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Quem foram os verdadeiros heróis da Terra-Média?

Provavelmente a história mais tocante em todo o legendário de Tolkien é aquela de Beren e Lúthien. Eles são os verdadeiros heróis da Terra-Média, os primeiros e únicos dentre os Elfos e Homens a conseguirem qualquer resultado palpável contra Morgoth na nefasta Guerra das Silmarils. Eles também são os únicos heróis da Primeira Guerra a serem atribuídas quaisquer considerações significativas nas páginas de O Senhor dos Anéis.

Muitos fãs de Tolkien sabem que Beren e Lúthien eram uma metáfora para o relacionamento romântico de Ronald Tolkien e Edith Bratt, mas é raro o impacto da realidade de seu romance sobre as estórias de Tolkien tomados em total consideração pelos críticos ou eruditos. Tolkien era três anos mais novo que Edith, assim como Beren era equivalente em milhares de anos mais novo que Lúthien. O tutor de Tolkien, Padre Francis Morgan, cultivou a educação de Ronald e pretendia que ele alcançasse algo maior na vida do que apenas se juntar com uma garota e ter uma família. Ele parecia sentir que o relacionamento de Tolkien com Edith ameaçava o alcance de uma educação superior. Thingol achava que Lúthien merecia um melhor companheiro do que um simples Homem, especialmente um cuja casa havia sido destruída na guerra.

O Padre Francis obteve sucesso ao separar Ronald e Edith por um período de três anos, mas quando o jovem alcançou a maioridade, ele escreveu a Edith e garantiu que seus sentimentos eram fortes como sempre. Humphrey Carpenter, biógrafo de Tolkien, escreve “Houve declarações e promessas ... que Ronald achava que não seriam fáceis de quebrar. Além do mais, Edith havia sido seu ideal nesses últimos três anos, sua inspiração e sua esperança para o futuro. Ele alimentou e cultivou seu amor por ela de forma que cresceu em segredo, mesmo tendo sido alimentado unicamente em suas memórias de adolescência e fotos de Edith em sua infância..” (Carpenter, “Biography”, p.68).

Seu romance inicial incluía excursões secretas e confidenciais, assim como Beren e Lúthien, que se encontravam secretamente em Doriath, principalmente após Padre Francis ter descoberto pela primeira vez o relacionamento deles e ter demandado que Ronald terminasse-o. Como Beren nos bosques de Doriath, Ronald começou seu “pagamento de angústia pelo destino que foi dado a ele” quando ele teve que se despedir de Edith por três anos. “Três anos é algo terrível”, escrevera Ronald em um diário que manteve em períodos que se sentia mal.

O relacionamento de Beren e Lúthien trouxe imensas mudanças pessoais as suas vidas, assim como às vidas das pessoas que os cercavam. Apesar de que alguns paralelos podem ser encontrados no relacionamento de Ronald e Edith, seria fantástico e poético identificá-los fortemente. Beren era um guerreiro, mas também um fora-da-lei e crescera para a humanidade com seu pai, e perdera sua mãe quando Emeldir levou as últimas mulheres e crianças de Dorthonion.

A Guerra ofuscara o início da vida de ambos os casais. O povo de Beren foi assassinado ou levado na Dagor Bragollach e seus resultados, e o povo de Lúthien foi finalmente levado para a periferia da longa guerra entre os Noldor e Morgoth quando os Orcs começaram a atacar as fronteiras de Doriath. Tolkien partira para servir o exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial, e, enquanto se recuperava de um caso atípico de Febre das Trincheiras, o que o levou a voltar para a Inglaterra, Tolkien começou a escrever os Lost Tales. Nessa altura, todos seus antigos amigos de Oxford, menos um, haviam sido mortos na guerra, tal como Beren, cujos companheiros, em sua maioria, morreram em Dorthonion. Tolkien estava isolado de seu passado.

Talvez a morte mais comovente dentro do pequeno círculo de amigos do Tolkien foi a de Geoffrey Bach Smith, que se uniu ao grupo de amigos de Ronald no colégio, conhecido informalmente como T.C., B.S. (Tea Club, Barrovian Society). Com a influência de Smith e o amor de Ronald por grandes épicos, o grupo começou a desenvolver um total apreço por poesia, e perto do fim de sua breve vida, Smith escreveu a Tolkien: “O meu consolo é que se falhei hoje – estarei indo descansar em alguns minutos – ainda haverá um membro do grande T.C.B.S. para divulgar o que sonhava e naquilo em que todos concordávamos. Pois a morte de um de seus membros não pode, de maneira alguma, desfazer o T.C.B.S. A morte pode nos deixar relutantes e incompetentes como indivíduos, mas não pode pôr um fim aos quatro imortais!...” (Ibid., p. 97).

