria banda vinha em seu site para dizer que não tinha nada a ver com aquela contagem regressiva. Em alguns posts anteriores, o grupo apenas lançava mensagens enigmáticas, criptografadas – uma delas foi traduzida como sendo MARCH WAX, o que levava a crer que o próximo disco da banda sairia apenas em vinil, seis meses depois.
Ou não. Eis que o tal cronômetro chegou ao zero, revelando a frase - THE MOST GIGANTIC LYING HOAX OF ALL TIME (O MAIS GIGANTE E MENTIROSO BOATO DE TODOS OS TEMPOS, tudo em caixa alta mesmo) linkada a um vídeo do YouTube, que nos fazia cair no clipe de “Never Gonna Give You Up”, de Rick Astley, num primeiríssimo Rick Roll’d em larga escala. Ao mesmo tempo, o próprio site da banda revelava a seguinte mensagem:
“Hello everyone.
Well, the new album is finished, and it’s coming out in 10 days;
We’ve called it In Rainbows.
Love from us all.
Jonny”
Dali você era redirecionado para o site InRainbows.com, que escreveria uma nova página na história do capitalismo. No momento em que você optava por comprar o álbum, o site lhe oferecia a opção de escolher o preço que queria pagar. Não era simples altruísmo: assim, o que o Radiohead admitia era o fato de que, uma vez feito, o disco já estava lançado – pagaria quem se dispusesse a faze-lo. Mais do que ter o preço avaliado pelo comprador – o que é um conceito inovador em si –, In Rainbows foi dado de graça. Quem quisesse, poderia pagar pela comodidade de receber, além das dez faixas disponibilizadas em MP3, um pacote com o disco em vinil em edição especial, que ainda incluía um disco extra. Calibrando suas faixas com um bitrate específico (160 – ao contrário dos 320, 192 ou 128 que são usados como padrões), eles logo dominavam a rede com o mesmo disco em milhões de HDs diferentes. Ao contrário do vazamento involuntário, que pode pular uma das etapas do processo de produção do disco e vir com algo menos (títulos definitivos, masterização, ordem das músicas, etc.), In Rainbows chegou inteiro e ao mesmo tempo para todo seu público – e exatamente como queriam seus autores. Em um fim de semana, o sétimo disco do Radiohead deixava de ser uma conspiração decodificada por fãs para se tornar um novo paradigma para a cultura pop.
In Rainbows ainda tem outro mérito – o de mostrar que download gratuito não pressupõe pirataria, como desinformava a guerra de nervos promovida pela indústria do disco no início da década, quando insistia em jogar na internet a culpa da má gestão de seus próprios negócios nos anos 90 e trata-la como vilã. Assim, se uma incauta geração inteira baixava MP3 como se não houvesse amanhã, outra, precavida, comprava seus MP3 com medo de prejudicar seus artistas favoritos. O Radiohead deu a esta última a chance de baixar não apenas uma música, mas um disco inteiro, de um artista estabelecido – de graça, sem dor.
O feito transformou o Radiohead em novo paradigma digital. Não apenas o universo musical, mas todos conscientes do papel da internet ouviram falar da nova estratégia da banda, que em uma semana, teve mais de um milhão de downloads só do site oficial, dominou a parada da Last.fm e apresentou-se para gente que nunca tinha sequer parado para ouvir o grupo. Além de impulsionar uma safra de artistas a adotar o formato.