Em muitas maneiras eu acho que Tolkien manteve vivo o sonho divulgado por Smith, e ele provou as palavras de Smith profeticamente, pois muitos anos após a morte do próprio Tolkien, seu “Lay of Leithian”, apesar de incompleto, é idolatrado pelos muitos fãs que foram privilegiados ao lê-lo. O poema é rico e comovente, romântico e épico em tema e estilo. E ele detalha o amor de Beren e Lúthien com uma paixão que nunca morrerá.

Nós conhecemos apenas um vislumbre do fogo e profundidade da estória, quando Aragorn procura confortar os Hobbits do Condado na escuridão do Topo do Vento. “Vou contar-lhes a história de Tinúviel – disse Passolargo. – Resumida, pois essa é uma longa história da qual não se sabe o fim; e ninguém atualmente, com exceção de Elrond, pode lembrá-la exatamente como era contada há tempos...” (Tolkien, “Sociedade do Anel”, p.203). O mesmo pode ser dito sobre a estória de Ronald e Edith, pois na época que ele escrevera essa passagem, eles tinham ainda muitos anos pela frente, e ele não sabia como seu conto terminaria.
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As palavras de Aragorn foram pronunciadas, no entanto, na observação do próprio Sam muitos capítulos (e meses) depois em “As escadarias de Cirith Ungol” onde ele e Frodo estavam no mesmo conto que Beren e Lúthien, pois eles estavam carregando parte da luz da Silmaril resgatada por Beren e Lúthien em um frasco preparado por Galadriel, e eles estavam perseguindo a destruição de Sauron, que havia lutado com o casal eras antes, quando ele mesmo era um servo do grande Senhor do Escuro.

E na vida real, as palavras de Aragorn se refletiram no fato de que Tolkien nunca completara seu conto. Ele sabia, mais ou menos, como as vidas de Beren e Lúthien terminariam, mas os detalhes não foram escritos. Aragorn não poderia ter contado o fim da estória, independentemente de quão relevante fosse a estória para o Senhor dos Anéis. Mas como muitos apontaram, a própria estória de Aragorn é muito similar àquela de Beren. Assim como Beren, Aragorn perdeu seu pai para os servidores do inimigo, mas o pai de Aragorn morreu quando ele ainda era uma criança e Aragorn nunca o conhecera. Aqui o paralelo é mais próximo entre Aragorn e Tolkien, cujo pai morrera quando ele tinha apenas 3 anos de idade, a mesma idade em que Aragorn perdera seu pai.

O patrimônio de Aragorn nunca fora realmente polido, apesar de ter diminuído através dos séculos. Ele era um descendente de reis cujos herdeiros se tornaram capitães de um misterioso povo vagante. Os Tolkiens emigraram da Alemanha para a Inglaterra no século XVIII. Eles construíram um negócio familiar na indústria de pianos, mas o pai de Arthur Reuel Tolkien falira, e foi forçado a procurar sua fortuna em outro lugar, aceitando um cargo na África do Sul, onde seus filhos John Ronald e Hillary nasceram. Arthur nunca vira a Inglaterra novamente e sua esposa Mabel retornou a Inglaterra com seus filhos um pouco antes de sua morte.

Aragorn crescera com sua mãe, Gilraen, cujo pai se opusera ao seu casamento com Arathorn II de maneira similar ao modo como o pai de Mabel, John Suffield se opôs ao seu casamento com Arthur Tolkien. Aragorn crescera com seu padrasto, Elrond, que era sábio e desenvolvera uma profunda afeição pelo garoto. O tutor de Tolkien após a morte de sua mãe, Padre Francis, não era de fato sábio, mas ele e Ronald tinham uma afeição um pelo outro e Ronald respeitava as decisões de Padre Francis, apesar de discordar de algumas delas. Portanto, há uma ressonância do problema entre Ronald e Padre Francis em relação ao seu relacionamento com Edith, quando Elrond convoca Aragorn e o avisa que ele está sonhando muito alto, e também o proíbe de ter uma esposa até que haja provas de ele ser digno de tal.

Através dos longos anos em que Aragorn e Arwen trabalharam constantemente para seu objetivo, ela parece ter contribuído pouco, aos olhos de muitos fãs de Tolkien, exceto pelo misterioso estandarte que proclamava o patrimônio de Aragorn ao povo de Gondor. Mas nos raros vislumbres de Arwen, Tolkien nos mostra algo de uma sabedoria mais profunda e uma força e fé que são tão duradouras quanto o amor de Aragorn. Ela é a primeira pessoa que percebe a profundidade do ferimento espiritual de Frodo, e em uma de suas cartas, Tolkien credita a Arwen o papel de pôr em ação os eventos que levam Frodo a embarcar para o Mar a fim de encontrar descanso e cura antes que ele morra.

A luta de Aragorn no amplo mundo é longa e difícil, mas sua luta pessoal é mais profunda e mais comprometida do que a maioria daqueles que o rodeiam. Pode ser que somente os Sábios, assim como Gandalf, Elrond, Galadriel e Arwen (e seus irmãos) entenderam o quanto que o futuro de Aragorn estava comprometido devido a sua escolha. A linhagem de Isildur não continuaria se ele não guiasse o Oeste à vitória sobre Sauron. Não foi simplesmente um modo da linhagem direta de herdeiros acabar com Aragorn. Seu povo era pequeno em número e se perderiam na tempestade se Sauron tivesse sucesso ao recuperar o Um Anel.

A vida de Tolkien nunca alcançou aposta tão grande, mas ele viveu através da Segunda Guerra Mundial e há épocas em que as pessoas se imaginam como tudo se finalizará. Quando Londres e outras cidades estavam sendo bombardeadas, os Ingleses certamente se justificavam sobre o quanto demoraria para os Alemães chegarem em suas praias. Dois dos filhos de Tolkien serviram nas Forças Armadas Britânicas durante a guerra e, tendo visto as devastações provocadas por grandes nações em sua juventude, ele sabia muito bem sobre os perigos que seus filhos enfrentavam na batalha.

Há um certo eco sobre a Segunda Guerra Mundial na estória de Tolkien, mas a Primeira Guerra Mundial parece ter deixado um senso indelével de perseverança determinada, mas desesperada em seu espírito. A futilidade dos ofensivos anéis é claramente mostrada na desesperançosa guerra dos Noldor contra Morgoth. A matança sem sentido e o gradual abandono da civilização sobre a paisagem severa e desnuda de Eriador como no “Conto dos Anos” de Tolkien registra o gradual desaparecimento dos domínios Dúnadan na Terra-Média. E, no entanto, os Dúnedain sobreviveram. Os Dúnedain de Arnor não sumiram ou morreram quando seus reinos chegaram ao fim. Eles passaram pelos ermos, continuando sua antiga guerra contra as criaturas do mal e, através de dez séculos, preservaram a linhagem de seus líderes, mesmo com circunstâncias desfavoráveis a eles.

O sucesso da família sobre as adversidades da vida é o centro da força na personagem de Aragorn, e é um tributo silencioso à perseverança familiar do próprio Tolkien. Arthur Tolkien e Mabel Suffield Tolkien fizeram o melhor que puderam para si próprios e seus filhos, e Ronald foi deixado aos cuidados de um guardião austero, porém preocupado, que tinha certeza que o garoto conseguiria algo como Homem.
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Aragorn é uma reflexão tardia sobre Tolkien, assim como Beren é uma reflexão precoce. Beren é um tanto quanto esperto e fora-da-lei, opondo-se aos limites impostos sobre ele pela autoridade, sem realmente contestar a autoridade, atitude esta intensificada devido a sua resolução ao firme amor por Lúthien. Aragorn não é um fora-da-lei, mas sim um homem desprovido de seu patrimônio e que constrói um novo patrimônio para seus descendentes, encorajado e sustentado pelo amor e fé de Arwen.

A estória de Aragorn e Arwen é, em certas maneiras, uma continuação da estória de Beren e Lúthien. Ao invés de deixar Doriath para a solidão quieta de Ossiriand, os heróis permaneceram no norte e ajudaram a conter as forças da escuridão. O último casal não corresponde ao primeiro em ousadia e feitos, mas sua realização provou ser a mais duradoura. A coroação e o subseqüente casamento de Aragorn é, talvez, uma reconciliação de Tolkien com suas paixões mais profundas. Ele passou a compreender que ele, de fato, alcançou seu potencial, que talvez não fora o que Padre Francis via, mas que é de qualquer forma, extremamente válido.
 

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