Há quem desmereça o feito como mero recurso técnico feito para distrair a atenção da essência artística – reação usada para esvaziar os efeitos de Guerra nas Estrelas ou de Dark Side of the Moon, a cor em O Mágico de Oz, a pompa de Sgt. Pepper’s, o timbre de João Gilberto, a falta de respostas em Lost ou a filosofia de araque em Matrix. Os detratores do pop desvinculam tais elementos de suas obras originais de forma a torná-los ridículos para quem acompanha o fenômeno de fora, sem perceber que é justamente esse o elemento responsável por ampliar o público para longe do nicho, rumo às massas. E por mais óbvio que pareça ter sido o salto dado por In Rainbows, ele foi crucial, pois quebrou o parâmetro linear de produção da era analógica, que inevitavelmente faria o disco ser lançado mesmo em março de 2008, caso a banda entregasse o disco à gravadora, e não ao público. A sensação de desnorteamento foi tamanha, que havia quem considerasse o lançamento digital do disco um híbrido improvável batizado de “vazamento oficial” – sem perceber a contradição no termo. Como provocação, a banda ainda marcou o lançamento oficial do CD para o primeiro dia de 2008 – como se perguntasse a quem falou em “vazamento oficial” de quando é que eles vão datar o CD, 2007 ou 2008? Endossando a provocação, o Radiohead ainda fechou um acordo com a CurrenTV de Al Gore para transmitir um show gravado no estúdio da banda no último dia de 2007. Poucas horas antes do disco chegar às prateleiras das lojas do mundo, milhares de fãs da banda em todo o planeta cantavam todas as músicas de um disco que ainda não existira fisicamente, apenas de forma digital.
Mas o fato é que todo esse rebuliço não seria tão importante caso In Rainbows não fosse bom. Tanto que logo depois o Nine Inch Nails lançou um disco de forma ainda mais ousada – tanto em termos mercadológicos quanto em se tratando de narrativa – e ninguém mal ouviu falar do disco. Por que é ruim? Não, afinal de contas, o trabalho de Trent Reznor é sério. Mas por que não se conecta de forma tão intensa com a própria época como o do Radiohead.
E chamar In Rainbows de um bom disco é exagerar na modéstia. In Rainbows é o melhor álbum dos anos 00.
Pois todo experimentalismo da virada do milênio já havia sido digerido pela própria banda. Expurgando a possibilidade de se repetir ao cogitar discos de vanguarda em vez de álbuns de rock, o Radiohead aos poucos abandona a experimentação e o improviso, rumo ao artesanato cancioneiro. As texturas e timbres alienígenas de Kid A/Amnesiac surgem nas entrelinhas, nos arranjos, nos detalhes de In Rainbows – que é, essencialmente, uma continuação de OK Computer. Há uma linha de raciocínio que inclusive busca ligar ambos discos e fãs do grupo são instigados a procurar sentido em coincidências como o fato dos dois discos serem batizados com expressões com duas palavras, uma com duas letras e outra com oito. Já cogitaram até mesmo que a audição entrelaçada das faixas dos dois discos abre uma nova dimensão entre suas canções – mas o efeito é mais lúdico do que racional e poderia funcionar com quaisquer faixas dos últimos discos da banda (sinal da coesão de sua sonoridade). Mas há ainda quem veja coincidências nos detalhes – e há uma ênfase no número 10 que sugere alguma referência à linguagem binária no Código Radiohead. Além dos discos terem 10 faixas cada (OK Computer tem doze, sendo que uma, “Fitter Happier”, é um interlúdio), OK Computer e In Rainbows foram lançados com dez anos de diferença entre si – e o último lançado exatamente no dia 10 de outubro (o mês 10) de 2007. E mais: o fato do título dos discos começarem com as letras “O” e “I” também seria outro aceno ao código binário. “Down is the New Up” – parece que tem mesmo algo aí.
Mas, principalmente, há a música – e ela se mostra a princípio hermética. In Rainbows abre fechando-se com uma rajada de beats tortos, primos da gravadora Warp, que tanto bateu no grupo no início da década. “Como posso terminar onde comecei?”, pergunta-se Yorke, sem se preocupar em nos dar as boas vindas. “15 Step” aparentemente nos guia para outro beco sem saída experimental. Mas aos 40 segundos, deixa a guitarra jazzista de Jonny Greenwood superpor-se à percussão esquizofrênica – e a de Ed O’Brien logo surge funcionando como segunda voz, junto com uma sinuosa linha de baixo e uma melodia direta e reta, oposta a seus versos de abertura. “Tudo estava bem/ O que aconteceu? O gato comeu sua língua?”, pergunta o vocalista sobre a mudez espiritual de nosso tempo. “Etc. etc./ Fatos ou o que for”. O clima apático e tenso parece dissolver-se numa melancolia pós-milênio que filtra todo o disco – um sentimento que é um vazio existencialista parente da apatia cantada por Kurt Cobain e de um blues robô, que une Kraftwerk, Daft Punk, Aphex Twin e Brian Eno numa espécie de eletrônica autoral, em que o ritmo tem mais sentido do que sensação. Mas se essa sensação oca era a mesma que causava desespero e náusea em OK Computer, em In Rainbows ela parece menos caótica e mais precisa – como se tivesse completado um ciclo (os “15 passos” seriam um programa?).
“Bodysnatchers” segue dura e rock, com seu riff distorcido conduzindo o ritmo como um cavalo selvagem, acompanhado em seguida por toda a banda. Esta alterna entre o pique inicial (cuja letra revela seu protagonista catatônico – “pisque seus olhos/ Uma vez para ‘sim’/ Duas vezes para ‘não’/ Eu não faço idéia do que você esteja falando”) e uma clareira de ritmo, quase zen, quando uma guitarra saída de um disco do Cure ou um teclado fantasmagórico sublinha os gemidos de Yorke. “A luz apagou pra você?/ Pra mim, apagou/ É o século 21”, canta numa performance, que vai do grunhidos ao sussurro, sua voz tão solta na parte final da canção como qualquer outro instrumento da banda, tão importante à formação sonora quanto as três guitarras, os teclados ou a cozinha decidida – e é ela quem encerra a faixa repetindo “eles estão vindo!”, como se impressionada com a coesão e força da usina de som que lidera, logo depois de concluir “eu estou vivo”.
“Nude”, conhecida pelos fãs de shows com outro título, “Big Ideas”, começa superpondo vocais, samples de corais, cordas sintéticas para criar um clima de catedral, que é logo esvaziado – deixando apenas Yorke com o baixo de Colin Greenwood e a bateria de Phil Selway, criando uma atmosfera bucólica e tranqüila (embora a letra cante que por mais que você se apronte,“sempre algo estará faltando”), em que as duas guitarras entram como se fossem uma só, alternando detalhes dedilhados como nas baladas mais hipnóticas do Velvet Underground ou as canções mais pastoris do Pink Floyd. E logo essa estrutura instrumental serve como base para as mesmas cordas, samples e vocais que abriram a canção voltarem – e quando Yorke deixa sua voz soar sem letra, há um minuto do fim, estamos ouvindo um dos trechos musicais mais bonitos de nossa época, quase uma revelação sentimental, sentimentos que só a música consegue traduzir – palavras falham.
O disco retoma à contagem de tempo antes da bateria assumir o ritmo incessante kraut que funciona como tela em branco para três guitarras superporem dedilhados, completando-se em “Weird Fishes/Arpeggi”. Não consigo dissociar não apenas essa faixa, mas diversos momentos de In Rainbows, da descoberta do violão feita pelo Legião Urbana em seu segundo disco – até porque a própria trajetória do Radiohead ultrapassa um arquétipo vivido pelo grupo de Renato Russo, que é quando uma banda guitarreira descobre a eficácia da harmonia em detrimento do ritmo e a sutileza do instrumento acústico em contraste à histeria elétrica. “Weird Fishes” é parente bastarda de “Andréa Doria” e “Plantas Debaixo do Aquário”, as mesmas texturas instrumentais, mesma sensação de esperança disfarçada de desespero, mesma abordagem temática do mar (Andréa Doria era o nome de um barco italiano que afundou em 1956, perto de Nova York).
De andamento quase fúnebre, “All I Need” é outra bomba-relógio – ela parece prenunciar uma música tensa e solene, quando, na verdade, é a balada mais pop que o grupo já fez; uma canção pronta para aquecer corações, escorada em um arranjo com cara de Björk: bateria minimal, piano soturno, efeitos sonoros, ecos, muitos vazios. Ela termina em “Faust Arp”, uma microcanção em que o arranjo de cordas a deixa com ar ainda mais pastoril, nickdrakeano, onde o grupo faz valer seu anglicismo.
A linda “Reckoner” é outra música que vai sendo construída lentamente entre nossos ouvidos, cada camada de instrumento sendo disposta de forma didática, nos ajudando a ouvir o que cada um faz na banda e nos explicando sentimentalmente o que é que precisa nos afeiçoar em uma canção para que ela torne-se universal – neste caso, apenas o andamento e a melodia, todo o resto é assessório. O vocal de Thom em especial deixa a aparente psicopatia de lado e atinge seu grande momento – em especial quando, na segunda parte da faixa, canta consigo mesmo e entoa, quase em segredo, o nome do disco. “House of Cards” não deixa cair – e vai pela mesma fórmula da canção anterior nos fisgando sem pensar. Desta vez o ritmo é determinado pela guitarra, que é apenas seguida pela bateria, deixando Thom Yorke ter seu outro grande momento, cantando em tom grave, oposto ao falsete de “Reckoner”. Há tanta referência – e reverência – ao folk dos anos 70 quanto à música ambient da virada do milênio, em outra canção irretocável.
“Jigsaw Falling Into Place” é o grande momento do disco, como se fosse uma “Paranoid Android” amadurecida em dez anos – as mudanças entre as faces da música são menos abruptas e suas diferentes caras soam complementares, não antagônicas. Ela aponta para uma certeza que toma conta do disco – de que estamos finalmente vendo as coisas do jeito que elas são. Caem as máscaras erguidas pela comunicação e aos poucos conseguimos ver quem é quem, como se o ataque de pânico de OK Computer fosse substituído por uma sabedoria cínica, algo Tyler Durden, um sociopata disposto a derrubar tudo por dentro – a princípio o tom é sóbrio:
“Logo que você segura minha mão
Logo que você anota o número
Logo que as bebidas chegam
Logo que eles tocam sua música favorita
A mágica desaparece”
A letra continua dissecando toda a tensão da sociedade moderna do mesmo jeito em que a banda cresce – instrumentos acústicos e vocais que cantarolam começam a ser trocados por berros, solos de guitarra e cordas dramáticas e a música ganha um volume e densidade que no início era apenas referido. A letra invade um outro país das maravilhas de Alice, de paredes que perdem forma e gatos que sorriem mas também de ruído, ritmo e câmeras de circuito fechado. “Nunca fui lá/ Só fingi que fui”, “antes que você entre em coma/ Antes que você fuja de mim”, “Pra que servem instrumentos?/ Palavras são armas de cano serrado”, Yorke nos induz ao transe dervixe inglês antes de sentenciar que o quebra-cabeças começa a fazer sentido: “As peças se encaixam/ Não há nada a ser explicado”, canta como um guru psicodélico que guia um novato em uma viagem alucinógena – mas a viagem que a banda propõe é justamente abandonar o excesso de referências que polui e superlota nossas cabeças para “desejar que o pesadelo se vá”, pois “você tem uma luz e pode senti-la”. E ele não está sendo esotérico, como dá pra perceber.
“Videotape”, devagar quase parando, encerra o disco com a melancolia de um velho VHS, Thom Yorke vê-se póstumo ainda querendo ater-se à vida que acabou de perder (“quando eu chegar às portas do céu/ Isso estará gravado em vídeo/ Mefistófeles logo abaixo/ Tentando me puxar”), nos fazendo pensar em nostalgia e como nos apegamos mais ao passado do que ao presente. Os acordes congelados ao piano são emoldurados por ruídos e texturas, sem nunca superpor-se à canção.
In Rainbows é um conjunto perfeito de 10 canções perfeitas. Elas conversam entre si exatamente como falam das sensações que todos sentimos nos dias de hoje – um medo opressor cuja natureza é indeterminada, a tensão de ser humano – animal ou racional? – na medida em que a civilização entra em colapso, uma sensação vazia que se sobrepõe ao excesso de tudo. São os mesmos sentimentos desenhados em OK Computer, o que muda é a relação da banda com eles – se no primeiro disco parecia espantar-se e cogitar o suicídio, neste percebe que todo o ruído e poluição é só a casca de uma pseudo-realidade – e que o que há por trás do excesso de informações e caos de consciência que distorce nossa rotina é muito simples, claro e fácil.
Alie isso ao fato de In Rainbows não ser um disco de inéditas. Conhecidas de seu público através de shows, todas as faixas já haviam aparecido mais de uma vez e já tinham vídeos no YouTube, letras em sites de fã e seqüências de acordes em repositórios online de canções cifradas para violão. Não era seu ineditismo que as tornava especiais em In Rainbows – mas a forma em que elas foram dispostas, sua produção, seus arranjos, o sentido que fizeram umas juntas às outras. Uma outra leva de músicas ainda podia ter se juntado à coleção inicial mas terminou como uma espécie de conteúdo extra – o segundo disco do vinil duplo vendido através do site – mas que, quis o destino, não era In Rainbows.
In Rainbows é um conceito fechado, uma declaração de princípios, um manifesto estético. Mais do que um disco que assumiu-se digital por natureza e copiável por definição, é uma coleção de canções que não apenas traduzem certas sensações que permeiam nosso dia a dia, como faz isso com estilo, bom gosto, senso de importância e perspectiva histórica. Uma obra que ainda faz valer a existência de um formato, a prova de que o fim do CD não pressupõe o fim do álbum. E, por tudo isso, é o disco mais importante da década.
Nos anos 90, o Radiohead não chegou perto deste título pois seus padrões foram estabelecidos logo no início – e OK Computer teria de competir com obras-prima como Blue Lines, Nevermind, Check Your Head, Loveless, The Chronic, Screamadelica e BloodSugarSexMagick. A década seguinte também talhou seu modus operandi de cara – e, desde o início, descartou o álbum como formato. Medidos em canções, os anos 00 esvaziaram o formato álbum de diferentes formas – de bandas que movimentam-se exclusivamente por singles (como toda a geração novo rock nascida após os Strokes) a artistas que se lançam por etapas, adicionando elementos extra à medida em que envolvem o ouvinte (pense nas carreiras de Dangermouse, Jack White, Marcelo Camelo ou Nick Cave – e suas muitas camadas de apresentação ao público). Quando o Radiohead se propôs a lançar In Rainbows como o lançou, sabia onde queria estar.
A expectativa para os shows do Radiohead no Brasil essa semana não é à toa: estamos às vésperas de assistir à maior banda do planeta hoje tocar o show da turnê do disco da década.
Alexandre Matias
Aproveitando da recente passagem do grupo pelo Brasil para criar um tópico pra eles aqui no Meia.
Acredito que quase ninguém por aqui compartilhe do meu entusiasmo pelo Radiohead,banda que acompanho com *muita* atenção desde 2000,quando escutei o OK Computer pela primeira vez.
Posso dizer que é a banda mais importante na minha vida nos últimos cinco anos e está entre as minhas 5 bandas prediletas.
Infelizmente não pude ir em nenhum dos dois shows no Brasil,por motivo de acontecimentos que fugiram ao meu controle,fica pra uma próxima vez(se eles voltarem...).
Desculpem pelo post quilométrico...
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